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Passageiro negro agredido por motorista da Uber vai processar empresa

'Se ele tivesse armado, teria acabado com minha vida', afirmou Carlos Eduardo Fidelis, que foi confundido com assaltante por carregar uma garrafa de uísque

UberUber - Foto: Paullo Allmeida/Folha de Pernambuco

"Se ele tivesse armado, teria acabado com minha vida". A declaração é de Carlos Eduardo Fidelis, um jovem negro, de 18 anos, que foi atacado pelo motorista de aplicativo Matheus Fortes Esteves, na corrida que ia de Vila Isabel até Bonsucesso, no Rio de Janeiro, com uma parada em Maria da Graça, bairros da Zona Norte. O jovem levava uma sacola com uma garrafa de uísque para a festa. De acordo com ele, o motorista teria achado que ele carregava uma arma, e o que era para ser uma noite de comemoração acabou em agressões físicas e ofensas racistas.

— A gente veio conversando, até que chegou na altura do Boulevard 28 de Setembro e tudo mudou. Paramos no sinal. Eu estava distraído olhando pela janela, quando ele me deu uma cotovelada e falou: "perdeu, neguinho. não vai mais roubar aqui não" — lembra Carlos Eduardo, contando que o motorista aplicou um mata-leão nele. — Na hora perguntei o que ele estava fazendo e disse que não era bandido não, que era atleta. 

O motorista seguiu dirigindo com uma mão só e acabou batendo em outro carro. Foi, então, que Matheus trouxe Carlos Eduardo para fora do veículo pelo pescoço e continuou com as agressões. As imagens mostram que ele não ofereceu reação, apenas repetia que não era bandido. 

— Ele ficou pressionando a minha cara no chão e segurando os meus dois braços para não conseguir me mexer. Bati três vezes no chão, foi quando ele começou a me soltar — conta Carlos Eduardo, que falou que estava indo buscar a mãe. — Daí uma moça pediu o número da minha mãe, que confirmou a história da festa, e as pessoas viram que eu não era assaltante, que eu realmente estava indo buscar a minha mãe numa festa. Minha mãe chegou a achar que era trote, até que ela me ouviu chorando e viu que o negócio era sério.

— Não consegui nem dormir à noite. Estou em casa mesmo. Com a minha família e com os meus amigos.

A corrida aconteceu por volta das 19h50 da última quinta-feira. Como ainda iria buscar a mãe e a avó, Carlos Eduardo perguntou se poderia ir no banco da frente. A camisa do Flamengo que ele vestia deu início a uma conversa amigável sobre futebol. O jovem falou sobre sua trajetória no esporte, que já tinha passado por vários times, inclusive o Vasco, para qual torce o motorista.

—  Cheguei a comentar com ele sobre o tempo em que eu passei no Vasco, disse que é uma torcida boa, apaixonada pelo clube — conta Carlos Eduardo, que até dois meses atrás jogava no Goytacaz. — Comecei a jogar com 4 anos e já passei por vários times: Olaria, Madureira, Portuguesa.

Eliane Barboza, sogra de Carlos Eduardo, conta que chegou a falar com a madrasta do agressor. A mulher teria alegado que o motorista está com mania de perseguição. 

— Ela alegou que o Matheus está com mania de perseguição e que ele já teria tido rompantes parecidos com outras pessoas. Ele sabe o que fez — falou Eliane. — Não tinha nem que estar trabalhando. Poderia ter matado o Cadu. A Uber tem que responder por isso. Qualquer um pode entrar na Uber? Isso tem que mudar.

Carlos Eduardo diz que, até agora, o único contato feito pela Uber foi para anular a cobrança do pagamento em aberto da corrida, que deu pouco mais de R$ 20. Mas ele espera mais.

— Pretendo processar a Uber por eles deixarem qualquer maluco que se inscreve trabalhar na empresa. E em nenhum momento me pediram desculpas — lamenta. — Se ele tivesse armado, poderia ter acabado com a minha vida ali mesmo.

Inicialmente o caso foi registrado apenas como lesão corporal. Mais tarde, após os depoimentos e vídeos de Carlos Eduardo viralizarem nas redes, foi incluído também o crime de injúria racial.

— O delegado fez pouco caso, como se não tivesse acontecido nada. Mas claramente foi um crime de racismo. Se fosse um branco, isso não teria acontecido — afirma  Carlos. — Senti muita vergonha da situação, todo mundo vendo, achando que eu era assaltante. Só quero que a Justiça me ajude a prendê-lo..

De acordo com a 20ª DP (Vila Isabel), o caso foi registrado como lesão corporal e injúria racial. Os envolvidos e uma testemunha foram ouvidos, e a vítima foi encaminhada para exame de corpo de delito. Após o laudo deste exame, o caso será enviado à Justiça. A Uber disse que desativou a conta do motorista.

Confira a nota da empresa na íntegra:

A Uber não tolera qualquer forma de discriminação. Em casos dessa natureza, a empresa encoraja a denúncia tanto pelo próprio aplicativo quanto às autoridades competentes e se coloca à disposição para colaborar com as investigações, na forma da lei. A conta do motorista parceiro já foi temporariamente desativada, enquanto aguardamos pelas apurações

A Uber busca oferecer opções de mobilidade eficientes e acessíveis a todos. A empresa reafirma o seu compromisso de promover o respeito, igualdade e inclusão para todas as pessoas que utilizam o app.

Sabemos que o preconceito, infelizmente, permeia a nossa sociedade e que cabe a todos nós combatê-lo. Como parte desses esforços, a Uber lançou, por exemplo, o podcast Fala Parceiro de Respeito, em parceria com a Promundo, com conteúdos educativos sobre racismo. Além disso, em parceria com as advogadas da deFEMde, a empresa revisou o processo de atendimento na plataforma, a fim de facilitar as denúncias de racismo e acolher melhor o relato da vítima. Ano passado, a Uber também lançou uma campanha que convida usuários e motoristas parceiros para serem aliados no combate ao racismo. A iniciativa tem o objetivo de promover um conteúdo educativo dentro do próprio aplicativo e é parte de um compromisso global assumido pela empresa em 2020 com o objetivo de combater o racismo e criar produtos igualitários por meio da tecnologia.

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