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Educação

Projetos para limitar discussão sobre racismo em escolas avançam nos EUA

Governadora de Iowa assinou uma lei que determina o que um educador pode e não pode falar sobre desigualdade racial com seus alunos

Governadora dos EUA, Kim ReynoldsGovernadora dos EUA, Kim Reynolds - Foto: Mandel Ngan/AFP via Getty Images

Em Iowa, no Meio-Oeste dos Estados Unidos, os professores terão que pensar duas vezes antes de debater em sala de aula a relação do racismo com a história do país.
 
A governadora Kim Reynolds assinou na segunda semana de junho uma lei que determina o que um educador pode -e principalmente o que não pode- falar sobre desigualdade racial com seus alunos. Discutir como pessoas brancas, ainda que inconscientemente, podem ter atitudes racistas, por exemplo, não é mais uma opção.
 
No Arizona, estado fronteiriço com o México, um projeto com essa orientação e apelidado de "Lei do Ensino Imparcial" foi aprovado pela Câmara estadual na primeira semana de maio, mas barrado pelo Senado, por 16 votos a 14, no dia 27 do mesmo mês.
 
Caso tivesse passado, professores do estado receberiam multas ao falar sobre determinados assuntos -explicar como a ideia de meritocracia exclui grande parte dos negros, por exemplo, custaria a eles 5.000 dólares (R$ 25 mil).
 
Projetos do tipo têm se multiplicado nos EUA. Pelo menos 27 estados -o país tem 50- estão debatendo projetos que visam limitar a discussão racial na educação básica. Oito deles já aprovaram a medida: Idaho, Oklahoma, Tennessee, Texas, Iowa, Flórida, Utah e Montana. Todos são governados por republicanos.
 
Em 13 estados, os legislativos discutem esses projetos ou os governadores manifestam apoio público a uma possível tentativa de emplacar conteúdos desse tipo. Outros seis estados tentaram aprovar projetos, mas não conseguiram.
 
Em comum nessas propostas, além da iniciativa de cercear o debate racial na educação pública, está uma campanha massiva contra a teoria crítica da raça, escola de pensamento jurídico fundada por professores negros e latinos na década de 1980 e que teve os EUA como berço.
 
Doutor em direito pela Universidade Harvard e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Adilson Moreira explica que a teoria contribui com o debate público ao explicar como o racismo está permeado na lógica das instituições da sociedade.
 
"A teoria crítica da raça trabalha com a ideia do racismo como um fenômeno sistêmico, uma discriminação estrutural", afirma Moreira. "Ela recupera o conceito das microagreções para entender como a animosidade em relação às pessoas negras, asiáticas e indígenas é perpetuada no cotidiano das relações humanas."
 
Um dos conceitos com o qual trabalha a teoria, e que ganhou jurisprudência na Suprema Corte americana na década de 1970, é o da discriminação indireta. "Até então os tribunais entendiam como discriminação apenas um ato arbitrário e intencional que, movido por preconceitos e estereótipos, impõe uma desvantagem a um determinado grupo", explica o professor.
 
No caso da discriminação indireta, mesmo uma norma que não faz menção à raça pode ter impacto desproporcional em um grupo em situação de desvantagem. No Brasil, é o que acontece, por exemplo, com a exigência de fluência em inglês para concorrer a determinadas vagas -uma vez que alunos de escola pública, em sua maioria negros, em geral têm menos acesso ao ensino do idioma.
 
Nos projetos de lei que correm nos legislativos estaduais dos Estados Unidos, porém, esse tema aparece de forma diferente. A maioria dos textos afirma proibir o ensino dos "divisive concepts" (conceitos divisivos), que ferem a união da nação americana.
 
É o caso da lei que começa a valer em 1º de julho em Oklahoma. O texto diz que nenhum professor pode abordar que "um indivíduo, por virtude de sua raça ou sexo, é inerentemente racista, machista ou opressor, seja consciente ou inconscientemente".
 
Quando assinou a norma, o governador republicano Kevin Stitt declarou: "Agora, mais do que nunca, precisamos de leis que nos unam, e não nos separem. Acredito fortemente que nenhum centavo do seu dinheiro deve ser usado para dividir nossos jovens baseado em sua raça ou sexo".
 
Professora do departamento de estudos africanos da Universidade de Wisconsin-Milwaukee, Gladys Mitchell-Walthour afirma que o que se tenta fazer é uma grande campanha de desinformação.
 
"Eles não estão falando sobre teoria crítica da raça, mesmo porque esse é um assunto para universitários, não para crianças", diz. "O pensamento deles é de que os brancos estão sendo atacados por minorias como os negros e os latinos."
 
Ainda que tenham se intensificado e ganhado celeridade no primeiro semestre deste ano, projetos do tipo têm pano de fundo histórico, ela diz.
 
Diferentes elementos têm peso nesse contexto. Um dos principais, para os especialistas, é o efeito rebote do governo de Barack Obama, único negro a assumir a Presidência.
 
"A eleição de Obama teve impacto cultural em uma nação que sempre se representou como branca, e isso despertou a fúria de grande parte da população branca norte-americana, um ressentimento racial que decorre não apenas do fato de Obama ser negro, mas porque ele criou medidas para promover a inclusão das pessoas negras", diz Moreira.
 
A herança recente do governo de Donald Trump está presente nos projetos de lei. O republicano, aliás, atua como uma espécie de padrinho de propostas que tentam limitar o ensino da história negra.
 
Mesmo fora da Presidência, Trump não deixou de inflamar o assunto. Em artigo publicado no site Real Clear Politics na sexta (18), ele voltou a defender que cada estado deve aprovar leis que proíbam a teoria crítica da raça nas escolas públicas e retirem o repasse de verba para os centros de ensino que abordarem o assunto.
 
"Longe de promover o belo sonho do reverendo Martin Luther King -de que nossas crianças devem 'não ser julgadas pela cor de suas peles, mas por seus caráteres'- essa nova vil teoria de esquerda prega que julgar pessoas pela cor de suas peles é realmente uma boa ideia", diz em um trecho.


Na última semana, quando o Congresso americano aprovou a criação de um feriado nacional em 19 de junho para celebrar a emancipação dos escravos do país -batizado de "Juneteenth"-, o primogênito de Martin Luther King, homônimo do pai, teceu críticas aos projetos em curso.
 
Ao comemorar o marco do novo feriado, emendou: "Mas não esqueçamos que, na Flórida e no Texas, os educadores estão proibidos de ensinar a teoria crítica da raça. O Juneteenth deve ser tanto um dia de celebração, quanto um dia para educar sobre a verdadeira história da nossa nação."
 
Enquanto a enxurrada de projetos avança em nível estadual, mais críticas se tornam públicas. Em 16 de junho, 90 associações, entre elas a Associação Mundial de História, publicaram uma carta em oposição a esse tipo de lei.
 
"O claro objetivo desses esforços é suprimir o ensino e o aprendizado sobre o papel do racismo na história dos EUA", diz o documento. "Qualquer análise sobre o racismo nas salas de aula deste país causará a alguns estudantes 'desconforto', porque este é um assunto desconfortável e complicado. Mas o ideal de cidadania necessita de um público educado, e professores devem oferecer uma visão precisa do passado a fim de melhor preparar os estudantes para a vida em comunidade e o engajamento cívico."
 
A professora Gladys Mitchell-Walthour diz que grupos da sociedade civil vão seguir se manifestando contra projetos do tipo, mas que o avanço nos legislativos estaduais não deixa de ser preocupante.
 
"Tenho muitos estudantes de cidades pequenas e rurais de Wisconsin que falam 'você é a primeira pessoa negra com a qual converso'. A consequência desses projetos de lei será pior do que o que já temos."

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