Petrópolis: mapas de risco das encostas do Estado tinham defasagem de quase uma década
As informações sobre as falhas no monitoramento e diagnóstico dos riscos são do próprio governo do estado
As chuvas em Petrópolis que já deixaram 232 mortos — os bombeiros ainda tentam localizar cinco desaparecidos —encontrou o estado do Rio de Janeiro sem informações atualizadas sobre áreas de risco, por falta de especialistas e com mapas defasados sobre a situação das encostas.
As informações disponíveis na maioria da cidade tinham quase uma década (2013) e não necessariamente refletem a real ocupação irregular das encostas depois de tantos anos, em um problema que não se limita à região Serrana.
As informações sobre as falhas no monitoramento e diagnóstico dos riscos são do próprio governo do estado e constam de documentos que ampararam a celebração de contratos emergenciais (sem licitação) no valor de R$ 3 milhões celebrados em janeiro (antes das chuvas na Região Serrana) e em fevereiro (depois dos deslizamentos em Petrópolis).
Os contratos foram firmados pelo Serviço Geológico do Estado (Departamento de Recursos Minerais), responsável pelo monitoramentos. O levantamento anterior feito pelo órgão também foi motivado por tragédias.
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Em 2010, um deslizamento no Morro do Bumba (Niterói) em uma favela construída em cima de um lixão deixou 54 mortos. No mesmo ano, outras 50 pessoas morreram em deslizamentos de encostas em angra dos Reis. Quando em 2011, quando as chuvas deixaram 918 mortos na pior tragédia já registrada na Região Serrana, os estudos ainda estavam em pleno andamento.
Para isso, o órgão utilizou recursos do Fundo de Conservação Ambiental (Fecam) oriundo da cobrança de taxas e multas ambientais. Na época, foram abertas duas frentes: empresas também foram escolhidas por emergência, mas o órgão também contratou efetivos por concurso.
No entanto, muita coisa mudou depois de 2013. Em pleno ano de 2021, os mapas de risco geológico ainda têm que ser elaborados em papel antes de ser digitalizados, como revela trecho de um dos documentos:
"Atualmente, os laudos de vistoria geológico-geotécnica são gerados no campo pelos técnicos (...) em formulários não-padronizados que são anexados em processos em papel, e posteriormente digitalizados e acompanhados eletronicamente nos arquivos do DRM-RJ", diz trecho de um dos documentos.
Além disso, o órgão sofreu com a falta de pessoal devido a aposentadorias, pedidos demissão e o remanejamento de boa parte dos servidores como mostram os documentos. O objetivo desses contratos sem licitação é justamente tentar atualizar essas informações. Os contratos têm validade por até seis meses. Dispor de dados atualizados são essenciais, como explicam os técnicos em um dos processos.
"Além disso, a falta do acompanhamento dos levantamentos já realizados quanto às áreas de risco se reflete de forma negativa para a população visto que a dinâmica da ocupação (em especial a irregular) sé dá de forma extremamente rápida modificando e comprometendo a estabilidade geológico-geotécnica natural da localidade. Ter o conhecimento das áreas de risco e acompanhar sua evolução agiliza a atuação dos gestores garantindo à população uma maior segurança", argumentam os técnicos.
Os documentos mostram ainda que as empresas se comprometeram a fornecer 124 técnicos e analistas de sistemas para desenvolver e implantar programas de mapeamento digital das encostas. Além disso, as empresas terceirizadas se comprometeram em mobilizar 32 geólogos e utilitários com cabine dupla e tração nas quatro rodas para que os especialistas se desloquem em inspeções externas.
Esses efetivos são bem maiores que os recursos humanos que estavam disponíveis para o monumento. Em nota enviada ao Globo, o estado não divulgou qual ea ao efetivo em 2013. Hoje, o órgão conta com apenas 24 funcionários para cobrir 91 dos 92 municípios (na capital, a responsabilidade é da Geo-Rio). Destes, apenas 13 (incluindo o diretor) integram a equipe técnica da Diretoria de Geologia que tem entre suas atribuições avaliar que áreas estão mais sujeitas a deslizamento.
Novamente, um dos documentos que corroboram a dispensa de licitação confirma o problema de pessoal.
"O déficit de profissionais especializados locados no Núcleo de Análise e Diagnóstico de Escorregamento possui causas diversas, entre elas: necessidade redistribuição interna em função de processos de aposentadoria, necessidade de redistribuição interna em função de afastamentos por decisões judiciais, desligamentos voluntários e redistribuição externa dentro da esfera estadual".
No processo do fim de janeiro que fundamentou contratação dos especialistas e técnicos de informática, o Departamento de Recursos Minerais admite ainda que vinha trabalhando no limite pelo menos desde dezembro, quando já havia risco de chover forte no Estado do Rio de Janeiro.
"Nesse cenário de crescente abertura de frentes de atendimento de situações de emergência, com o grande aumento de ocorrências causadas pelo período de chuvas fortes e persistentes que se iniciou no final de dezembro de 2021 e continua até o presente momento, os recursos humanos disponíveis no NADE estão atuando no limite operacional", diz o documento.
Na nota que explica os contratos, o governo do Estado informou que a partir de agora os dados sobre as encostas serão armazenados em nuvem, permitindo um acompanhamento em tempo real da situação das áreas de risco.
"A digitalização do acervo técnico do DRM também permitirá o armazenamento permanente dos documentos em um banco de dados estruturado, possibilitando a consulta rápida do histórico de ocorrências em qualquer área investigada para agilizar a tomada de decisão em uma situação de emergência", diz um trecho da nota.