GUATEMALA

Presidente da Guatemala toma posse após denúncias de tentativa de golpe

Bernardo Arévalo assume depois de superar meses de manobras judiciais que buscaram invalidar sua vitória eleitoral conquistada

Bernardo Arevalo e Karin Herrera cumprimentam apoiadores após tomarem posse na Guatemala Bernardo Arevalo e Karin Herrera cumprimentam apoiadores após tomarem posse na Guatemala  - Foto: Martin Bernetti/AFP

Sob tensão e com entraves de última hora no Congresso — majoritariamente de direita — que atrasaram a cerimônia de posse, enfraqueceram seu partido e levaram a denúncias de tentativa de golpe de Estado, o social-democrata Bernardo Arévalo assumiu a Presidência da Guatemala na madrugada desta segunda-feira, um dia depois do previsto, ao lado da vice-presidente Karin Herrera. O sociólogo, ex-diplomata e filósofo de 65 anos prestou juramento para um mandato de quatro anos em uma sessão solene do Congresso no Teatro Nacional, no centro da capital, depois de superar meses de manobras judiciais que buscaram invalidar sua vitória eleitoral conquistada com a promessa de combater rigorosamente a corrupção no país.

"Não vamos permitir que as instituições fiquem sujeitas à corrupção e à impunidade" disse Arévalo durante a cerimônia que entrou pela madrugada, atrasada em nove horas pelo impasse.

A cerimônia ocorreu após o imbróglio, que causou protestos nas ruas, levou EUA, União Europeia (UE), a Organização dos Estados Americanos (OEA) e chanceleres reunidos para a posse a exortarem o Legislativo a "cumprir seu mandato constitucional de entregar o poder como exige a Constituição" e fez com que o próprio presidente denunciasse, na rede social X (ex-Twitter), uma tentativa de "vulnerar a democracia com ilegalidades, banalidades e abusos de poder".

 

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O atraso se deu após a comissão parlamentar de credenciais do Congresso, composta por conservadores, decidir revisar as credenciais dos novos 160 deputados, mirando os 23 do partido de Arévalo, o Movimento Semente, suspenso temporariamente a pedido do Ministério Público, que acusa a legenda de irregularidades em seu processo de formação em 2017.

"Os deputados têm a responsabilidade de respeitar a vontade popular expressa nas urnas. Tenta-se violar a democracia com ilegalidades, ninharias e abusos de poder", denunciou Arévalo no X enquanto a junta qualificadora ainda decidia o futuro dos parlamentares.

Após horas de discussões, o partido de Arévalo foi declarado "independente", em virtude da ordem judicial. Com isso, os deputados da sigla não podereriam integrar a legislatura e nem presidir as comissões parlamentares. Horas depois, o novo Congresso da Guatemala restabeleceu a bancada de Arévalo, ao revogar a decisão da legislatura anterior.

Em meio à crise, uma reunião urgente foi convocada pelo ministro das Relações Exteriores da Costa Rica, Arnoldo André, com os chanceleres e outras autoridades internacionais presentes. "Apelamos ao Congresso da República para que cumpra o seu mandato constitucional de entregar o poder, conforme exigido pela Constituição, no dia de hoje ao presidente eleito Bernardo Arévalo e a vice-presidente eleita Karin Herrera", afirmou um comunicado conjunto publicado no X pelo alto representante da União Europeia, Josep Borrell.

Também estavam presentes representantes da Organização dos Estados Americanos (OEA), dos Estados Unidos, o rei da Espanha, Felipe VI, e, entre outros, os presidentes Gabriel Boric (Chile) e Gustavo Petro (Colômbia).

A demora levou centenas de apoiadores no lado de fora a romper o bloqueio policial, avançando até o local onde se realizava a cerimônia, com início originalmente marcado para as 18h (no horário de Brasília). Os manifestantes, vários deles indígenas, enfrentaram dezenas de policiais que mantinham cercas nos fundos da sede do Legislativo, no centro histórico da Cidade da Guatemala, erguendo cartazes que diziam "Fora, deputados golpistas!". Segundo a imprensa local, não foi preciso o uso de força ou de gases lacrimogênios para segurar o público.

A exaltação no exterior levou Arévalo a assegurar, por meio de uma mensagem no X (antigo Twitter), que a posse ocorreria sem problemas. "Está tudo pronto para que, às 16h [horário local], conforme estabelece a lei, Karin Herrera e eu sejamos presidente e vice-presidente da República. Assim como estabelece a lei", escreveu Arévalo.

O mesmo fez Herrera: "Que os atrasos no início da cerimônia não tirem a alegria e a esperança com que milhões de pessoas acordaram para este histórico 14 de janeiro", disse no X.

Arévalo substituirá o direitista Alejandro Giammattei, que foi vinculado ao chamado "pacto de corruptos", em cujo governo dezenas de promotores, juízes e jornalistas tiveram de se exilar após denunciarem atos de corrupção.

Denúncia de golpe de Estado
Horas antes da posse, Arévalo, filho do primeiro presidente democrático da Guatemala, prometeu que seu governo trabalhará para encerrar "um período tenebroso" de "cooptação corrupta do sistema político".

Arévalo, inesperadamente, avançou para o segundo turno presidencial em junho com a ex-primeira-dama Sandra Torres Casanova, uma candidata conservadora aliada do governo, a quem derrotou confortavelmente com 60% dos votos, graças à sua mensagem anticorrupção. Desde então, ele e seu partido foram alvo de uma ofensiva judicial que ele denunciou como um "golpe de Estado", liderado pela elite política e econômica que tem governado o país por décadas.

O Ministério Público tentou retirar sua imunidade como presidente eleito, desmantelar seu partido progressista e anular as eleições, alegando irregularidades eleitorais. Segundo o órgão, as atas eleitorais utilizadas não foram as originalmente aprovadas pelo Tribunal Supremo Eleitoral.

A investida judicial, baseada em casos "espúrios", segundo Arévalo, foi condenada pela ONU, OEA, União Europeia e Estados Unidos, que anunciaram sanções contra centenas de promotores, juízes e deputados por "corrupção" e por "minar a democracia".

Arévalo poderá governar?
O futuro presidente da Guatemala reconhece que enfrentará enormes desafios, pois as "elites político-criminosas, pelo menos por um tempo, continuarão arraigadas" nos poderes do Estado.

Segundo ele, nesta semana, pedirá a renúncia da procuradora-geral Consuelo Porras, líder da ofensiva judicial. Analistas não descartam, porém, que o Ministério Público continue a perseguição e insista em pedir ao Congresso que retire sua imunidade presidencial.

Arévalo terá de lidar com um Congresso onde mais de uma centena dos 160 parlamentares pertencem a partidos políticos tradicionais que podem fazer mais do que apenas obstruir sua agenda de "mudanças".

"Estará sob cerco permanente. Seu maior desafio é atender ao desejo do povo: não ser governado pelo pacto de mafiosos. Ele precisa desmantelá-lo; caso contrário, não poderá governar" disse o analista Manfredo Marroquín à AFP.

A Guatemala que Arévalo herda ocupa o 30º lugar entre 180 países no ranking de corrupção da Transparência Internacional e tem 60% de seus 17,8 milhões de habitantes vivendo na pobreza, um dos índices mais altos da América Latina.

Filho de Juan José Arévalo (presidente de 1945-1951), defensor de importantes reformas sociais no país, nasceu em Montevidéu, Uruguai. Na infância, morou na Venezuela, no México e no Chile, no exílio de seu pai após o golpe orquestrado pelos Estados Unidos em 1954 contra o progressista Jacobo Árbenz.

Arévalo é poliglota e amante do xadrez, pai de três filhas e casado com a médica Lucrecia Peinado, que, por sua vez, tem três filhos.

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