Preocupa o esporte ter ido para o fim da fila, afirma Bernardinho
Neste ano, o técnico do time feminino do Sesc-RJ viu a Superliga de vôlei ser encerrada sem campeão há dois meses, por causa da Covid-19
Conhecido pelo temperamento agitado à beira da quadra de vôlei, o técnico Bernardinho, 60, tem se ocupado de outras formas durante o período de distanciamento social.
Uma delas é pensando no futuro do esporte. Tanto sobre a sua prática em si quanto a respeito do lugar que a indústria esportiva ocupará na vida de uma sociedade pós-pandemia.
"Preocupa o fato de ele [esporte] ter ido um pouco para o final da fila de novo. Não ser visto como uma atividade relevante", afirma o treinador à reportagem. "É óbvio que neste momento a saúde e a sobrevivência das pessoas são o fundamental, mas, quando você pensa no futuro, o esporte tem uma função importante sob esse ponto de vista também."
Neste ano, o técnico do time feminino do Sesc-RJ viu a Superliga de vôlei ser encerrada sem campeão há dois meses, por causa da Covid-19.
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Na entrevista, ele fala também sobre a prática de meditação e seus planos para o futuro. "Quero continuar a ser técnico para sempre."
Pergunta - É possível manter a busca pelo aperfeiçoamento do trabalho na quarentena?
Bernardinho - As horas em que eu estaria na quadra tenho dedicado a outras coisas. Muita leitura, conversa, reflexão, busca por conteúdo. Não apenas a respeito de voleibol, especificamente, mas sobre liderança, trabalho em equipe. Respeitando totalmente a quarentena, praticamente não saí de casa, e tenho cuidado de três níveis: físico, da forma possível; espiritual, comecei a meditar e estou tentando me manter em equilíbrio; e mental, que é produzindo e pensando no futuro. Também dou aulas online de empreendedorismo na PUC e tenho participado de muitos eventos relacionados a empresas e jovens que estão entrando no mercado de trabalho.
Como tem sido esse processo da meditação?
B - Fiz um trabalho com um profissional chamado André Elkind, que é um amigo hoje e trabalha com isso. Praticamos juntos e agora tenho praticado sozinho. Pelo menos uma vez por dia, quando eu consigo duas, e me sinto bem. Sei de experiências de pessoas incríveis no mundo, como o [bilionário investidor americano] Ray Dalio, que atribui seu sucesso à meditação. Traz lucidez, clareza e acredito muito nisso.
Lidar com a incerteza de não saber quando será possível a volta do esporte no país o angustia de alguma forma?
B - Tenho me ocupado mais do que me preocupado neste momento. Claro que não ter certeza sobre quando volta ou não volta e de que maneira volta é uma dúvida pertinente. Até porque esporte é aglomeração de pessoas, encontro de gente. Você pode ter uma disputa controlada e sem público, mas não é a mesma coisa. Que tipo de soluções vamos ter para a prática do esporte no futuro?
Confesso que me questiono muito, tenho buscado paralelos em outras atividades para ver qual seria o melhor caminho para o esporte, mas me preocupa o fato de ele ter ido um pouco para o final da fila de novo. Não ser visto como uma atividade relevante. Primeiro na formação dos nossos jovens, como transmissão de valores, e depois como indústria importante do entretenimento. A gente precisa de alguma forma fazer com que as pessoas entendam essa importância. É óbvio que neste momento a saúde e a sobrevivência das pessoas são o fundamental, mas quando você pensa no futuro, o esporte tem uma função importante sob esse ponto de vista também, que a gente não pode de forma alguma subavaliar.
Na sua avaliação, por que o esporte está ficando para o fim da fila mesmo após uma Olimpíada em casa e os investimentos que foram feitos?
B - A festa olímpica foi muito bonita, o evento em si, mas não tivemos o legado, o progresso na prática esportiva e a melhora das condições do ambiente esportivo. Consequência de uma série de motivos, provavelmente falta de panejamento, entes políticos que usaram da forma errada e programaram da forma errada o que deveria ser uma Olimpíada, o que ela deveria trazer não apenas para o momento em si, mas para o pós. E neste momento, especificamente, tenho receio pelo pouco apoio que já existia para uma gama grande de esportes. As leis de incentivo que dependem do resultado de empresas vão esvaziar, os orçamentos vão diminuir, e portanto vai para o fim da fila.
Quais devem ser as prioridades para fortalecer a estrutura do esporte olímpico brasileiro?
B - O esporte olímpico tem um custo maior porque temos em tese poucos praticantes, ou praticantes sem a estrutura necessária. Isso faz com que o gasto para dar as condições para que esse atleta chegue ao topo seja muito elevado. Mas para desembocar no alto rendimento um número maior de praticantes, isso passa pela iniciação, que no nosso caso se não é inexistente é quase. A prática é pouco disseminada, a motivação e o envolvimento dos profissionais da área estão muito aquém do que seria necessário.
O impacto negativo é mais visível agora, mas é possível pensar em maneiras de melhorar a estrutura do voleibol brasileiro neste momento de pausa?
B - Existe o voleibol do Brasil, das seleções, onde a estrutura é muito boa, há um apoio grande de patrocinadores e que continua excepcional em resultados. A questão toda é interna. O voleibol no Brasil sofre com a inconstância no apoio de patrocinadores, [precisa] de uma organização melhor, de uma profissionalização da nossa Superliga. Temos que estar permanentemente questionando e tentando mudar. Isso passa pela capacitação de dirigentes, pela renovação do quadro, das pessoas que pensam e que tenham uma visão mais moderna do voleibol e das mídias envolvidas nele hoje. Pensar numa repactuação em relação aos próprios parceiros do voleibol. Precisamos disso, e esse momento de pausa é importante para reflexão.
Seu contrato de comentarista do Grupo Globo na Olimpíada de Tóquio está mantido após o adiamento do evento para 2021?
B - Eu não iria para comentar voleibol, mas para debater o esporte como um todo em alguns programas e mesas. Isso me instigou muito e é algo que eu ainda quero fazer. Em tese devemos estar em 2021, não está certo ainda. Se não acontecer, irei como espectador, torcedor do meu filho [o levantador Bruninho] e dos atletas da seleção brasileira. Estar lá e poder pela primeira vez como espectador ver a Olimpíada. Tinha até a ideia de quem sabe voltar ao cenário internacional, tive algumas sondagens, mas esses planos estão adiados por um ano também.
Ainda quer ser técnico por muitos anos?
B - Quero continuar a ser técnico para sempre. Enquanto minha condição física e mental me permitir, não é algo que eu queira deixar. Encontre aquilo que você ame fazer e morra fazendo aquilo, foi a conclusão a que cheguei nos últimos anos. Mais que apenas o esporte, eu amo estar cercado de pessoas que queiram aprender. É muito mais que apenas vencer e perder, mas ajudar a desenvolver gente.
Pensa que pode contribuir para isso em outros papéis, além do de técnico de vôlei?
B - Estou sempre aberto a contribuir com projetos de diversas áreas, mas não tenho pretensão nenhuma maior de querer ser presidente daquilo, ministro daquilo. Temos que ter humildade de entender quais são nossas capacidades e principalmente fraquezas e incapacidades. Sou treinador, formado em economia, com alguma capacidade de contribuição, mas não tenho pretensão de imaginar que eu seria o mais indicado para algum um cargo de direção onde quer que seja.
RAIO-X
Bernardo Rezende, 60
Bernardinho deixou a seleção brasileira em 2017, após conquistar sete medalhas olímpicas: uma como jogador (1984) e seis no comando das equipes feminina (1996 e 2000) e masculina (2004, 2008, 2012 e 2016). Técnico do time feminino do Sesc-RJ, também atua em projetos ligados a educação e empreendedorismo. É formado em economia pela PUC-Rio, onde leciona.
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