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Guerra no Oriente Médio

Por que EUA, UE e Israel classificam o Hamas como terrorista e Brasil não? Entenda

Organização palestina é alvo de sanções de vários países, mas falta de condenação pelo Conselho de Segurança da ONU afasta parte da comunidade internacional da definição

Membros das Brigadas al-Qassam, braço militar do Hamas, durante um desfile na Cidade de Gaza Membros das Brigadas al-Qassam, braço militar do Hamas, durante um desfile na Cidade de Gaza  - Foto: Mahmud Hams / AFP

O violento ataque terrorista do Hamas contra Israel provocou uma onda de manifestações contra o grupo palestino. Embora as violações contra civis tenham sido condenadas da América à Ásia, um aspecto divergente nas comunicações diplomáticas e declarações políticas alimentou curiosidade e polêmica ao redor do mundo: o uso do termo "terrorista" para designar o grupo e seus integrantes.

O Hamas (acrônimo de Movimento de Resistência Islâmica, em árabe) surgiu oficialmente durante a primeira intifada, em 1987, quando lançou uma carta de repúdio aos judeus e se recusou a aceitar a existência do Estado de Israel.

As origens do grupo estão ligadas à Irmandade Muçulmana, que contou com certo apoio (ou ao menos tolerância) de Israel em décadas anteriores, quando o foco das atenções de segurança ainda estava sobre a OLP, de Yasser Arafat.

No comando de Gaza desde 2006, quando venceu a única eleição disputada desde então, a organização se divide entre um braço político e um braço armado, as Brigadas Izz ad-Din al-Qassam.

A organização como um todo é considerada terrorista por vários países ao redor do mundo, como Estados Unidos, Reino Unido, Japão e pela União Europeia — além de Israel. Em cada um desses lugares, por meio de processos internos, considerou-se que os atos praticados pelo Hamas se enquadram em suas definições de terrorismo.

Outros países, como é o caso da Nova Zelândia, apenas as Brigadas al-Qassam são consideradas terroristas, havendo tolerância com a frente política. Outros países evitam a condenação do grupo sem uma ação conjunta da ONU. É o caso do Brasil.

— O Brasil não define individualmente [nenhum grupo como terrorista], apenas depois que entra na lista da ONU — explicou a professora de relações internacionais Denilde Holzacker, da ESPM-SP. — Como o país nunca foi tão central nas questões de segurança e nunca entendeu um risco direto de ser afetado por movimentos terroristas transnacionais, acabamos não desenvolvendo uma lógica interna de condenação a esses movimentos.

Ainda de acordo com a professora, no contexto brasileiro, há uma preocupação histórica em diferenciar o uso da força por grupos envolvidos em lutas anticoloniais e contra regimes autoritários e em contextos de terrorismo. Essa preocupação, segundo Denilde, contribui para uma postura mais cautelosa do governo brasileiro, que costuma esperar a chancela das Nações Unidas.

Em um comunicado direcionado a jornalistas, o Itamaraty afirmou que o Brasil "repudia o terrorismo em todas as suas formas e manifestações", em aplicação dos princípios das relações internacionais previsto no artigo 4º da Constituição.

"No tocante à qualificação de entidades como terroristas, o Brasil aplica as determinações feitas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, órgão encarregado de velar pela paz e pela segurança internacionais, nos termos do Artigo 24 da Carta da ONU. O Conselho de Segurança mantém listas de indivíduos e entidades qualificados como terroristas, contra os quais se aplicam sanções. Estão incluídos o Estado Islâmico e a Al-Qaeda, além de grupos menos conhecidos do grande público", diz a nota.

"A prática brasileira, consistente com a Carta da ONU, habilita o país a contribuir, juntamente com outros países ou individualmente, para a resolução pacífica dos conflitos e na proteção de cidadãos brasileiros em zonas de conflito – a exemplo do que ocorreu, em 2007, na Conferência de Anápolis, EUA, com relação ao Oriente Médio", conclui o ministério.

Consenso entre potências
A condenação de uma organização como terrorista pela ONU ocorre no âmbito do Conselho de Segurança, um ambiente político marcado por interesses divergentes. Embora reunir EUA, França, Reino Unido, China e Rússia em um mesmo lado no tabuleiro internacional seja cada vez mais difícil, o órgão das Nações Unidas já taxou de terroristas Boko Haram, Al-Qaeda e Estado Islâmico, por exemplo — em movimentos acompanhados pelo Brasil.

Três dos cinco membros permanentes do conselho já classificam o grupo palestino desta forma: EUA, França e Reino Unido. Em uma declaração conjunta com o premier israelense, Benjamin Netanyahu, nesta quinta-feira, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, afirmou que o Hamas é como o Estado Islâmico, em uma sinalização à comunidade internacional de que os grupos teriam práticas comuns.

— A classificação de um grupo como terrorista costuma dividir a comunidade internacional — afirmou o professor José Renato Ferraz da Silveira, da Universidade Federal de Santa Maria. — O que define isso são a motivação, os interesses e as diretrizes de política externa de cada país, mas a pressão política e diplomática das grandes potências influenciam a opinião pública nessa definição.

O impacto do discurso dentro do Conselho de Segurança, contudo, é mais limitado. Com linhas de política externa antagônicas ao bloco ocidental, China e Rússia sequer citaram o Hamas em suas primeiras manifestações sobre o conflito no Oriente Médio, limitando-se a dizer que uma solução passaria pela criação de um Estado palestino.

Na análise de Denilde, o principal bloqueio no Conselho de Segurança vem da Rússia, com a China mais alheia à política regional do Oriente Médio. Moscou tem uma série de questões internas e externas envolvidas neste tabuleiro, desde a proximidade com o Irã, aliado russo e principal fornecedor de armas do Hamas, ao alinhamento dos discursos interno e externo.

— O fato do Hamas ter um braço armado e um braço político, e ter ganho as eleições que foram disputadas, a Rússia considera que ele não está na mesma posição que o Estado Islâmico — afirmou a professora, que considera que com o massacre de civis promovido no último sábado, a questão pode voltar a ser levada ao conselho e ser reconsiderada.

Definindo terrorismo
Embora tenha características comuns como uso indiscriminado de violência, não há um conceito de terrorismo universalmente aceito. Na ONU, o Conselho de Segurança determinou como critérios mínimos a "intimidação ou coerção de governos por meio de ameaça ou perpetração de violência, causando morte, danos sérios ou fazer reféns".

A captura de civis em Israel, por exemplo, é um dos fatores que podem contribuir para uma condenação nas Nações Unidas, segundo Denilde.

Ainda assim, cada país tem liberdade para estabelecer os seus critérios. Nos Estados Unidos, o Departamento de Estado é o responsável por analisar definições internas como a participação em atos terroristas e o nível de ameaça ao país, identificar os grupos e categorizá-los em Organizações terroristas estrangeiras (caso do Hamas) e Estados patrocinadores do terrorismo, lista que inclui Cuba, Irã, Coreia do Norte e Síria.

A inclusão na lista do Departamento de Estado abre uma série de possibilidades de ação para os EUA, que fica livre para estabelecer sanções ou outras medidas contra cada entidade ou indivíduos relacionados a ela, algo que cria justifica projeções de poder para além de suas fronteiras, mesmo sem uma agressão imediata.

— A medida que se define uma entidade como terrorista, é possível deter adversários e agir de forma coercitiva sobre possíveis aliados desta organização — disse Silveira.

Em diversos casos, principalmente após os atentados de 11 de setembro de 2001, os EUA utilizam a designação de grupos terroristas e o combate a seus integrantes como uma forma de justificar ações fora do país e defensivas. Em janeiro de 2020, por exemplo, Washington justificou uma operação para matar o general iraniano Qasem Soleimani, militar de uma força estrangeira, pelo fato dele liderar as Forlas Quds, consideradas pelo país como uma organização terrorista.

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