Professor diz ter sofrido racismo após ser acusado de furto, em armazém, em Olinda
Cliente teria sido obrigado a pagar por produto que estaria na bolsa dele
Era para ser apenas a compra de uma boia para uma caixa d’água, mas a manhã do último sábado (6) se tornou traumática para o professor de geografia Eduardo Nogueira, de 54 anos. Ele leciona nas redes estadual, particular e municipal de Jaboatão.
Nogueira diz ter passado quase sete horas na loja do Armazém Coral Achaqui em Jardim Atlântico, Olinda, na Região Metropolitana do Recife, após ter sido acusado de furto e obrigado, por um vigilante, a pagar por um produto que estaria na bolsa dele e que ele já teria efetuado o pagamento.
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O professor informou que chegou ao estabelecimento perto das 10h daquele dia, procurando pelo produto, e demorou para ter auxílio de algum funcionário da loja, o que fez com que ele andasse pelos corredores em busca da boia. Tempo depois, uma atendente perguntou se ele queria ajuda, e assim o fez.
“Ela me levou até à seção onde tem a boia e me mostrou duas, uma de R$ 50 e outra de R$ 66,90. Como eu não entendo do assunto, contei o nível da minha necessidade. Ela me indicou a de R$ 66,90 e disse que essa vendia muito. Eu fui pro caixa, paguei o produto, coloquei dentro da embalagem da rede Coral, com a nota fiscal. Dei um nó e fui para a porta”, explicou.
Eduardo contou, ainda, durante entrevista, que, chegando à porta do estabelecimento, um segurança disse que ele só poderia sair dali quando pagasse pelo item que constava dentro da bolsa plástica.
“Eu olhei pros lados e perguntei: ‘que produto? Você está me acusando de furto, de roubo?’ Ele disse que sim e me ordenou a tirar o produto, pagar e disse que ‘a gente vai conversar’”, complementou.
O professor entrou em desespero e começou a exclamar, alegando severamente que já tinha pago pela boia e que não roubou qualquer coisa no interior da loja, apontando para a sacola quase transparente que mostrava, segundo ele, a nota fiscal. O cliente assegura que, mesmo em meio ao desespero, não agiu de forma grosseira ou que afetasse a integridade física de alguém dentro da loja.
“Eu não abri a sacola, porque ali só tinha funcionários da loja e ninguém ia me apoiar. Até que eu abrisse e provasse que não roubei nada, poderiam desligar as câmeras, apagar as imagens e eu sairia dali algemado. como culpado”, especulou.
De acordo com o professor, um casal o prestou apoio nesse momento. A mulher, identificada como Maria Betânia, se prontificou em testemunhar sobre o ocorrido e esperou com ele, dentro do estabelecimento, até que a polícia chegasse.
“Ela ligou para a polícia e para algumas pessoas conhecidas minhas. Os rapazes [segurança e encarregado da loja] não ficaram mais perto de mim, após dizermos que íamos chamar a polícia, e ficaram calados. Mas, se eu era culpado, porque eles mesmos não chamaram a polícia? Fiquei lá [dentro do Armazém] até perto das 16h”, disse a vítima.
O professor prestou o boletim de ocorrência na Delegacia de Rio Doce, na última segunda-feira (8). Durante a entrevista à Folha de Pernambuco, emocionado, disse que lhe restaram traumas psicológicos sobre tudo que viveu no fatídico sábado. Ele expôs que nunca imaginou ser vítima de racismo em qualquer lugar.
“Passa um filme na minha cabeça. A gente vê que acontece com todo os outros, mas é estranho quando acontece com a gente. Meu sistema nervoso está abalado. Em pleno século XXI, e as pessoas se tratam desse jeito. Racismo e preconceito são muito difíceis. Não desejo para ninguém. Não como e não durmo direito. Estou receoso sobre o que podem fazer comigo”, concluiu.
O que diz o Armazém Coral Achaqui?
A reportagem entrou em contato com o Armazém Coral Achaqui, que indicou uma nota publicada nas redes sociais. O comunicado diz que “a equipe obedecia a um procedimento padrão das lojas”.
“O Armazém Coral tem uma história de 65 anos de trabalho sério, prezando pela satisfação e integridade de seus clientes. Atitudes preconceituosas não condizem com nosso Código de Ética, nem com o treinamento que os seguranças recebem”, afirma o comunicado.
“Lamentamos todo esse incidente e qualquer constrangimento causado ao Sr. Eduardo Nogueira. Informamos que os envolvidos já foram afastados, mas seguimos apurando internamente o ocorrido para tomar as medidas cabíveis”, conclui a empresa.
Com a palavra, a PCPE
Procurada pela reportagem, a Polícia Civil de Pernambuco (PCPE) confirmou o registro do caso e disse, por meio de nota, que “as investigações foram iniciadas e continuam em andamento até a completa elucidação dos fatos”.
Qualquer cidadão que esteja sendo vítima de racismo ou injúria racial deve acionar a polícia através do número 190.