Dia das Crianças

Projetos sociais estimulam a construção da consciência crítica e da argumentação de crianças

Os projetos "Todos Juntos Pela Leitura" e "Crespas e Cacheadas - As Rainhas" são exemplos de iniciativas voltadas para crianças

Projetos sociais estimulam a construção da consciência crítica e da argumentação de criançasProjetos sociais estimulam a construção da consciência crítica e da argumentação de crianças - Foto: Melissa Fernandes/ Folha de Pernambuco

Cada criança é única e descobre o mundo da sua própria maneira todos os dias, através de brincadeiras, da leitura, da escrita, das artes, e do diálogo, entre outras milhares de possibilidades e perspectivas existentes.

Aliada ao processo de descoberta, as atividades lúdicas podem auxiliar no desenvolvimento dos pequenos. Entre essas atividades, estão os projetos que estimulam a construção da consciência crítica, da argumentação e permitem que crianças socializem e criem um vínculo de conexão. 

A magia da leitura 

Criado em 2019, o projeto itinerante “Todos Juntos Pela Leitura” tem como objetivo, além de incentivar o ato de ler, promover o protagonismo literário infantil, estimular o senso crítico e cultural das crianças e semear a leitura pelo mundo. O projeto é gratuito e está de portas abertas

Projeto Todos Juntos Pela Leitura. Foto: Melissa Fernandes/ Folha de Pernambuco

A professora e idealizadora do projeto, Jesiane Dionízio, explicou que a inspiração para a criação do projeto foi a filha de 10 anos, Gabriela Florêncio (Gabi), que também embarcou com a mãe no mundo da leitura. As duas estão à frente da iniciativa. 

O projeto reúne cerca de 50 crianças e realiza encontros bimestrais em livrarias e bibliotecas do Recife e da Região Metropolitana. Além dos momentos presenciais, o projeto promove desafios literários mensais através do Instagram, com a participação de crianças de todo o Brasil e do exterior e 30 embaixadores literários de todo o mundo fazem a divulgação dos desafios e do projeto. 

“Nos encontros nós fazemos a contação de história com uma escritora voluntária, ou com Gabi. Geralmente Gabi sempre faz a contação, porque um dos pressupostos do projeto é nada melhor do que uma criança incentivar outra criança. Também temos o momento de ludicidade com um grupo de escoteiros do Recife, que faz várias brincadeiras e tem a questão da roda de leitura, que a gente faz essa conversa. Nós finalizamos sempre com o lanche e o sorteio de livros”, explicou Jesiane. 

Jesiane Dionízio. Foto: Melissa Fernandes/ Folha de Pernambuco

Caminhando para a sua 27ª edição no mês das crianças, os desafios literários são únicos e cada um tem um tema específico. Na 26ª e atual edição, o escritor Jonas Ribeiro foi o homenageado. A partir do tema proposto, as crianças gravam vídeos que são postados no perfil do projeto. 

Baseado nos desafios, o “Todos Juntos Pela Leitura” já lançou dois livros com a participação de crianças, adolescentes e adultos do Brasil e do exterior, em parceria com as escritoras Renata Bicalho e Claudia Kalhoefer, são eles: "Antologia da Gratidão” e “Antologia do Bem”. A terceira antologia será lançada ainda este mês. 

Os livros são desenvolvidos no clube da escrita, iniciativa ministrada por Renata Bicalho. Os encontros são realizados mensalmente através do Google Meet e de maneira gratuita. 

A leitura e a infância 

Gabriela Florêncio, 10, idealizou o projeto junto com a mãe, Jesiane. Ela também tem um canal no YouTube chamado Mundo da Gabi e uma página própria no Instagram onde realiza resenhas, contação de histórias, entre outras atividades. 

Gabriela Florêncio. Foto: Melissa Fernandes/ Folha de Pernambuco

“Eu gosto muito de participar dos nossos encontros, de conversar com os leitores sobre os livros que eu conheço, além de indicar livros e falar um pouco sobre as obras que eu gosto também. Eu me sinto muito feliz por poder passar a história de um livro para as pessoas. Eu gosto muito de ler HQs como O Menino Maluquinho e Turma da Mônica”, destacou. 

Apaixonada por livros de ficção científica, Laura Marcela, de 10 anos, é integrante do projeto. Para ela, os livros possibilitam a viagem para outros mundos. 

Laura Marcela. Foto: Melissa Fernandes/ Folha de Pernambuco 

“Eu gosto muito de ler. A leitura me incentiva e faz bem para a nossa criatividade. Mesmo eu estando com raiva, quando eu começo a ler, minha criatividade vai além da conta. A leitura leva você para outros mundos. Qualquer livro me leva para mundos com histórias bem criativas e legais. Gosto muito do projeto e até criei um canal com a minha amiga Emilly, o Amigas da Literatura”, explicou. 

Já Emilly Nicole, 10, participante do projeto, além da leitura, também gosta de escrever. A série de livros Harry Potter é uma das coleções que ela mais gosta. 

Emilly Nicole. Foto: Melissa Fernandes/ Folha de Pernambuco

“Eu gosto do projeto porque tem vários encontros, eu posso escrever e ler várias histórias também. A minha professora Jesiane me ajudou bastante e me recomendou o projeto. Hoje eu faço parte e também tenho um canal em homenagem ao Todos Juntos Pela Leitura. A leitura é bem importante, é bem legal também, quanto mais você lê, mais tem criatividade e imaginação”, relatou Emilly.

Para Viviane Maria, 10, que também participa do projeto, ler não é obrigatório e sim um prazer existente na vida. 

Viviane Marina. Foto: Melissa Fernandes/ Folha de Pernambuco

“O projeto incentiva a leitura até para aqueles que não gostam de ler, que não sentem vontade. E ler não é obrigatório, é uma vontade que você sente. Eu gosto de histórias de princesas, contos de fadas e gosto muito de escrever histórias”, destacou. 

Crianças negras e o empoderamento

“Ninguém pode fazer nós nos sentirmos inferiores sem o nosso consentimento”. Essa é a frase que marca o projeto “Crespas e Cacheadas - As Rainhas”, criado em 2017 por Paula Senna.

Sinônimo de empoderamento de crianças e mulheres negras, a iniciativa tem como objetivo promover a aceitação do cabelo natural através de rodas de conversas. Os encontros acontecem trimestralmente no Monte dos Guararapes, no Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife. 

Atualmente, cerca de 7 crianças fazem parte do projeto. Relatos de racismo, empoderamento e autoaceitação são alguns dos temas abordados durante os encontros. Paula relata que uma das crianças está sofrendo preconceito racial na escola. Com isso, o grupo criou uma rede de apoio para a menina. 

“Estamos agora com uma criança no grupo que está sofrendo racismo no colégio particular que ela estuda por conta do cabelo e da cor. Ela acha que o padrão é ter cabelo liso. Estamos trabalhando na mente dela que nós somos mulheres negras lindas e temos que nos assumir. Não adianta ter cabelo liso e estar no padrão de beleza. É como eu digo, uma negra que não assume suas raízes está com o cabelo emprestado”, destacou Paula Senna, idealizadora do projeto. 

Projeto Crespas e Cacheadas - As Rainhas. Foto: Giovanna Rocha

De acordo com Paula, as mulheres do grupo são inspirações para as crianças que já nascem, infelizmente, em uma sociedade racista.  

“Eu tenho uma sobrinha que se espelha muito em mim. Eu sempre pergunto a ela se ela quer ter o cabelo liso. Ela diz que não, que quer ter o cabelo igual ao meu. Eu acho linda essa iniciativa dela, porque ela poderia dizer que queria ter o cabelo igual da amiguinha que alisa. A gente trabalha muito a cabeça das meninas. Quando eu vejo uma mãe que puxa o cabelo da filha para alisar eu fico revoltada, e falo para deixar o cabelo respirar, deixar a menina mostrar a raízes dela”, disse. 

O poder da argumentação 

A psicóloga infantojuvenil, Monique Leite, reforça que o poder argumentativo e o senso crítico são aspectos essenciais para a criança em todos os âmbitos da vida

“Esse poder argumentativo, esse domínio da narrativa e essa compreensão tanto em relação a si quanto em relação ao outro são completamente imprescindíveis para a criança, para ela se localizar no mundo como um todo. Ela vai precisar disso nas vivências sociais, no dia a dia, na escola, e com a família, como um artefato, inclusive, de autoconhecimento, para poder se expressar melhor, compreender melhor de si mesma e a partir dessa compreensão de si ser uma ferramenta para que elas possam mudar o mundo e serem ativas na sociedade”, disse Monique. 

Psicóloga infantojuvenil, Monique Leite. Foto: Arquivo Pessoal

Para a psicóloga, quatro pontos são fundamentais para incentivar as crianças a adquirirem o senso crítico e desenvolverem a argumentação: constância do diálogo com as crianças já nos primeiros anos de vida; incentivo a buscar soluções não só imediatas e paliativas, mas sim a longo prazo e manter sempre um diálogo com a criança; acesso das crianças a projetos como o “Todos Juntos Pela Leitura” e o “Crespas e Cacheadas - As Rainhas”, que possibilitam que a criança desenvolva questões de habilidades sociais e crie vínculos; e, por fim, acesso a literatura, que é uma aliada para o desenvolvimento das crianças, auxiliando na autonomia e no incentivo ao pensamento crítico. 

A psicóloga e professora do Departamento de Psicologia, Inclusão e Educação do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Sylvia De Chiaro, afirmou que o estímulo à consciência crítica precisa vir desde cedo dentro da rede de ensino, não apenas no momento de preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). 

“Se o estudante não aprende e não exercita desde cedo que tudo aquilo que ele traz de conhecimento prévio vai ser articulado com os novos conhecimentos, não vai ser de repente, lá na frente, que ele vai fazer. Se você não criou um espaço dialógico, um ensino dialógico, se você não é um educador dialógico, se na sua sala de aula o aluno não está acostumado a entender que ele é escutado, que a posição dele sobre os conhecimentos é valorizada, que o conhecimento que é construído em sala de aula é uma relação daquilo que ele traz, o estudante não vai aprender”. 

Psicóloga e professora, Sylvia De Chiaro. Foto: Arquivo Pessoal

De acordo com Sylvia, todo o pensamento do educador e filósofo Paulo Freire está interligado com a argumentação e o pensamento crítico dos estudantes

“Se Paulo Freire é um dos grandes representantes mundiais que defende a consciência crítica, defende que a gente contextualize o conhecimento, tudo isso está totalmente interligado a essa prática pedagógica da argumentação. Eu não preciso fazer um esforço para fazer essa conexão, apesar de não trabalhar a partir da base teórica dele, mas eu vejo uma relação conceitual bem próxima, porque tudo que Paulo Freire defende em relação a educação, a gente vê se concretizando em práticas argumentativas em sala de aula”, acrescentou.

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