Por que cientistas vão bombear CO2 em lotes de floresta na Amazônia? Entenda
Experimento busca simular comportamento das matas tropicais num futuro com maior concentração de gás carbônico
Cientistas anunciaram oficialmente nessa terça-feira (23) a ampliação do projeto AmazonFace, um experimento que vai bombear CO2 em seis lotes de floresta na Amazônia.
O objetivo do grupo, liderado pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) é entender como a mata vai se comportar no futuro, quando o volume desse gás na atmosfera será ainda maior que o atual.
O CO2 é emitido principalmente pela queima de combustíveis fósseis e pelo desmatamento, e é o principal causador de efeito estufa, que impulsiona o aquecimento global. Desde o início da Revolução Industrial a concentração de CO2 no planeta aumento de 280 ppm (partes por milhão) para 420 ppm, e deve subir ainda mais, já que o planeta custa a desacelerar suas emissões.
A mudança climática é um fenômeno inequivocamente maléfico para o planeta, mas quando se trata de avaliar seus efeitos sobre as florestas, a equação é mais complicada, porque a relação das plantas com o CO2 é, de certa forma, ambígua. Apesar de as árvores serem afetadas por secas e mudanças nos regimes de chuva, que vêm no pacote da crise do clima, as presença do CO2 no ar por si só é benéfica para as plantas.
O carbono contido no CO2 é principal nutriente consumido pelas plantas, que transformam esse gás na massa sólida que as constitui e o aprisionam em seu organismo. Com uma maior presença de carnono na atemosfera, cientistas postulam que, em tese, as plantas das florestas podem crescer mais rápido e até contribuir para desacelerar um pouco a mudança do clima. Esse possível aporte de massa que as plantas ganham com mais CO2 é chamado pelos cientistas de "fertilização de carbono".
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A hipótese de que esse fenômeno vai benefíciar, porém, envolve inúmeras outras variáveis, como presença de nutrientes no solo e vulnerabilidade das plantas à própria mudança climática. É difícil prever o futuro da mata usando só simulações de computador, e é aí que entra a importância da experimentação.
Para abordar essa questão, um grupo pelos cientistas David Lapola (Unicamp) e Beto Quesada (Inpa), projetou o AmazonFace, o maior experimento de manipulação da floresta já realizado na Amazônia, que após anos de idas e vindas conseguiu agregar os recursos para se financiar. O grande apoiador do projeto é o governo britânico, complementado por aporte de agências de fomento brasileiras.
Enriquecimento de carbono
O nome "Face" no título do experimento é um acrônimo em inglês para "enriquecimento de dióxido de carbono ao ar-livre" (free-air carbon dioxide enrichment). O AmazonFace consiste em seis anéis de torres tubulares espalhados em uma reserva de pesquisa do Inpa, no meio da mata, a 80 km de Manaus. Os primeiros já estão em contrução, e o conjunto deve ficar pronto em 2024.
Essas torres estão conectadas a um grande tanque de CO2, que as alimenta com o gás. Dentro de cada anel de 30 metros de diâmetro, as torres de 35 metros de altura vão começar a emitir CO2 dentro daquela área e manter as árvores permanentemente sob uma concentração maior de CO2, por meses e anos a fio.
À medida que o experimento prossegue, os cientistas vão monitorar o crescimento das árvores em cada um dos seis lotes de floresta, que poderão ter configurações experimentais diferentes. Vão ser avaliadas também as condições climáticas locais, as chuvas, a composição do solo e outros fatores.
Com as medições será possível saber se a floresta vai mesmo responder à fertilização de carbono, e qual será a dimensão dessa resposta, porque fatores secundários podem limitar seu crescimento. Será importante também avaliar o comportamento do experimento em períodos de seca na Amazônia, porque a frequência de estiagens e secas deve aumentar com a crise do clima. Uma preocupação dos cientistas, manifestada em estudos do ecólogo Beto Quesada, é a de que a escassez de fósforo no solo Amazônico seja um fator limitante relevante para a fertilização de carbono.
Relevância global
Um dos principais motivos pelos quais o AmazonFace ganhou relevância é que ele não será importante apenas para entender a reação da floresta à crise do clima, mas também a reação global.
As projeções usadas do IPCC (painel do clima da ONU), indicam que se o planeta neutralizar 100% das emissões de CO2 até 2050, o aquecimento global pode ser contido a um aumento de 1,5°C antes do fim do século, em relação aos níveis pré-Revolução Industrial. Essa estimativa demasiado otimista tem, ainda por cima, uma grande margem de erro, e esse aumento pode variar entre 1°C e 2°C.
A variação parece pequena, mas se traduziria numa diferença grande em termos de impacto da crise do clima. Uma das principais incertezas nessa projeção é justamente o volume de carbono que será absorvido por florestas tropicais no futuro, em resposta ao aumento do CO2 atmosférico. Se cientistas no Brasil conseguirem usar o AmazonFace para refinar esse conhecimento, seus colegas que trabalham com estimativas globais terão a capacidade de fazer previsões mais precisas.