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Meio Ambiente

Presidente da Funai oferece amparo a servidor preso por suspeita de arrendar terras indígenas

Inquérito aponta indícios de que Marcelo Xavier tinha disposição "em interferir no trabalho investigativo da Polícia Federal"

Marcelo Augusto Xavier, presidente da FunaiMarcelo Augusto Xavier, presidente da Funai - Foto: Reprodução / Instagram

Em um telefonema interceptado pela Polícia Federal com autorização da Justiça, o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Augusto Xavier, ofereceu apoio a um servidor do órgão preso por suspeita de participação num esquema de arrendamento ilegal de áreas indígenas em Mato Grosso. A gravação foi anexada a um relatório da PF que aponta que Xavier deu "sustentação à ilegalidade". Procurado, o presidente da Funai não quis comentar.

A interceptação da PF que flagrou Xavier foi feita no início deste ano durante a investigação que prendeu o chefe da Funai no município de Ribeirão Cascalheira (MT), o ex-fuzileiro naval Jussielson Silva, além de um policial militar e um ex-PM, sob a suspeita de cobrança de propina para alugar pastos ilegalmente na reserva indígena Marãiwatsédé. A região ocupa uma área equivalente a 165 mil campos de futebol espalhados em três municípios matogrossenses. No local, segundo o Instituto Socioambiental (ISA), há 781 indígenas xavantes em mais de dez aldeias.

No dia 18 de fevereiro, o presidente da Funai e Jussielson da Silva, o servidor do órgão, conversaram ao telefone por 5 minutos e 48 segundos. A PF havia procurado Jussielson em busca de informações sobre os fazendeiros que alugavam os pastos para gados. No diálogo, Xavier protesta e diz que já havia entrado em contato com a delegacia da PF responsável pela investigação, localizada em Barra do Garças.

“Deixa eu te falar uma coisa: eu falei agora com o chefe da Delegacia aqui e me parece que eles tão com uma má vontade enorme”, disse o presidente da Funai. Xavier, então, promete tomar providências contra os colegas que estavam no encalço do servidor e disse que iria recorrer às corregedorias da corporação, departamento encarregado de apurar eventuais desvios de conduta de policiais. "Eu vou dar ciência já do caso ao corregedor lá de Mato Grosso, ao corregedor nacional da Polícia Federal aqui e já vou acionar nossa corregedoria pra atuar nisso aqui. Pode ficar tranquilo", afirmou.

Em seguida, Jussielson da Silva se mostrou grato pelo apoio do chefe e respondeu: “Sim, eu agradeço porque a gente está na ponta da lança. O senhor é o meu apoio de fogo. O senhor me protegendo, fico mais feliz ainda”, diz o servidor, atualmente preso. Marcelo Xavier, então, tenta acalmar o investigado: “Pode ficar tranquilo aí que você tem toda a sustentação aqui. Pode ficar sossegado”.

Procurado, o advogado Paulo Vindoura, que representa as defesas de Jussielson e outros dois presos informou que não vai se pronunciar.

 

Investigação

As ligações do presidente da Funai, interceptadas com autorização judicial, estão sendo investigadas pela PF, que diz em um relatório encaminhado à Justiça Federal que "é possível concluir que o presidente do órgão, Marcelo, tem conhecimento do que está se passando, sendo possível que esteja dando sustentação à ilegalidade ora investigada (arrendamento em terra indígena)".

No mesmo relatório, o delegado Mario Sérgio de Oliveira, responsável pela investigação, afirma que “tal demonstração de autoridade (de Xavier) permite inferir uma disposição por parte do presidente da Funai em interferir no trabalho investigativo da Polícia Federal”.

Ao analisar a investigação do esquema de aluguel de pastos na reserva indígena Marãiwatsédé, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou Jussielson Silva e outros dois investigados pelos crimes de peculato e associação criminosa, entre outros.

Durante as investigações, a PF constatou que havia 70 mil cabeças de gados espalhadas por 42 pontos da reserva Marãiwatsédé. O arrendamento de terras indígenas é proibido desde 1973, quando foi sancionado o Estatuto do Índio.

Em nota, a Funai informou que Jussielson Silva foi exonerado e que o órgão "se mantém à disposição das autoridades policiais para colaborar com as investigações". A autarquia afirma que "desde 2018 busca uma solução para o impasse envolvendo a prática de arrendamento na Terra Indígena Marãiwatsédé em diálogo constante com o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Federal" sobre o tema.

A Funai também informou que a assessoria da Presidência do órgão indígena se reuniu com o procurador do caso para a "construção de um potencial Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)". Os esforços foram interrompidos "durante a pandemia" para priorizar "ações voltadas à segurança alimentar dos indígenas, com a entrega de cestas básicas em aldeias", segundo a Funai.

A fundação também pontuou que encaminhou relatório de levantamento de dados sobre o território indígena Marãiwatsédé à PF e ao Ministério Público Federal em setembro e outubro do ano passado, respectivamente. Os documentos, contudo, foram produzidos após o MPF abrir uma ação para obrigar a retirada do gado da terra indígena, em fevereiro do ano passado.

"Houve uma tentativa do MPF de buscar construir uma solução com a Funai para cessar os arrendamentos e retirar o gado, mas, por inércia da Funai, não avançou. A Funai sempre reabria discussões. Por tal razão, o MPF ajuizou uma Ação Civil Pública para promover a retirada do gado da terra indígena", diz o procurador Everton Araújo, acrescentando: "Na ação, a Funai pede a improcedência dos pedidos, ou seja, pede que o pedido do MPF para retirar o gado seja julgado improcedente".

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