Por que o Brasil, ao contrário do Chile, não abrirá uma frente de conflito diplomático com Israel?
Fontes diplomáticas dizem que Itamaraty não fará nada que possa dificultar papel do país na negociação coletiva na ONU ou atrapalhar negociações para retirar cidadãos em Gaza
Depois de a Bolívia romper relações com Israel, e Colômbia e Chile terem convocado seus embaixadores no país para consultas — o que significa, na linguagem diplomática, um gesto de protesto pela ofensiva militar do governo de Benjamin Netanyahu em Gaza —, as pressões sobre outros países da região aumentaram.
Segundo fontes da Casa Rosada, o governo argentino divulgará nesta quarta-feira (1º) um comunicado questionando duramente os bombardeiros de Israel a Gaza, mas não chamará seu encarregado de negócios em Tel Aviv — que cumpre a função de embaixador.
E o Brasil? É o que muitos se perguntam, dado o peso regional do país e sua presença, como membro rotativo, no Conselho de Segurança das Nações Unidas, até dezembro.
A resposta, segundo várias fontes diplomáticas consultadas, é simples e taxativa: o Brasil não fará nada que possa dificultar o papel do país na negociação coletiva no conselho, e, ao mesmo tempo, atrapalhar as negociações para retirar os cerca de 30 brasileiros que estão na Faixa de Gaza.
Na terça-feira, o embaixador Alessandro Candeas, chefe do Escritório de Representação do Brasil em Ramala, na Cisjordânia, confirmou que um grupo de estrangeiros seria autorizado a deixar a Faixa de Gaza e cruzar a fronteira pela primeira vez.
Mas a primeira lista divulgada não inclui brasileiros, que aguardam desde o início da guerra pela passagem para o território egípcio antes de serem resgatadas. O Itamaraty está fazendo esforços em várias frentes para conseguir a saída dos brasileiros.
Neste tipo de conflitos, não é tradição da diplomacia brasileira romper relações ou tomar explicitamente partido por um dos dois lados, explicou uma das fontes, acrescentando que uma ruptura de relações afetaria o papel do Brasil como mediador. A questão essencial na equação do governo brasileiro, apontou outra fonte, é a defesa do diálogo para chegar a soluções pacíficas.
Convocar o embaixador em Israel, ou até mesmo romper relações com o país, enfatizou a fonte, fecharia um canal de comunicação considerado essencial pelo governo brasileiro. Seria algo fora do tom da tradição diplomática brasileira, e algo que criaria empecilhos nos esforços de negociação que o país vem fazendo no âmbito da ONU.
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Uma das fontes fez, porém, uma ressalva: se os ataques que Israel vem fazendo, atingindo hospitais e campos de refugiados, entre outros alvos civis, continuarem por muito tempo, a posição do Brasil poderia mudar.
Segundo fontes diplomáticas, a negociação coletiva para, finalmente, aprovar uma resolução no Conselho de Segurança sobre o conflito, com foco na necessidade de permitir a chegada em massa de ajuda humanitária, está avançando.
A sensação entre diplomatas brasileiros é de que o documento em debate está muito perto de ser aceito pelos 15 membros — ou pelo menos por nove, mínimo de votos necessários, sem vetos. O Brasil encerrou sua presidência do conselho, que durou apenas um mês, mas continua participando ativamente das negociações e a expectativa é de que a proposta de resolução seja submetida a voto ainda esta semana.
Por pressões de países como Estados Unidos (que é membro permanente, assim como China, Rússia, França e Reino Unido, com direito a veto), não se fala em cessar fogo, mas, com formulações alternativas, se dará ênfase à necessidade de garantir que todos os que estão na Faixa de Gaza recebam ajuda humanitária. Se o documento passar, será uma sinalização de peso da comunidade internacional.
Protestos de Chile e Colômbia, ruptura da Bolívia
Segundo informações oficiais, Chile, Colômbia e Argentina não têm cidadãos na Faixa de Gaza. Os três países já realizaram diversos voos para repatriar cidadãos em outras regiões de conflito, em território israelense. Já a chancelaria boliviana estima que pelo menos quatro cidadãos do país poderiam estar na Faixa de Gaza.
De acordo com dados oficiais, antes do conflito desencadeado com o ataque do grupo terrorista Hamas a Israel, em 7 de outubro, existiam 10 mil chilenos vivendo no país, e outros 3 mil em territórios palestinos. Até sexta-feira, informaram fontes da chancelaria chilena, foram retirados 1.500 cidadãos da região de conflito. Até o momento não existem novos pedidos de repatriação, ou deslocamento para outros países.
O Palácio de la Moneda, por sua vez, convocou seu embaixador em Tel Aviv para falar sobre “as violações inaceitáveis do Direito Internacional Humanitário que Israel cometeu na Faixa de Gaza”, segundo comunicado do Ministério das Relações Exteriores chileno.
“O Chile condena veementemente e observa com grande preocupação que essas operações militares – que neste momento do seu desenvolvimento envolvem punição coletiva da população civil palestina em Gaza – não respeitam as normas fundamentais”.
A situação interna de Boric é delicada. O Chile tem a maior comunidade palestina fora do mundo árabe, estimada em 500 mil pessoas. Aliados do presidente chileno, entre eles o líder do Partido Comunista (integrante da aliança de governo), Daniel Jadue, ex-pré candidato à Presidência e de origem palestina, atacaram duramente as ações de Israel, elevando a pressão sobre o chefe de Estado, que também deve lidar com uma comunidade judaica forte em seu país.
Na Colômbia, o presidente Gustavo Petro também convocou seu embaixador em Tel Aviv. No X (antigo Twitter), disse que "se Israel não parar o massacre do povo palestino, não poderemos estar lá”. Petro foi questionado por adversários, entre eles o ex-presidente Iván Duque (2018-2022), por não mencionar o ataque terrorista do Hamas. No final de outubro, um avião da Força Aérea Colombiana chegou ao Egito com ajuda humanitária para a Faixa de Gaza, e para repatriar 100 colombianos que estavam em Israel, perto da zona de conflito.
O governo de Petro confirmou recentemente a morte do cidadão Antonio Macias Montaño, de 29 anos, que também tinha cidadania israelense. Ele desaparecera junto a sua namorada, Ivonne Rubio, também assassinada, em 7 de outubro.
O governo do também presidente esquerdista Luis Arce foi o mais radical em seu posicionamento sobre Israel. A Bolívia foi o primeiro país na América Latina a cortar relações com o governo de Netanyahu, "em repúdio e condenação à agressiva e desproporcional ofensiva militar israelense, que está sendo levada a cabo na Faixa de Gaza”, disse o vice-ministro das Relações Exteriores, Freddy Mamani.
Esta não foi a primeira vez que a Bolívia rompeu relações com Israel. Em 2009, o governo de Evo Morales (2006-2019) — ex-aliado de Arce — tomou a mesma determinação devido a um ataque à Faixa de Gaza.
A retomada de relações só aconteceu dez anos depois, por decisão da presidente interina Jeanine Áñez, de direita, que assumiu o poder depois do conturbado processo eleitoral de 2019, que terminou com a renúncia, sob pressão militar e das forças policiais, de Morales. No início do conflito, a Bolívia, com a ajuda de países vizinhos, entre eles Chile e Colômbia, conseguiu repatriar 19 cidadãos que estavam na região de conflito.