Por que a varíola foi erradicada e a mpox não?
Vírus são da mesma família, mas a varíola é uma doença essencialmente humana, já a mpox é uma zoonose que tem reservatórios animais
A mpox pertence à mesma família de vírus que a varíola, a única doença infecciosa humana erradicada. Menos agressiva do que a varíola, que foi um dos maiores flagelos da Humanidade, a mpox, porém, pode ser mais difícil, talvez impossível, de exterminar completamente, alertam especialistas.
Isto porque a varíola é uma doença essencialmente humana. Isto é, só tinha como reservatório o ser humano. Prevenido pela vacinação, o vírus não teve mais para onde ir e desapareceu. Hoje, o vírus da varíola existe somente em laboratórios de segurança máxima nos Estados Unidos e na Rússia, lembrança de que segue perigoso, como potencial arma de bioterrorismo.
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Já a mpox é uma zoonose. O vírus tem reservatórios animais, roedores silvestres de um número ainda desconhecido de espécies. E, embora, a doença tenha sido inicialmente chamada de varíola de macaco, este é apenas um hospedeiro acidental do vírus mpox, assim como o ser humano, explica a virologista Clarissa Damaso, chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Vírus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Damaso é um dos 16 integrantes do comitê da Organização Mundial de Saúde ( OMS) que recomendou a declaração de uma emergência de saúde internacional. Ela e seu grupo da UFRJ descobriram em 1999 a cepa Cantagalo do vírus vacinia, outro pox, que causa doença em seres humanos e vacas no Brasil.
— A existência de reservatórios animais dificulta o controle. Os roedores são os reservatórios naturais de muitos vírus da família pox — diz Damaso.
Ter reservatórios animais significa que o vírus terá onde se esconder, mesmo que um surto ou epidemia seja controlado em seres humanos. Não custa lembrar que a maioria das doenças infecciosas são zoonoses. A hipótese mais provável para a origem da pandemia de Covid-19 é a que o coronavírus SARS-CoV-2 tenha tido origem num reservatório animal e deste se adaptado para infectar seres humanos.
O último caso de varíola ocorreu em 1978 e o vírus foi declarado erradicado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 1980. Já o mpox teve os primeiros casos identificados em 1970, na África.
Roedores silvestres africanos, de espécies diferentes, são os reservatórios naturais. Se sabe que casos de mpox em crianças na República Democrática do Congo (RDC) ocorrem por meio da captura e contato de roedores (ratos e esquilos) infectados. E que as crianças infectadas acabam por passar o vírus para pessoas que moram com elas.
A variante do mpox que causa o surto iniciado na República Democrática do Congo (RDC) é chamada de 1b, em alusão ao fato de que é a variante b do subtipo 1 do vírus. Já o mpox que causou um surto no Brasil e em outros países entre 2022 e 2023 é do subtipo 2. Tanto o subtipo 1 quanto o 2 também podem ser transmitidos por via sexual.
O subtipo 1b tem causado doença mais severa na RDC, mas mesmo isso precisa ser confirmado, sublinha Damaso.
É por haver diferentes formas de transmissão que o infectologista nigeriano Dimie Ogoina, coordenador do comitê de mpox da OMS, considera crucial descobrir como o vírus se espalha por diferentes grupos populacionais e países.
Ele também ressalta a importância de identificar todos os potenciais reservatórios silvestres do mpox e saber por que os surtos são mais frequentes em alguns anos.
Encontrar vírus e seus hospedeiros em florestas, porém, é como procurar agulha em palheiro. Clarissa Damaso frisa que as mudanças climáticas e a degradação do meio ambiente aceleram o risco de contágio. Roedores silvestres chegam cada vez mais perto de áreas urbanas. A África preocupa porque tem mais gente em contato com áreas silvestres. Mas a Amazônia é outro potencial reservatório de vírus.
— O ambiente mudando, tudo se transforma, inclusive o risco. O mundo passa por transformações profundas. Temos a influenza das aves matando urso polar. Isso era impensável. Já passou da hora de as pessoas se preocuparem com o impacto da destruição da natureza na saúde. A mpox é mais um alerta desse perigo — frisa Damaso.