Pelo menos 550 muçulmanos morrem por calor intenso durante peregrinação do Hajj
Estudos apontam que tradição religiosa ocorrerá em temperaturas que excedem o "perigo extremo" mesmo que o mundo consiga mitigar os piores efeitos das mudanças climáticas
Pelo menos 550 pessoas morreram durante a peregrinação de cinco dias do Hajj devido ao calor intenso na Arábia Saudita, disseram autoridades nesta quarta-feira.
Os fiéis enfrentavam temperaturas altas nos locais sagrados do Islã no reino desértico: em Meca, os termômetros chegaram a registrar 47ºC nesta terça, de acordo com o Centro Nacional de Meteorologia do país, enquanto na Grande Mesquita de Meta o calor era de 51,8ºC na segunda-feira.
Sob anonimato, um médico da região disse à Associated Press que o número de vítimas poderia chegar a 600.
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A Arábia Saudita não comentou sobre as mortes ocorridas durante a peregrinação, exigida de todo muçulmano apto pelo menos uma vez na vida, nem ofereceu qualquer causa para os óbitos.
Embora mortes não sejam incomuns durante o Hajj – que por vezes atrai mais de 2 milhões de pessoas para o país – a tradição religiosa tem sido cada vez mais afetada pelas mudanças climáticas, de acordo com um estudo saudita publicado no mês passado.
As temperaturas na área onde os rituais são realizados estariam aumentando 0,4ºC a cada década.
Todos os anos, o Hajj atrai milhares de peregrinos de nações de baixa renda, “muitos dos quais tiveram pouco ou nenhum atendimento de saúde pré-Hajj”, disse um artigo do Journal of Infection and Public Health.
Doenças transmissíveis podem se espalhar entre as massas reunidas, muitas das quais economizaram a vida toda para suas viagens e podem ser idosas com condições de saúde preexistentes, acrescentou o texto, citado pela AP.
No entanto, o número de mortos deste ano sugere que algo fez com que a quantidade de óbitos aumentasse. Países como a Jordânia e Tunísia mencionaram o calor como determinante.
Segundo dois diplomatas árabes, pelo menos 323 dos que morreram eram egípcios, e a maioria sucumbiu a doenças relacionadas ao calor. Pelo menos 60 jordanianos também morreram, acrescentaram, número acima dos 41 anunciados na terça-feira por Amã.
Centenas de pessoas se enfileiraram no Complexo de Emergência da região tentando obter informações sobre seus familiares desaparecidos. De acordo com relatos de autoridades à AFP, havia 550 pessoas no necrotério de al-Muaisem.
Na terça-feira, o ministério das Relações Exteriores do Egito disse que Cairo estava colaborando com as autoridades sauditas nas operações de busca por egípcios que desapareceram durante o Hajj. Autoridades sauditas relataram que mais de 2 mil peregrinos sofreram de estresse pelo calor.
O número, porém, não foi atualizado desde domingo – e as fontes não forneceram informações sobre as fatalidades. Ao todo, cerca de 1,83 milhão de pessoas participaram do Hajj este ano, incluindo mais de 1,6 milhão de peregrinos de 22 países e 222 mil sauditas.
Jornalistas da AFP em Mina, nos arredores de Meca, viram peregrinos despejando garrafas de água sobre suas cabeças enquanto voluntários distribuíam bebidas frias e sorvetes de chocolate que derretiam rapidamente.
Autoridades da Arábia Saudita haviam aconselhado os fiéis a usar guarda-chuvas, beber bastante água e evitar a exposição ao sol durante as horas mais quentes do dia. No entanto, muitos dos rituais do Hajj, incluindo as orações no Monte Arafat que ocorreram no sábado, envolvem ficar ao ar livre por longos períodos durante o dia.
Alguns peregrinos disseram ter visto corpos imóveis na beira da estrada, além de serviços de ambulância que por vezes pareciam sobrecarregados.
Outros, incluindo muitos egípcios, perderam o contato com seus entes queridos devido ao calor e às multidões. No complexo médico de Meca, a segurança parecia rígida, e um funcionário lia os nomes dos mortos e suas nacionalidades.
Os que disseram ser parentes dos mortos foram autorizados a entrar para identificar os falecidos.
Irregularidades
Sem condições de pagar os procedimentos para realizar oficialmente o Hajj, dezenas de milhares de peregrinos tentam realizar o rito religioso por meio de canais irregulares.
Isso os coloca fora dos registros de risco, e eles não podem acessar instalações com ar condicionado fornecidas pelas autoridades sauditas ao longo da rota.
Segundo um dos diplomatas que falou à AFP, os “peregrinos irregulares causaram grande caos nos acampamentos dos egípcios, causando o colapso dos serviços”. As pessoas ficaram sem comida e água por “um longo tempo”.
— Eles morreram porque a maioria das pessoas não tinha onde se abrigar — disse o diplomata.
A família do governante al-Saud mantém grande influência no mundo muçulmano por causa da riqueza petrolífera e da gestão dos locais sagrados mais importantes do Islã.
A Arábia Saudita gastou bilhões de dólares em medidas de controle de multidões e segurança para os que participam da peregrinação anual, mas o grande número de participantes torna difícil garantir a segurança.
Na terça, o ministro da Saúde do país, Fahd al-Jalajel, disse que os planos de saúde para o Hajj haviam sido realizados “com sucesso”, prevenindo surtos de doenças e ameaças.
Ainda assim, as mudanças climáticas podem continuar aumentando o risco.
Um estudo de 2019 realizado por especialistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts descobriu que, mesmo que o mundo consiga mitigar os piores efeitos da mudança climática, o Hajj seria realizado em temperaturas que excedem um “limiar de perigo extremo” de 2047 a 2052 e de 2079 a 2086.
O Islã segue um calendário lunar, então o Hajj ocorre cerca de 11 dias mais cedo a cada ano. Em 2030, o rito ocorrerá em abril, e nos próximos anos ocorrerá no inverno, quando as temperaturas são mais amenas.