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Venezuela

Para invadir a Guiana por terra, Venezuela teria que passar pelo território brasileiro; entenda

Alternativa seria uma ação aeronaval, mas com riscos operacionais maiores para a Venezuela, explicam especialistas

Rio Essequibo, zona de disputa há décadas entre Guiana e Venezuela Rio Essequibo, zona de disputa há décadas entre Guiana e Venezuela  - Foto: Wikimedia Commons

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, tem repetido há dias que seu governo irá recuperar o Essequibo, uma região em disputa que representa mais de 70% do território da vizinha Guiana. Para invadi-lo por terra, no entanto, Caracas teria que necessariamente passar pelo território brasileiro, o que embora seja possível, não parece provável no contexto atual, disseram especialistas ao Globo.

— Uma manobra como essa evidentemente não seria permitida pelo Brasil, porque um conflito em plena Panamazônia sul-americana tem potencial de abrir uma quarta frente de confronto geoestratégico no mundo, depois do Mar do Sul da China, Ucrânia e Israel, o que é extremamente grave do ponto de vista do interesse brasileiro e sul-americano — afirmou Ronaldo Carmona, professor de geopolítica da Escola Superior de Guerra. — Outra possibilidade seria uma ação aeronaval, mas que representaria maiores riscos operacionais para a Venezuela.

O coronel da reserva Paulo Roberto da Silva Gomes Filho, mestre em Ciências Militares, explica que a fronteira entre Venezuela e Guiana é predominantemente formada por selva, o que impede o deslocamento de colunas de viaturas blindadas e dificulta o deslocamento de tropas a pé, assim como o envio dos suprimentos necessários à manutenção das tropas em combate. Por outro lado, na fronteira com Roraima, a vegetação de campos gerais é adequada ao movimento das tropas.

— Uma eventual ação militar venezuelana, muito provavelmente, seria planejada projetando-se poder do mar sobre a terra, em uma operação anfíbia, no qual a Venezuela desembarcaria tropas em algum ponto do litoral guianense — acrescentou Gomes Filho.

Um confronto armado hipotético entre a Venezuela e a Guina colocaria frente a frente forças militares "bastante assimétricas", destaca Carmona. Enquanto as forças venezuelanas estão entre as mais bem equipadas da América do Sul, as guianenses têm um pequeno efetivo, diz o especialista.

— Se considerarmos um confronto direto, a superioridade militar venezuelana é bastante desproporcional.

A Venezuela é o 6º país que mais investe na área militar no mundo, enquanto a Guiana está apenas na 152ª posição, segundo o The World Factbook, da CIA, a agência de inteligência americana.

Para Maurício Santoro, cientista político, professor de Relações Internacionais e colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha, uma ação militar venezuelana na Guiana é possível, mas improvável.

— Um ataque desse tipo à Guiana colocaria a Venezuela sob fortes sanções internacionais, em um momento no qual Maduro busca recuperar legitimidade global, sobretudo por meio das negociações com a oposição para realizar eleições livres e limpas em 2024 — diz Santoro. — As motivações de Maduro em reacender o conflito pelo Essequibo são mais no sentido de mobilizar a opinião pública em torno de uma causa patriótica de grande apelo nacional, tanto para partidários do governo quanto da oposição. Ele quer ser visto como o líder que defende o país, em uma eleição acirrada, e com sua popularidade em baixa.

Reforço brasileiro
O Exército brasileiro enviou 20 blindados para Pacaraima, em Roraima, em meio à tensão na fronteira devido à disputa entre Venezuela e Guiana pela região de Essequibo, rica em petróleo. A expectativa é que a situação não se agrave, mas a instituição se prepara para reforçar a presença no local.

De acordo com o ministro da Defesa, José Mucio, o deslocamento das unidades já "estava planejado" para dar apoio a operações de "combate ao garimpo ilegal", mas as unidades blindadas também poderão ser usadas para garantir a segurança na região.

Os blindados são do modelo Guaicuru, e vão sair de unidades no Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso do Sul, onde ficam armazenados, segundo o Estadão. O tempo de transporte deve ser de pelo menos um mês.

As viaturas blindadas multitarefa – leve sobre rodas (VBMT-LSR) 4X4 LMV-BR, da IDV —, foram incorporadas há pouco tempo ao Exército, e receberam o nome de “Guaicuru” em homenagem a uma tribo indígena guerreira, que habitava os sertões do Centro-Oeste brasileiro e que era famosa por utilizar cavalos para caçar e atacar seus inimigos.

Recentemente, o Exército brasileiro aumentou para 130 o efetivo para patrulhamento na fronteira com a Venezuela. O Pelotão Especial de Fronteira de Pacaraima, em Roraima, que normalmente opera com 70 homens, ganhou o reforço de mais 60 militares na semana passada.

A ampliação do efetivo faz parte da ativação do 18º Regimento de Cavalaria Mecanizado (18° R C Mec) com sede em Boa Vista, Roraima, a partir da transformação do 12º Esquadrão de Cavalaria Mecanizado (12° Esqd C Mec).

O coronel da reserva Paulo Roberto da Silva Gomes Filho, mestre em Ciências Militares, explica que um regimento é composto por três esquadrões, o que significa que o Exército pretende triplicar a capacidade militar desse pelotão em Boa Vista.

— Os carros blindados que estão sendo enviados para lá fazem parte do equipamento deste regimento — disse Gomes Filho ao Globo. — Eles serão empregados em qualquer tipo de operação em que o regimento seja envolvido, desde uma operação de alta dificuldade, como uma guerra, até eventuais ações subsidiárias de combate a ilícitos transfronteiriços.

A crise entre Venezuela e Guiana também é acompanhada com atenção pelo Ministério das Relações Exteriores, segundo a embaixadora Gisela Padovan, secretária de América Latina e Caribe no Itamaraty.

— Estamos falando em alto nível com os dois países e esperamos que a solução seja pacífica — afirmou a diplomata.

Imbróglio do século XIX
A disputa pelo Essequibo remonta ao século XIX. De um lado, a Guiana se atém a um laudo arbitral de Paris de 1899, no qual foram estabelecidas as fronteiras atuais. Do outro, a Venezuela se apoia em sua interpretação do Acordo de Genebra, firmado em 1966 com o Reino Unido, antes da independência guianesa, em que Londres e Caracas concordam em estabelecer uma comissão mista "para buscar uma solução satisfatória", já que Caracas considerou o laudo arbitral de 1899 "nulo e vazio" — o governo britânico, no entanto, não corroborou esse posicionamento.

Único país da América do Sul que tem o inglês como idioma oficial, a Guiana se tornou oficialmente parte do Império Britânico em 1814, após o território ter sido cedido pela Holanda, que estava no poder desde o século XVI, depois de ser tomado por tropas britânicas em 1796. Antes disso, a região já havia sido explorada pelos espanhóis no século XV, mas não chegou a ser colonizada, como a vizinha Venezuela. Mesmo independente, até hoje a nação integra a Comunidade Britânica, grupo composto por 53 países que fizeram parte do antigo Império.

Até 1831, o território guianês era dividido nas colônias de Essequibo, Demerara e Berbice, mas foi unificado sob domínio britânico, quando passou a se chamar Guiana Inglesa.

Embora a Guiana tenha sido explorado por três nações europeias diferentes, a maior parte da sua população de 808 mil habitantes — um pouco maior que a de São José dos Campos, em São Paulo — é descendente de africanos escravizados e indianos, que depois da abolição da escravatura, em 1837, foram enviados para trabalhar nas plantações substituindo a população negra.

Quase 90% dos seus habitantes vivem no litoral, sobretudo na capital Georgetown, já que boa parte do território do país é tomado pela Floresta Amazônica.

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