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Polícia: governo prevê 16 situações obrigatórias para câmeras, mas deixa brecha sobre gravação

Documento indica que os equipamentos devem preferencialmente ser acionados automaticamente

Exemplo de fardamento com câmera de segurançaExemplo de fardamento com câmera de segurança - Foto: Polícia Militar do Estado de São Paulo/Divulgação

O governo federal lançou, nesta terça-feira (28), as diretrizes para orientar o uso de câmeras nas fardas de policiais.

O documento indica que os equipamentos devem preferencialmente ser acionados automaticamente (de modo ininterrupto durante todo o turno de serviço), mas admite a possibilidade de acionamento remoto por autoridades ou pelo próprio policial (nesse caso com objetivo de "preservar a intimidade durante as pausas e os intervalos de trabalho").

O documento do Ministério da Justiça e Segurança Pública institui, no entanto, 16 situações nas quais os equipamentos não podem ser desligados pelos agentes de segurança, independentemente do modo de acionamento. Abaixo as 16 situações previstas:

- No atendimento de ocorrências;

- Nas atividades que demandem atuação ostensiva, seja ordinária, extraordinária ou especializada;

- Na identificação e checagem de bens;

- Durante buscas pessoais, veiculares ou domiciliares;

- Ao longo de ações operacionais, inclusive aquelas que envolvam manifestações, controle de distúrbios civis, interdições ou reintegrações de posse;

- No cumprimento de determinações de autoridades policiais ou judiciárias e de mandados judiciais

- Nas perícias externas;

- Nas atividades de fiscalização e vistoria técnica;

- Nas ações de busca, salvamento e resgate;

- Nas escoltas de presos;

- Em todas as interações entre policiais e custodiados, dentro ou fora do ambiente prisional;

- Durante as rotinas carcerárias, inclusive no atendimento aos visitantes e advogados;

- Nas intervenções e resolução de crises, motins e rebeliões no sistema prisional;

- Nas situações de oposição à atuação policial, de potencial confronto ou de uso de força física;

- Nos sinistros de trânsito;

- No patrulhamento preventivo e ostensivo ou na execução de diligências de rotina em que ocorram ou possam ocorrer prisões, atos de violência, lesões corporais ou mortes.

A portaria orienta regas para uso de câmeras na Polícia Federal; Polícia Rodoviária Federal; Polícia Penal Federal; Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal; Corpos de Bombeiros Militares dos Estados e do Distrito Federal; Polícias Civis dos Estados e do Distrito Federal; Polícias Penais dos Estados e do Distrito Federal; Peritos de Natureza Criminal dos Estados e do Distrito Federal; Guardas Municipais.



O documento prevê três modelos de acionamento da gravação:

- automático, quando: a) a gravação é iniciada desde a retirada do equipamento da base até a sua devolução, registrando todo o turno de serviço; ou b) a gravação é configurada para responder a determinadas ações, eventos, sinais específicos ou geolocalização;

- por acionamento remoto: quando a gravação é iniciada, de forma ocasional, por meio do sistema, após decisão da autoridade competente ou se determinada situação exigir o procedimento; ou

- por acionamento dos próprios integrantes dos órgãos de segurança pública para preservar sua intimidade ou privacidade durante as pausas e os intervalos de trabalho.

A portaria acrescenta que "os órgãos de segurança pública deverão adotar, preferencialmente, o modo de gravação a que se refere a alínea ‘a’", que cita a gravação ininterrupta.

Questionado a respeito da brecha da portaria para admitir a interrupção da gravação, o ministro Ricardo Lewandowski afirmou que o texto garante a integridade do conteúdo ao listar as situações em que é obrigatório o acionamento da câmera. Ele disse ainda que o acionamento pelo próprio policial só poderá ocorrer em casos de necessidade como idas ao banheiro, almoço, entre outras.

"Há uma série de situações exaustivamente listadas que é obrigatório o acionamento das câmeras, independentemente da possibilidade que tem o agente de desligá-la no momento em que ele justificadamente ache que tem a necessidade de proteger sua intimidade e privacidade", disse.

De acordo com o ministro, os Estados têm autonomia para aderir às diretrizes ou criar suas próprias regras, no entanto, caso queiram financiar a compra de câmeras com recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública ou do Fundo Penitenciário deverão adotar as orientações federais. As corporações ligadas à União, como a PF, a PRF, Polícia Penal Federal, entre outras, seguirão obrigatoriamente a norma.

"Nós entendemos que num assunto tão controvertido, que desperta tantas dúvidas, era importante que estabelecêssemos diretrizes únicas para todo o País", afirmou o ministro Ricardo Lewandowski

A portaria estabelece ainda que o governo tenha a atribuição de oferecer treinamentos sobre uso de câmeras corporais e produzir orientações complementares sobre o uso desses equipamentos.

Na semana passada, o lançamento de um edital para compra de 12 mil câmeras corporais pelo governo de São Paulo gerou críticas por prever o acionamento remoto e local dos equipamentos, alterando o modelo anterior de gravação ininterrupta.

Diretrizes 'similares', diz secretário paulista
O Ministério da Justiça e Segurança Pública consultou o governo paulista sobre os termos da diretriz. O secretário paulista, Guilherme Derrite, compareceu ao evento de lançamento das diretrizes e afirmou que o documento está alinhado com a política de câmeras de São Paulo, mas evitou cravar que o Estado vai seguir o protocolo.

"Tem muita aderência ao que a gente está fazendo no Estado de São Paulo, especialmente o novo edital de licitações das Câmeras Corporais, nós estamos ampliando as funcionalidades do contrato atual no novo contrato", afirmou Derrite. " Como mencionei, as diretrizes estão bem similares, a tendência é que tenha bastante aderência."

Questionado sobre as situações previstas pela diretriz do Ministério da Justiça, Derrite disse que é preciso analisar as exceções antes de afirmar que todas serão seguidas pelo Estado.

O Ministro Ricardo Lewandowski defendeu que seria desejável que todos Estados seguissem as diretrizes por conta de sua "qualidade técnica", mas minimizou eventuais divergências com São Paulo a respeito do uso de câmeras corporais. Segundo ele, o Estado tem autonomia para traçar suas políticas de segurança pública.

"Não temos nenhum conflito com qualquer Estado que seja, sobretudo estado de São Paulo, cada estado é autônomo para agir conforme suas necessidades", disse o ministro.

A formulação de um protocolo para orientar o uso de câmeras corporais pelas corporações brasileiras começou a ser feita ainda durante a gestão do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Flávio Dino. No ano passado, além de começar a desenhar a diretriz, o ministério chegou a submeter um pedido de financiamento ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para ampliar o uso de câmeras nas polícias federais.

Ao assumir, a gestão Lewandowski reafirmou o discurso e disse que a ampliação do uso das câmeras corporais era uma prioridade da pasta.

Especialistas em segurança pública defendem o uso de câmeras como uma ferramenta para proteger tanto a população quanto os policiais em campo. Dados mostram que entre 2019 e 2022, a letalidade policial em São Paulo, um dos primeiros Estados a implementar o equipamento, caiu 62,7% após a adesão ao uso das câmeras.

Diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo afirmou que o texto foi bem construído e levou em consideração contribuições feitas durante consulta pública, mas ponderou o fato de a portaria estar alinhada com o que prevê o novo edital lançado em São Paulo.

"O governo federal tem condição de induzir a política via repasse do fundo nacional de segurança e Estados que seguirem as diretrizes têm mais chance de conseguir recursos. É importante", explica Carolina Ricardo. " Mas acho que tem um ponto ali em relação à forma de gravação. Embora até diga que há uma preferência pela gravação ininterrupta, é uma portaria que dialoga muito inclusive com o novo edital aqui de São Paulo".

A advogada justifica especialistas na área têm se posicionado contra a medida de São Paulo por considerar que possa ocorrer um "desvirtuamento" das gravações, colocando em risco a política devido à possibilidade de a gravação ser interrompida. "É uma portaria que dá suporte para opção aqui de São Paulo", diz.

 

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