Pedido de soltura de jovem presa após ir a entrevista de emprego, há 11 dias, segue sem julgamento
Familiares defendem inocência de jovens presas por suspeita de envolvimento em esquema de estelionato no escritório Icon Investimentos, investigado pela Polícia Civil
A jovem Lívia Ramos de Souza, de 19 anos, presa no dia 5 de junho enquanto fazia treinamento em uma entrevista de emprego na empresa Icon Investimentos, segue presa em Benfica, no Rio de Janeiro.
Além dela, que teria ido ao escritório pela primeira vez naquele dia, outra jovem, identificada como Kyara Rabelo, de 18 anos, e mais 16 pessoas foram presas por suspeita de envolvimento em um esquema de estelionato na venda de consórcios, crime praticado pela empresa e investigado pela Polícia Civil. Familiares, no entanto, defendem a inocência.
Segundo o advogado que representa a família de Lívia, Alex Silva Gomes, o pedido de revogação da prisão dela sequer foi julgado, mesmo após mais de dez dias. Ele alega que o atraso se deve a um erro na distribuição do processo, que, a princípio, teria sido enviado para uma vara criminal comum.
— Quando chegou às mãos do juiz, ele viu e mandou para o Ministério Público, que alegou incompetência e mandou de volta para que o juiz desse a decisão. O processo foi redistribuído e caiu para o mesmo juiz — afirma o advogado.
Procurado pelo GLOBO, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) confirmou que a prisão em flagrante das 18 pessoas foi convertida em prisão preventiva no dia 8 de junho. Na decisão, o juiz Diego Fernandes Silva Santos, que indeferiu o pedido de conversão em prisão domiciliar, sustenta que as vítimas dos golpes aplicados pela empresa poderiam sentir “medo e insegurança (...) por se verem constrangidas a partilhar o mesmo ambiente social com o(a) suspeito(a)”.
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Sobre os pedidos de revogação, o Tribunal de Justiça esclarece que “serão examinados pelo juiz da Vara Criminal para qual o processo vai tramitar, neste caso, na Vara Especialidade de Combate ao Crime Organizado”.
Sem contato com a família
Desde o dia da prisão, a auxiliar de serviços gerais Cristiane Pinto Ramos, de 51 anos, mãe de Lívia, diz que não consegue entrar em contato com a filha.
Segundo Cristiane, a filha estava em busca de emprego após o término de um contrato como jovem aprendiz, e viu na empresa uma oportunidade de se inserir no mercado de trabalho, para ter a carteira assinada. Ela seria admitida para vender consórcios e teria comissão sobre as vendas que efetuasse.
— Viu a vaga na internet, no site Infojobs. Chegando lá, já colocaram ela para fazer treinamento no computador. Não assinou nada, não chegou a fazer venda e não teve movimento de dinheiro entrando na conta dela, só estava treinando. Eu estava no trabalho, e quando foi 20 horas ela me ligou desesperada dizendo que estava presa — explica.
Lívia chegou ao escritório por volta das 10h. Às 14h, segundo Cristiane, os policiais chegaram e deram voz de prisão a todos. Horas depois, a jovem entrou em contato com a mãe e pediu para que ela fosse até a 58ª DP (Posse) para tentar tirá-la de lá, o que não foi possível.
Cristiane foi até a delegacia, onde falou com a filha pela última vez. Depois disso, não conseguiu mais contato. Segundo a mãe, um advogado da empresa afirmou que iria “pegar a causa” de todos os jovens presos.
— Quando vi que nada estava acontecendo, que o habeas corpus foi negado e que ela não saiu na audiência de custódia, rapidamente separei um advogado particular para cuidar do caso da Lívia. O caso da minha filha é diferente, primeiro dia de emprego dela, não sabia nada sobre essa empresa. O juiz não libera ela, ninguém está entendendo — conta.
Além da mãe de Lívia, familiares de outros jovens presos na operação também defendem a inocência deles. Na internet, alguns parentes começaram a pedir justiça, afirmando que eles não sabiam dos golpes e se candidataram às vagas pelo mesmo site usado por Lívia.
Pai da jovem Kyara Rabelo, de 18 anos, Ubirajara Tavares diz que a filha trabalhava no local há menos de um mês e não sabia dos golpes.
— É muito mole prender para investigar depois. Essa é a minha indignação. Eu estou há uma semana sem conseguir dormir, é só angústia. Criei minha filha dentro de casa, ela não era de rua. Sempre dei educação para ela, ela não tinha maldade. Eu sei como minha filha é, ela é muito inocente. Está difícil para caramba. Não sei expressar — diz.
Segundo a Polícia Civil, as investigações foram motivadas por registros de diversas vítimas da empresa. Durante as diligências no escritório, “18 pessoas que trabalhavam no local, naquele momento, foram presas em flagrante”.
A polícia afirma, ainda, que foram apreendidos computadores, aparelhos de telefone celular e documentos que incluem contratos em nome das vítimas e um roteiro “utilizado para a prática do estelionato”.
Delegado responsável pela investigação, José Mario Salomão Omena defende a legalidade das prisões em flagrante e diz que a investigação é encaminhada ao Setor de Inteligência, que faz uma investigação em grupo. Além disso, o delegado afirma que o tempo de trabalho de cada um deles foi indicado na decisão.
Segundo José Mario, mais de mil pessoas foram vítimas da empresa, e a estimativa dos ganhos obtidos a partir do golpe passa dos R$ 3 milhões.
— Encontramos uma pessoa negociando um carro inexistente e encontramos o esquema funcionando. Nunca teve carro entregue. Enriquecimento ilícito. Antes, funcionaram em outro endereço, com outro nome — diz o delegado.
A mãe de Lívia descreve os últimos dias como momentos de “aflição”, e conta que a filha é estudiosa e querida por todos que a conhecem.
"É uma menina estudiosa, terminou os estudos com 17 anos. Concluiu curso de administrativo em dois anos. Estudiosa, trabalhadora, carinhosa. Muito família, tranquila, educada e do lar. Uma menina meiga. Não tem nada que desabone a conduta dela. É cheia de amizades", diz.
A Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) afirmou, em nota, que Lívia está no Presídio Oscar Stevenson, em Benfica, e aguarda transferência. Ainda segundo a secretaria, não houve “qualquer restrição de acesso legal à custodiada”.