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Proposta de custear escola privada com Fundeb favorece cidades ricas

Governo quer liberar recursos para até 15% de matrículas em estabelecimentos sem fins lucrativos

Sala de AulaSala de Aula - Foto: Bruno Campos/Arquivo Folha

A proposta do governo Jair Bolsonaro de ampliar o escopo de escolas privadas sem fins lucrativos, como unidades religiosas, aptas a receber dinheiro do Fundeb pode favorecer cidades mais ricas e drenar recursos de lugares mais pobres.

O efeito seria, portanto, o oposto do esperado com as novas regras do fundo, principal mecanismo de financiamento da educação básica pública, renovado neste ano.

O governo, com apoio de parlamentares da bancada religiosa, quer que escolas privadas sem fins lucrativos de toda educação básica (da creche ao ensino médio) possam receber verbas do Fundeb. Hoje, isso é limitado aos casos em que há falta de vagas: educação infantil e especial e no campo.

Nesse modelo, escolas privadas sem fins lucrativos realizam convênios com as redes públicas e, dessa forma, recebem recursos públicos, inclusive via Fundeb, com base nos alunos atendidos sem cobrar mensalidades. Atualmente, esses convênios no ensino fundamental estão concentrados em cidades mais ricas.

Segundo o Censo Escolar do ano passado, 65% das matrículas da rede conveniada de fundamental estão em cidades com os maiores IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal). Apenas 2% das matrículas ficam nos municípios com os menores índices. Os dados foram tabulados pelo Movimento Todos Pela Educação.

"Não há razão para contemplar o ensino fundamental e ensino médio, etapas em que já há vagas suficientes na rede pública de ensino", diz posicionamento público da entidade. "O efeito seria drenar recursos da rede pública para escolas conveniadas, sem gerar benefício ao esforço de avanço no atendimento escolar."

Ao levar em conta a presença de escolas filantrópicas não conveniadas, que potencialmente poderiam se beneficiar, a concentração é ainda maior: 74% das matrículas estão em cidades com as maiores faixas do IDHM (entre 0,5 e 0,7).

O governo busca essa alteração na lei que vai regulamentar o novo Fundeb, cuja emenda constitucional, promulgada pelo Congresso neste ano, ampliou os recursos. O Fundeb direciona à educação básica recursos de uma cesta de impostos acrescidos de complementação da União.

O novo modelo prevê um salto da complementação da União dos atuais 10% para 23%, de forma escalonada, até 2026. Com um novo sistema de distribuição, esse dinheiro extra deve privilegiar cidades mais pobres.

Escolas confessionais, por exemplo, poderiam ser beneficiadas. Daí a pressão de religiosos, o que encontra ressonância com Bolsonaro e com o ministro da Educação, o pastor Milton Ribeiro –o ministro pouco se envolve no debate, mas disse a interlocutores que apoia a demanda.

O governo propôs um limite de 15% das matrículas privadas só para "vencer a resistência", como consta em documento interno obtido pela reportagem. A Folha questionou os ministérios da Educação, Casa Civil e Economia sobre estudos de impacto, mas não recebeu retorno.

O relator do projeto de lei de regulamentação na Câmara, Felipe Rigoni (PSB-ES), promete apresentar o texto na próxima semana, após o primeiro turno das eleições. A expectativa é votá-lo antes do segundo turno para que depois ele siga para o Senado.

Rigoni tem sido pressionado por parlamentares e pelo governo a contemplar a ideia. Segundo a Folha apurou, o texto deve inicialmente manter as regras atuais, mas auxiliares já preparam texto alternativo para contemplar a pressão: uma saída estudada seria um limite infeiror aos 15% de matrículas propostos pelo governo.

O deputado foi procurado, mas não atendeu a reportagem. O governo aguarda o Congresso, mas, caso não se aprove o texto neste mês, trabalha para editar uma MP (medida provisória) com as novas regras.

"Os recursos da educação são escassos, as demandas são muitas e, por isso, todos os recursos públicos devem ir para a escola pública", diz o deputado Idilvan Alencar (PDT-CE), ex-secretário de Educação do Ceará, estado com resultados de destaque e que não têm conveniamentos.

Os convênios com organizações sem fins lucrativos se tornaram uma das principais saídas para ampliar vagas de creche nos municípios, uma das maiores pressões sobre os prefeitos no campo educacional.

A cidade de São Paulo, por exemplo, tem 305.833 vagas em creches conveniadas (83% da rede na etapa). Por outro lado, avaliações de órgãos de controle já mostraram atendimento precário e, como a Folha tem mostrado, o modelo tem sido palco de uma indústria de irregularidades e desvios.

O IDH municipal é uma medida composta de indicadores de longevidade, educação e renda. Ele varia de 0 a 1 e, quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano.

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