Professores de Salvador vão perder dois terços do salário se fizerem home office
Docentes decidiram no dia 13 de maio aderir ao estado de greve, com manutenção das aulas remotas; Secretaria Municipal de Educação afirmou que será computado apenas um terço da carga horária semanal
Medo do coronavírus, salas de aulas praticamente vazias, procura por cestas básicas e agora o anúncio da Prefeitura de Salvador de redução para um terço do salário dos professores que trabalharem apenas por home office.
Esse é o panorama da educação na rede municipal, desde que o prefeito Bruno Reis (DEM) determinou, no último dia 3 de maio, o retorno às aulas presenciais. Com mais de 6.000 entre os 20 mil mortos por Covid-19 na Bahia, a capital está com ocupação de leitos de UTI para a doença cima dos 80%.
Os professores decidiram no dia 13 de maio aderir ao estado de greve, com manutenção das aulas remotas.
Segundo a Secretaria Municipal de Educação, será computado apenas um terço da carga horária semanal do professor que optar pelo home office.
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O ofício número 027/2021 foi encaminhado às Gerências Regionais de Educação no último dia 11 e informa que o objetivo do documento é esclarecer dúvidas quanto à carga horária.
"Na hipótese do professor decidir, momentaneamente, não participar de atividades presenciais, mas tão somente do planejamento e acompanhamento na forma remota, só lhe serão apontadas as horas correspondentes a um terço da sua carga horária semanal", diz o comunicado.
Dos 163 mil estudantes matriculados nas 435 escolas mantidas pela pasta, apenas 2,5% têm comparecido às unidades de ensino, segundo o secretário de Educação, Marcelo Oliveira.
Nesta quinta-feira (20), a reportagem acompanhou a movimentação em frente a três escolas na periferia de Salvador. Em um período de duas horas, das 7h às 9h, nenhuma família havia surgido para levar os estudantes. A exceção de funcionários, o movimento se resumiu a uma mãe que esteve em uma delas para buscar as atividades da filha.
Morador do bairro de São Marcos, Eduardo Rocha, 36, chegou cedo, por volta das 7h, à porta da Escola Municipal Clériston Andrade, mas para botar o passarinho na gaiola para "tomar um ar", além de bater papo com as pessoas que passavam na rua.
Ele é vizinho da escola. "Eu sento aqui dia sim, dia não, nas folgas do trabalho. Desde que as aulas voltaram, não vi uma criança entrar aí, a não serem os pais em busca de cestas básicas", disse. A unidade atende cerca de 900 alunos.
A pouco mais de dois quilômetros dali, das 7h45 às 8h30, a trabalhadora doméstica Rosemar Feitosa, 43, foi a única mãe que apareceu na Escola Municipal Roberto Correia, em Pau da Lima. Desacompanhada da filha, Sami Ágata, aluna do 4º ano, buscava somente as atividades da semana.
"Enquanto não estivermos todos vacinados, não mando minha filha para a escola, de jeito nenhum. Só tenho essa", disse, enquanto comprava máscaras com a ambulante Rosilane Marinho, 28, que também tem um filho matriculado na rede municipal.
O filho da vendedora estuda na Escola Municipal Allan Kardec de Pirajá, na rua Marechal Deodoro, onde um cartaz afixado no portão alerta aos pais de que os professores da unidade aderiram à paralisação, mas que a escola continua aberta para receber e distribuir as atividades.
"Fizeram uma reunião virtual com pais, só um ou dois quiseram aula presencial, a maioria rejeitou", disse Rosilane. "Alguns pais disseram ter recebido ligação da prefeitura, com ameaça de corte da cesta básica se não mandarem os filhos pra escola. Eu que não tenho coragem."
A reportagem ouviu três professoras, sob a condição de anonimato, que manifestaram medo de voltar ao trabalho, mas temerem cortes nos vencimentos.
O coordenador-geral da APLB (Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Bahia), Rui Oliveira, considera o documento uma forma de intimidar os professores, motivo pelo qual, ele prossegue, a entidade acionou a Justiça com um mandado de segurança contra a medida.
"O secretário desconhece as atribuições dele. Ele não pode fazer isso por ofício. Somente o prefeito, por meio de decreto, pode determinar o corte de salário", aponta. "O que o secretário quer fazer é nos intimidar, mas ele não vai conseguir, porque os pais estão do nosso lado", completa.
O dirigente afirma que, ao contrário do que diz a secretaria, os professores em regime de home office têm trabalhado até mais do que a carga horária convencional, com computadores, internet e energia próprios.
Segundo Oliveira, desde o início da pandemia, 240 professores morreram por Covid na Bahia, 40 deles em Salvador. Entre as vítimas, está a professora Clarice Pereira dos Santos, cuja história foi contada no jornal Folha de S.Paulo em 26 de junho de 2020.
No mês passado, cerca de 45 mil trabalhadores da educação, o equivalente a 80% da categoria, foram vacinados com a primeira dose, diz Oliveira. "Mas a eficácia da vacina só é completa com a segunda dose, o que deve ocorrer no fim de julho. Por isso, não podemos voltar", conclui.
Por sua vez, o secretário informa que ao menos 60 mil trabalhadores da educação, não apenas os professores, teriam recebido a primeira dose do imunizante fabricado pela Oxford/AstraZeneca, desde o mês passado, em Salvador:
"A secretaria tem pesquisado em publicações conceituadas, como a Lancet, que apontam que a primeira dose dessa vacina tem 76% de eficácia a partir do 22º dia", argumentou o secretário, em contraponto ao pleito do sindicato.
Questionado pela reportagem sobre o risco de contaminação dos estudantes, que, por sua vez, poderiam infectar os pais, o secretário respondeu que esse risco já é iminente nas próprias comunidades onde vivem.
"As crianças estão menos expostas nas escolas do que nas comunidades, pois as salas estão em esquema de revezamento, com apenas 50% de ocupação. Além disso, jovens abaixo dos 19 não serão vacinados", diz.
Sobre a baixa frequência nas escolas, Oliveira acredita ser fruto de uma campanha de desinformação por parte do sindicato dos professores, "que estão espalhando terror nas comunidades", rebate.
Oliveira nega que a prefeitura ameace cortar os benefícios das famílias, mas explica que as escolas estão oferecendo merenda aos estudantes nos dias de aula, o que faria com que a cesta básica equivalesse a 15 dias.
Segundo o secretário, desde o início da pandemia, já foram entregues às famílias cerca de 2,2 milhões de cestas básicas, o equivalente a mais de 27 mil toneladas de alimentos.
Quanto ao corte nos salários, o secretário sustenta que, uma vez que a secretaria convocou os professores para o ensino presencial, não será aceita apenas a modalidade remota.
"Nós queremos que o professor esteja na sala de aula, que é o que está na lei, no plano de carreira. Não estamos inventando nada. Portanto não vamos aceitar apenas o ensino remoto", afirma Oliveira.