ARGENTINA

Presença dominante nas redes sociais é motor de candidatura da extrema direita na Argentina

Vídeos de Javier Milei, que lidera as pesquisas para as presidenciais, chegam a ter oito milhões de visualizações

Javier Milei, o candidato da extrema direita argentina Javier Milei, o candidato da extrema direita argentina  - Foto: Luis Robayo/AFP

Como um partido sem estrutura nacional, sem governadores nem prefeitos, conseguiu vencer as Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (Paso) de 13 de agosto passado na Argentina em 16 dos 24 distritos eleitorais do país?

Por trás do fenômeno do candidato da extrema direita argentino, Javier Milei, está uma tropa digital que atua, principalmente, nas redes sociais TikTok, Instagram, X (ex-Twitter) e Youtube, onde vídeos com falas do economista que lidera as pesquisas para as presidenciais de 22 de outubro chegam a ter mais de 8 milhões de visualizações — num país de 44 milhões de habitantes.

Campeão de buscas
A presença de Milei nas redes começou a crescer durante o governo do então presidente Mauricio Macri (2015-2019) e supera amplamente a de seus adversários no pleito, o ministro da Economia, Sergio Massa, e a ex-ministra Patricia Bullrich, candidata da aliança opositora Juntos pela Mudança. Não se trata apenas da quantidade de seguidores e contas não partidárias que divulgam diariamente centenas de vídeos e materiais sobre Milei, mas também do interesse dos internautas argentinos no candidato da extrema direta, admirador de Jair Bolsonaro e Donald Trump.

De acordo com pesquisa feita pela empresa de consultoria Similarweb antes das Paso, o candidato do partido A Liberdade Avança estava em primeiro lugar, com 293 mil buscas mensais, superando amplamente Bullrich e Massa, que tinham 65 mil e 47 mil, respectivamente.

No YouTube e no TikTok, os vídeos sobre Milei viralizam diariamente, com mensagens muitas vezes inventadas por seus eleitores, na grande maioria jovens. Nas últimas semanas, adolescentes que votaram no candidato da extrema direta nas primárias (a partir dos 16 anos o voto é voluntário na Argentina, e aos 18 passa a ser obrigatório) postaram vídeos que tiveram mais de 100 mil visualizações dizendo que com Milei no poder marcas como Sephora e Victoria Secrets se instalariam no país. A proposta de dolarizar a economia criou imaginários sociais, sobretudo entre os mais jovens, algo que nenhum dos rivais do candidato da Liberdade Avança conseguiu fazer.
 

O candidato da extrema direita tem eleitores de todas as idades e classes sociais, mas os jovens são os que integram uma tropa digital impossível de medir. Aos 27 anos, o advogado Agustín Romo é diretor de comunicação digital do partido dos autodenominados libertários e peça-chave na estratégica de redes de Milei. Sua equipe, admitiu em entrevista ao GLOBO, tem menos de dez pessoas.

— Existem milhares de canais sobre Milei no YouTube, já perdemos a conta. Isso ajudou a que uma geração inteira percebesse que a política tradicional é uma fraude, Milei explicou isso muito bem. O segredo de seu sucesso é ter feito o diagnóstico correto — diz Romo, numa sala na financeira Bull Market Brokers, no centro da capital argentina, onde a equipe de Milei costuma se reunir.

Romo circula pelo escritório num hoverboard (skate elétrico) e exibe com orgulho seu boné com a legenda “Los guardianes del cielo” (Os guardiões do céu, em tradução livre), nome adotado por muitos seguidores de Milei. Tudo começou em 2021, ano em que Milei foi eleito deputado, quando o analista financeiro Carlos Maslatón, defensor das ideias do candidato e popular nas redes, usou uma frase dos macabeus (exército rebelde judeu) que afirma que “a vitória na batalha não depende do tamanho do exército, mas do céu é que vem a força”.

— O fenômeno Milei surge no governo de Macri, porque esse governo nunca representou seu eleitorado. Muitas pessoas começaram a se frustrar naquele momento e buscaram uma alternativa — afirma o jovem estrategista digital, que mantém contato com Eduardo Bolsonaro, com quem esteve durante a visita do filho do ex-presidente brasileiro a Buenos Aires, em 2022.

Seu método de trabalho é simples: instalar temas pela manhã no X, para que apareçam de noite nos programas de debate político e noticiários. As redes TikTok, Instagram e YouTube são essenciais para divulgar conteúdo de eventos que a equipe de Milei considere impactante, sobretudo entrevistas do candidato. Em paralelo, milhares de seguidores fazem o mesmo em suas contas pessoais. Aplicativos de mensagem como WhatsApp ou Telegram não fazem parte da estratégia digital de Milei, como tampouco de seus adversários.

— Tive dez contas suspensas no Twitter antes de Elon Musk, com mais de 50 mil seguidores. Sem Elon Musk, não teria sido possível fazer esta campanha, não teríamos tido a liberdade que temos — admite Romo, que defende com orgulho o surgimento de uma nova militância digital orgânica, “uma maneira diferente de fazer política”.

"Diferença abismal"
Outro nome importante na equipe de comunicação digital de Milei é Fernando Cerimedo, fundador do jornal digital La Derecha Diario, que, segundo informações publicadas pela imprensa local, trabalhou na campanha do então candidato presidencial chileno José Antonio Kast, também de extrema direita, e de Bolsonaro no Brasil. Procurado pelo Globo, Cerimedo recusou-se a dar entrevista.

No mundo digital da única mulher que disputa a Presidência da Argentina, e cujos assessores na matéria preferiam não opinar, militantes tentaram copiar o modelo de Milei e criaram um movimento denominado Bulrrichmania, mas o impacto de seus vídeos não chega perto do alcançando pelo candidato da extrema direita.

— Existe uma diferença abismal entre a presença digital de Milei e a de Bullrich e Massa. A quantidade de posts diários do candidato da extrema direita e seus seguidores é pelo menos cinco vezes superior à de seus adversários — aponta o jornalista e escritor Juan Ruocco, autor de “A democracia está em perigo? Como os memes e outros discursos marginais da internet se apropriaram do debate público”.

Para Ruocco, “Bullrich fez uma campanha tradicional, e Massa, depois das Paso, está tentando melhorar a estratégia digital. Mas Milei vem trabalhando nisso desde 2016, e já está instalado como o mais forte”.

— Milei é o grande gerador de conteúdo desta campanha. Seus memes e seus símbolos, como o leão que ruge, têm uma força enorme e estão vinculados a uma narrativa poderosa, por exemplo a de acabar com a casta política. Massa e Bulrrich não têm narrativa — analisa o escritor.

Voto antiprogressista
Na visão de Ruocco, “nas redes o candidato da extrema direita captou o voto de antiprogressistas, com temas como sua oposição à legalização do aborto, à ideologia de gênero, direitos das mulheres e o que ele e outros líderes de extrema direita chamam de marxismo cultural. Para isso, contou com a ajuda de muitos influenciadores”. O escritor não duvida em falar sobre “riscos para a democracia argentina”, caso Milei seja eleito presidente.

— Uma vitória de Milei teria um impacto na política argentina que ainda não sabemos dimensionar — frisa Ruocco.

Com sua tropa digital, Milei conseguiu derrubar a ideia que existia na Argentina de que um candidato sem máquina e estrutura política não podia superar os partidos tradicionais. Tendo o comando do Estado e o apoio de governadores e prefeitos, o peronista Massa obteve 21,40% dos votos nas Paso, contra 29,86% de Milei. Procurados pelo Globo, os assessores de comunicação do candidato peronista não responderam.

Para consolidar uma superioridade impossível de igualar no mundo das redes sociais, o candidato da extrema direita conta agora com o apoio de sua namorada, a humorista Fátima Florez, que tem um milhão de seguidores no Instagram. Famosa por sua imitação da vice-presidente Cristina Kirchner, ela já postou vídeos adotando o grito de guerra de Milei: “Viva a liberdade, caralho!”.

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