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Saúde

Por que a Ômicron não mata sozinha

Baixa cobertura vacinal das doses de reforço e sistema de saúde deficitário são hoje os principais causadores dos óbitos por Covid-19

OMS acredita que pandemia de Covid-19 'está longe de acabar'OMS acredita que pandemia de Covid-19 'está longe de acabar' - Foto: Christof Stache/ AFP

 Após o tsunami de casos provocados pela variante Ômicron em boa parte do planeta, alguns países enfrentam agora elevadas taxas de mortes diárias — embora não sejam equiparáveis aos óbitos provocados pela Delta ou Gama.

As vacinas certamente são as principais responsáveis por evitar uma tragédia maior, mas há outros acertos (e problemas) que fazem a diferença, como a adesão às medidas não farmacológicas, um sistema de saúde forte, a faixa etária da população, o timing da vacinação e, principalmente, a dose de reforço.

Uma vacinação robusta, com alta adesão ao reforço, é a receita de sucesso do Chile e da Alemanha, que conseguiram, até o momento, manter baixas taxas de mortalidade pela Ômicron. Os EUA seguem caminho oposto.


Apesar da abundante oferta de vacinas, só 63% foram vacinados com as duas doses, graças à enorme desigualdade na adesão à imunização. No estado do Alabama, por exemplo, apenas 49% estão totalmente vacinados.

Há condados no estado de Montana em que só 17% se vacinaram. Além disso, 43% dos americanos com 65 anos ou mais não receberam dose de reforço.

Para a epidemiologista e reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Lucia Pellanda, a vacinação é fundamental, mas sozinha, não soluciona a pandemia:

— O que faz um país ter mais ou menos mortes hoje pela Covid é uma interação de muitos fatores: é preciso considerar, além da vacina, a questão social, a subnotificação, o sistema de saúde, a adesão da população às medidas não farmacológicas, como o uso de máscaras. Na Europa estavam confiando só na vacinação e sabemos que ela é importante para reduzir morte e internação, mas sozinha não corta a transmissão. Não existe solução mágica, é paciência e cuidado.

De acordo com Pellanda, os especialistas alertaram, ainda em dezembro, sobre a questão da curva exponencial que mostrava a velocidade com que o vírus estava chegando às pessoas.

—Muitos governos diziam ‘não está acontecendo nada’ e quando começa a acontecer já é tarde. A Covid era uma doença mais grave em março de 2020, mas tinha menos gente contaminada. Se há uma explosão de casos, mesmo o risco sendo dez vezes menor, se tiver dez vezes mais gente contaminada uma coisa equilibra a outra. Por isso, para mim, o principal é a adesão às medidas não farmacológicas.

Exemplos opostos mostram o que a epidemiologista diz. A população vacinada no Japão é de 79% e da Argentina 76%. Os vizinhos deram mais doses de reforço: a cada 100 pessoas, 29 argentinos receberam a terceira dose, contra apenas 4 japoneses. Ainda assim, o país asiático conta 0,3 mortes por milhão contra 5,6 no país latino. Uma das hipóteses para justificar essa diferença está na adesão às medidas de proteção.

No Japão, o uso de máscara é um velho costume, espontaneamente adotado para qualquer sintoma respiratório, além do rigor da adoção e cumprimento das medidas de controle. A Argentina liberou o uso de máscara em ambientes abertos em outubro e não voltou atrás na decisão nem quando o número de casos explodiu. A Ômicron chegou ao país no meio das férias de verão, com muitas viagens, reuniões, além de praias e festas lotadas.

Pedro Hallal, epidemiologista da Universidade Federal de Pelotas, destaca ainda outro fator que faz a diferença na comparação entre os países: o timing da vacinação.

— Descobrimos ao longo da pandemia que a imunidade, tanto a gerada pela infecção quanto pela vacina, têm prazo de validade. Se você olhar um país que vacinou há mais tempo e está mal na dose de reforço, vai ter mortalidade alta. Se pegar um que vacinou mais recentemente, a mortalidade vai ser mais baixa porque a população está com a imunidade lá em cima — explica.

Em agosto do ano passado, Itália e Grécia já tinham cerca de 50% das suas populações completamente vacinadas. Os dois países estão entre os cinco com maior proporção de idosos no planeta, segundo o Euromonitor International. E, como os programas de imunização começam por idosos, é de se esperar que no final do ano essas populações já estivessem com a imunidade em baixa.

Não à toa, ambos os países adotaram, em janeiro, multas para pessoas acima dos 50 ou 60 anos que não estivessem com esquema vacinal completo, ou seja, com a dose de reforço em dia. A Itália começou o ano com 32,6% das pessoas com a terceira dose. Com a lei, alcançou 56% em fevereiro. Infelizmente, para muitos a Ômicron pode ter chegado antes do reforço.

A dose de reforço se mostrou crucial no combate à nova variante. Levantamento britânico mostrou que seis meses após a segunda dose, a proteção contra a morte causada pela Ômicron foi de cerca de 60% nas pessoas com mais de 50 anos. Após o reforço, passou para 95%.

O Brasil tem visto a média de mortes crescer a patamares semelhantes a agosto do ano passado e tem 3 mortes por milhão de habitantes. Embora tenha boa cobertura vacinal, a dose de reforço segue baixa (22,8 a cada 100 pessoas) e as medidas não farmacológicas já não tem a mesma adesão.

As populações de países pobres, com muita informalidade no mercado de trabalho, problemas educacionais e sistemas de saúde precários, certamente enfrentam mais obstáculos, mas olhando os dados isso não aparece tão claramente porque não há muita testagem, a notificação é ruim e as mortes nem sempre são investigadas.

Quando a pandemia começou, o Peru, para se ter uma ideia, tinha 2,9 leitos de UTI por 100 mil habitantes — contra 20,6 no Brasil, por exemplo. O país, já teve, desde março de 2020, seis ministros da Saúde, enquanto mais de 70% da população trabalha no mercado informal. Esse cenário ajuda a explicar as 6,9 mortes diárias (por milhão de habitantes) que enfrenta hoje (no Brasil são 3).

No entanto, nações com economias muito mais pobres não apresentam o mesmo número de mortes. A professora da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Ethel Maciel, que tem pós-doutorado em epidemiologia pela Universidade Johns Hopkins, explica:

— Países com melhor sistema de saúde e informação vão ter mais casos e mortes porque tudo é investigado. A subnotificação nos países mais pobres é enorme. Se o sistema de saúde não é fortalecido, há pouca vigilância, testes, protocolos e muitas mortes não notificadas. A maior parte da África, por exemplo, é um mistério, enquanto a Europa tem muitas mortes.

O maior exemplo de subnotificação talvez seja a Índia, que no ano passado impressionou o mundo com cremações em massa. Estudo publicado na revista Science no dia 6 de janeiro, quando o país alegava ter 483 mil mortes provocadas pela Covid, indica que 3 milhões de pessoas morreram da doença no país — mais de seis vezes mais do que o governo contabiliza. Enquanto isso, apenas 51% dos indianos estão totalmente vacinados

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