Premier francês enfrentará voto de não confiança após manobra para o Orçamento
Indicado por Emmanuel Macron, Michel Barnier pode se tornar o primeiro ocupante do posto a ser afastado em mais de sete décadas
O premier francês, Michel Barnier, enfrentará um voto de não confiança ainda esta semana, após aprovar parte do Orçamento sem submetê-lo à votação do Parlamento. A moção de censura conseguiu unir as duas principais forças de oposição — o bloco de esquerda e a extrema direita — e deve ser aprovada sem muitas dificuldades, o que não significará o fim das turbulências no Legislativo.
A crise gira em torno da proposta levada por Barnier ao plenário, que previa aumentos de impostos e cortes de despesas de € 60 bilhões (R$ 381 bilhões), como forma de enfrentar o déficit fiscal do país, hoje próximo a 6% do PIB, e que, caso nada seja feito, tende a aumentar nos próximos anos.
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Ciente da impopularidade de seu plano, o premier passou os últimos dias em uma série de reuniões com lideranças partidárias e prometendo concessões, como a suspensão de um aumento nas contas de luz, previsto para 2025, e mudanças no Orçamento destinado à seguridade social — tema que se tornou o principal ponto de discórdia.
Sem os votos necessários, Barnier usou um mecanismo constitucional para aprovar parte do texto — justamente sobre os gastos sociais — sem que fosse necessário submetê-lo ao plenário, onde a derrota era mais do que garantida. Desde a semana passada ele sinalizava que poderia apelar para o dispositivo caso não conseguisse um acordo com os deputados.
— Agora, cabe a vocês, deputados, decidir se nosso país dota-se de textos financeiros responsáveis, essenciais e úteis para nossos concidadãos. Ou se estamos entrando em território desconhecido — disse Barnier perante a Assembleia Nacional nesta segunda-feira.
O processo de adoção do Orçamento é complexo na França, e são necessárias várias votações até sua conclusão, hoje prevista para meados de dezembro.
Quase que imediatamente, a primeira moção de censura, vinda do bloco de esquerda, foi apresentada à mesa. O premier tem alertado para os efeitos políticos e financeiros de afastá-lo do cargo, mas a presidente do partido França Insubmissa, Mathilde Panot, disse que “não haverá caos uma vez que o sr. Barnier e seu governo tiverem desaparecido”.
— Nós estamos vivendo agora um caos político como resultado do governo do sr. Barnier e da presidência de Emmanuel Macron — disse Panot nesta segunda-feira.
O Reagrupamento Nacional (RN), de extrema direita, se uniu à esquerda, e anunciou que apresentaria um pedido do próprio partido.
— O Sr. Barnier não quis responder ao pedido dos onze milhões de eleitores do RN. Ele disse que todos assumirão suas responsabilidades, então assumimos as nossas — disse a líder do partido, Marine Le Pen, em entrevista coletiva. — Apresentamos uma moção de censura e votaremos a favor da censura ao governo.
A votação pode acontecer nesta quarta-feira.
Para que a moção de censura seja aprovada, são necessários os votos de pelo menos 288, e se os partidos de esquerda se unirem à extrema direita, o governo de Barnier cairá, algo que não acontece desde 1962 — na época, George Pompidou, que havia sido empossado em abril, foi derrotado pelo plenário em outubro. Contudo, o então presidente Charles de Gaulle, dissolveu a Assembleia Nacional, e Pompidou foi reconduzido ao posto.
Caso as previsões se confirmem e Barnier seja derrotado, ele permanecerá no poder até que Emmanuel Macron anuncie um novo governo: ele pode tentar lançar mais um nome apoiado pela maioria do Legislativo, o que parece improvável neste momento, ou apostar em um governo tecnocrata que conduza o país até que novas eleições sejam realizadas.
Barnier está no posto desde setembro, quando foi indicado por Emmanuel Macron após as eleições legislativas de junho e julho. Desde o início, uma parcela considerável do Parlamento, especialmente a esquerda, que venceu as eleições, o rejeita, afirmando que o presidente deveria ter levado em consideração os resultados das urnas para definir o nome do primeiro ministro.
Pelas regras francesas, uma nova votação só poderá acontecer no período do verão no Hemisfério Norte. Contudo, diante do desgaste do presidente francês, a queda pode aprofundar uma crise que ameaça o próprio Macron, uma vez que as vozes que defendem sua renúncia e a convocação de uma nova eleição presidencial são cada vez mais numerosas. O atual presidente tem mandato até 2027, e ele tem repetido que cumprirá o período até o final.