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MUNDO

Pior seca em décadas afeta a vida dos nômades da Etiópia

O ar seco permaneceu em abril nesta região do Chifre da África

Foto: Eduardo Soteras/AFP

Praticamente nenhuma gota de chuva em 18 meses. Em Hargududo, vilarejo da região Somali, na Etiópia, os moradores mostram à AFP os cadáveres secos de cabras, vacas ou burros, perto das modestas cabanas de palha.

O mês de abril deveria ser um dos mais chuvosos do ano nesta região do Chifre da África, mas o ar permaneceu seco e a terra empoeirada e estéril. 

Muitos animais das 200 famílias seminômades do vilarejo morreram. 

"Os que tinham, digamos, 300 cabras antes da seca, agora não passam de 50 a 60. Em algumas casas [...] nenhuma sobreviveu", explica um dos moradores, Husein Habil, de 52 anos.

Desde o fim de 2020, a região, assim como outras áreas do sul do país ou nas vizinhas Somália e Quênia, praticamente não registraram chuvas. Na Etiópia, a catástrofe do clima se soma à provocada no norte pelo conflito da região de Tigré.

O Escritório para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) da ONU calcula que na Etiópia entre 5,5 e 6,5 milhões de pessoas (entre 5% e 6% da população) sofrem de grave insegurança alimentar devido à seca.

De acordo com o organismo, 1,5 milhão de cabeças de gato morreram na atual seca, quase dois terços apenas na região Somali.

Para as populações nômades ou seminômades da região, o gado é fonte de alimento e renda. Além disso, os animais constituem todas as economias das famílias.

"Éramos nômades puros antes da seca: dependíamos dos animais para a carne, o leite e para conseguir dinheiro", afirma Tarik Mohamed, um criador de gado de 50 anos de Hargududo, que fica a 50 km de Gode, principal cidade da zona administrativa de Shabelle.

Mas agora, explica, a maioria está se estabelecendo em vilarejos por causa do que muitos chamam de "pior seca já vivida".

"Não há mais futuro no pastoreio porque não há animais", explica Tarik Mohamed com amargura, antes de concluir que sua "vida nômade está acabada".

Dromedário sem corcova 
A alternância das temporadas secas e de chuvas - a mais curta entre março e abril; a mais prolongada de junho a agosto - sempre marcou o ritmo da vida destes criadores de animais.

Mas as últimas três temporadas de chuvas não deixaram rastro. A quarta, esperada desde março, segue o mesmo caminho.

Na região, "as secas são um problema cíclico [...] mas agora são cada vez mais frequentes", comenta Ali Nur Mohamed, 38 anos, que trabalha para a ONG Save The Children. 

No relatório mais recente, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU fez um alerta: no leste da África, "desde 2005, a frequência das secas dobrou, passando de cada seis anos para cada três", e "com vários episódios de seca prolongada, sobretudo nas zonas áridas e semiáridas da região nos últimos 30 anos". 

O tema deve ser abordado na Convenção das Nações Unidas de Luta contra a Desertificação (UNCCD), que se reunirá em Abidjan, na Costa do Marfim, de 9 a 20 de maio.

Todos os criadores de gado da região com quem a AFP conversou afirmaram que perderam entre 80% e 100% de seus animais. As poucas vacas ou cabras observadas na região estão raquíticas e muitos dromedários perderam a corcova, onde armazenam os alimentos.

Cinco dias de caminhada 
Para conseguir comida, muitos seguiram para acampamentos de deslocados. 

Um deles fica em Adlale, perto de Gode. De manhã, entre a poeira ocre levantada pelo vento, é possível observar os véus coloridos de dezenas de mulheres que tentam obter ajuda de emergência do Programa Mundial de Alimentos (PMA).

"Todos os nossos animais morreram por causa da seca", conta Habiba Hasan Khadid, de 47 anos, mãe de 10 filhos. "Caminhamos cinco dias para chegar aqui".

Ahado Jees Husein, de 45 anos e com sete filhos, caminhou até Adlale com um filho nas costas, um adolescente de 15 anos com deficiência. "Eu tinha 100 cabras, todas morreram [...] Eu cheguei sem nada", afirma a viúva, antes de destacar: "Nunca vivi uma seca assim".

Ao lado de outras 2.700 famílias, as duas mulheres vivem no acampamento Farburo 2, criado há três meses.

Em sua minúscula cabana, Abdi Kabe Adan, um pastor de 50 anos, chora. "Nenhum de nossos animais escapou".

"Não acredito ser possível que nosso estilo de vida continue. Eu vi cabras comendo seus excrementos, dromedários comendo outros dromedários. Nunca tinha visto isso", explica, entre lágrimas.

O acampamento tem poucos homens. Alguns permaneceram com as últimas cabeças de gado, em busca de algum pasto milagroso, e outros tentam procurar trabalho na cidade. E alguns fugiram, incapazes de lidar com a vergonha ou as perguntas de suas esposas preocupadas.

A seca também abalou a organização social destas comunidades. 

"Antes, os homens tinham a tarefa de ordenhar as vacas, conduzir os rebanhos para os pastos, comprar alimentos e bens para a família", explica Halima Harbi, uma das deslocadas do acampamento, de 40 anos e mãe de nove filhos. "Estes papéis desapareceram com o nosso gado", afirma. 

Dilemas terríveis 
As crianças estão pagando um preço elevado pela seca: sobrecarregados com os problemas, os pais "não têm tempo para cuidar dos filhos, explica Ali Nur Mohamed, da Save The Children.

A ONG visita comunidades para detectar crianças em situação de perigo, que são transportadas para estruturas médicas, como o hospital de Gode. 

Muitos pais enfrentam dilemas terríveis, como escolher entre cuidar dos filhos ou arriscar perder o gado. 

O filho de Abdullahi Goran, cujo cabelo perdeu a cor devido à desnutrição, sofreu por semanas com vômitos e diarreia.

"Eu estava cuidando do gado, não tinha tempo para meu filho", explica o homem de 30 anos. Ele é o único pai no salão. Por causa da seca, relata, perdeu dois de seus cinco dromedários, 80% de suas cabras e todas as vacas.

Ayan Ibrahim Harun ficou diante da mesma situação. Sua de dois anos estava doente há um mês - com tosse e edemas por todo o corpo - quando ele decidiu levá-la ao ambulatório de Kelafo, a quase de 100 km de Gode.

"Este ano não tivemos colheita", declarou. "Tinha 10 cabras [...] quatro morreram nos 11 dias que passei no hospital com Sabirin", afirma a mulher, resignada.

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