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ARGENTINA

Partido de Milei apresenta projeto para voltar a criminalizar o aborto na Argentina

Texto foi apresentado na segunda-feira, mas conteúdo só foi divulgado nesta quarta; plano prevê que juiz decidirá se abortos cometidos após estupros serão punidos

Congresso argentino analisa os pontos do pacote de Milei sobre os quais ainda não há acordo Congresso argentino analisa os pontos do pacote de Milei sobre os quais ainda não há acordo  - Foto: Luis Robayo/AFP

O partido de Javier Milei, o Liberdade Avança, apresentou no Congresso argentino um projeto para derrubar a lei que legalizou, em 2020, o aborto no país. A oficialização do texto foi na segunda-feira, mas seu teor só foi revelado na noite desta quarta-feira, um dia depois do governo sofrer uma dura derrota no Legislativo, quando viu a sua "Lei Ônibus" voltar à estaca zero na Câmara.

O projeto defende que a Lei 27.610, de 2020, que trata sobre a interrupção voluntária da gestação, seja abandonada, e que as regras anteriores sejam retomadas. A legislação atual foi aprovada após intensos debates e pressão das ruas, e foi promulgada no dia 14 de janeiro de 2021, autorizando que o procedimento seja realizado até a 14ª semana de gestação, em até dez dias após o pedido oficial ao serviço de saúde, sem custo à paciente.

Pelo novo projeto, a mulher que realizar um aborto por conta própria ou "consentir que outra pessoa o realize" poderá ser punida com até três anos de prisão — pela lei anterior à de 2020, o aborto era permitido em casos de risco à saúde da mãe ou de estupro, mas o texto apresentado pelo partido de Milei sinaliza que a decisão final ficará nas mãos da Justiça.

"Decidimos eliminar a causa da não punibilidade porque entendemos que ela tem sido sistematicamente interpretada como justificativa para a prática", diz o projeto. "O juiz poderá determinar que a mulher seja liberada da pena por causa dos motivos que a levaram a cometer o delito, sua atitude posterior e a natureza do feito".

A autora do projeto é a deputada Rocía Bonacci, de 27 anos e que se elegeu pela primeira vez para um cargo público no ano passado — a deputada Lilia Lemoine, conhecida pelo seu ativismo antiaborto, também assinou o texto.
 

Para as pessoas envolvidas no aborto, a pena poderá chegar a até dez anos de prisão, chegando a quinze caso a mulher morra em virtude do procedimento, que agora seria realizado ilegalmente e sem garantias à saúde dela. Profissionais serão inabilitados por longos períodos caso sejam condenados, com uma única exceção: se o aborto for realizado para salvar a vida da mãe. Mesmo assim, estarão sujeitos às penas criminais previstas pela legislação.

Durante a campanha, Milei e seus aliados atacaram de forma recorrente a legalização do aborto na Argentina, e o então candidato chegou a prometer que faria um plebiscito sobre o tema caso vencesse. Para ele, aborto é o "assassinato de um ser humano indefeso no ventre da mãe".

Sua candidata à vice, Victoria Villaruel, disse, dias antes da eleição, em novembro do ano passado, que a legislação seria novamente debatida e revisada "a partir de bases científicas e com argumentos sérios e não tão ideológicos como os que sustentam a legislação vigente atualmente”. Uma linha de pensamento alinhada a setores conservadores da sociedade argentina, que se opuseram vorazmente à aprovação do texto de 2020.

No projeto apresentado pelo Liberdade Avança, o aspecto ideológico sobre a prática do aborto também está presente.

"A tremenda crise que vive o nosso país não é apenas política ou econômica, é fundamentalmente moral. A classe política deve regressar ao conceito de 'bem comum' como elemento fundador do princípio da hierarquia", diz o projeto. "Desta forma, recupera-se uma legitimidade que hoje é questionada e que só será reconstruída se forem implementadas as condições institucionais, materiais e espirituais que permitam o desenvolvimento normal e pleno de cada um dos argentinos.”

Ainda não foram anunciados os trâmites do texto, que veio à tona um dia depois do governo de Javier Milei sofrer a sua maior derrota no Congresso desde a posse, em dezembro. Após a aprovação dos termos gerais da Lei Ônibus, que traz modificações profundas no funcionamento do Estado, na semana passada, vários pontos importantes da medida foram derrubados na análise individual dos destaques, inclusive com apoio da centro-direita.

Em resposta, o bloco governista retirou o projeto e o levou de volta à fase de comissões, efetivamente anulando tudo que havia sido aprovado. Milei e seus aliados reagiram com críticas aos parlamentares, com acusações de traição e com promessas de que a reação do Executivo será ainda mais dura do que se esperava.

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