Por que o Brasil fechou as portas do Brics para a Venezuela? Entenda
Nos bastidores, Caracas não atendeu apelos feitos pelo governo Lula
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Na quinta-feira da semana passada, os chanceleres do Brasil, Mauro Vieira, e da Venezuela, Iván Gil, se falaram por telefone, e o ministro do governo Lula reiterou o pedido para que Nicolás Maduro concedesse um salvo-conduto aos seis venezuelanos que estão asilados na Embaixada da Argentina em Caracas, ainda sob custódia brasileira — embora, oficialmente, a custódia tenha sido revogada.
Essa foi uma das demandas transmitidas por Vieira a seu colega de pasta venezuelano. Na mesma conversa, confirmaram fontes brasileiras, também se falou sobre o aumento da repressão no país.
O chanceler venezuelano, como de costume, ficou de dar um retorno que nunca chegou. O pedido do salvo-conduto para os seis asilados é antigo, e tornou-se mais recorrente por parte do Brasil desde que o governo Lula decidiu aceitar o pedido argentino para que assumisse sua representação em Caracas, após as eleições de 28 de julho.
Quatro dos seis asilados são colaboradores do círculo íntimo da líder opositora María Corina Machado. A resposta da Venezuela é, até o momento, um não taxativo.
Vieira teve uma conversa similar com Gil em Nova York, em paralelo à Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro. Nada aconteceu.
O Brasil deu várias oportunidades para que o governo venezuelano desse alguma sinalização positiva nas últimas semanas, e do outro lado encontrou sempre uma negativa. Com esse pano de fundo, admitiu uma fonte brasileira, “não havia a menor condição de premiar a Venezuela com uma incorporação ao Brics, como parceiro de diálogo”.
Como se não bastassem as negativas, houve, também, ofensas ao presidente Lula. Recentemente, o procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, afirmou que os presidentes brasileiro e chileno, Gabriel Boric, eram "agentes da CIA", serviço federal de Inteligência dos Estados Unidos, tendo sido cooptados pelo governo americano para representar assuntos na América Latina.
As declarações de Saab, figura de peso na ditadura venezuelana, causaram profundo mal estar no Palácio do Planalto. Em Caracas, o Palácio Miraflores tentou contornar, afirmando que se tratava de uma “posição pessoal” do procurador-geral, mas era tarde demais.
Em Brasília, os assessores de Lula e o Itamaraty sabem muito bem do peso de Saab na ditadura venezuelana, e sua fala terminou de azedar a relação. Nesse contexto, não existia a menor possibilidade de que o Brasil apoiasse a entrada da Venezuela ao Brics.
O governo Lula nunca vinculou suas demandas a uma eventual incorporação da Venezuela ao grupo também integrado por Rússia, China, Índia e África do Sul, mas para bom entendedor meia palavra basta. O Brasil não propôs a incorporação de nenhum novo país ao grupo, como tampouco o fez na cúpula de chefes de Estado de 2023, na África do Sul, e deixou bem claro que não apoiaria a adesão da Venezuela.
Declarações do assessor internacional de Lula, embaixador Celso Amorim, tornaram pública uma posição que os dois países que apoiavam a Venezuela de Maduro, Rússia e China, já conheciam. E a decisão foi evitar uma situação desconfortável para o Brasil.
A delegação venezuelana não tinha solicitado, até a tarde desta quarta-feira, uma reunião com Vieira. Funcionários de ambos os governos se encontraram num juntar para países membros e convidados, na noite desta quarta-feira em Kazan (tarde em Brasília), e durante o evento o chanceler brasileiro conversou informalmente com seu par venezuelano e com a vice-presidente do país, Delcy Rodríguez.
Mas, a essa altura do campeonato, a lista de países que poderão ser incorporados ao Brics não incluía a Venezuela. Dois latino-americanos estão mencionados: Cuba e Bolívia. Uma fonte brasileira admitiu que, em outras circunstâncias, “a Venezuela teria muito mais o perfil de Brics do que Cuba e Bolívia. Mas o mal estar criado após a eleição de 28 de julho obrigou a fechar essa porta, por enquanto. A diplomacia é um céu nublado, pode abrir mais pra frente”.
A Venezuela, concluiu a fonte, "conduziu o processo [eleitoral e pós eleitoral] de maneira muito obscura. As coisas poderiam ter sido diferentes".