Protesto de aposentados contra Milei amplia desgaste, mas governo da Argentina avança acordo com FMI
Manifestações contra o impacto social do ajuste econômico implementado pela Casa Rosada voltaram a ocorrer na quarta-feira no centro de Buenos Aires
Os aposentados foram na quarta-feira, novamente, as figuras centrais do protesto realizado no centro de Buenos Aires contra o impacto social do ajuste econômico implementado pelo governo do presidente argentino, Javier Milei, no dia em que a Casa Rosada divulgou queda do PIB de 1,7% em 2024.
O resultado ficou abaixo do que se esperava, mas existe preocupação no governo pela evolução de alguns indicadores, entre eles a inflação, que continua entre 2% e 3% ao mês.
Num clima de crescente mau humor social e com Milei, pela primeira vez, sofrendo leves quedas em sua popularidade, a marcha dos aposentados, desta vez muito mais ampla e diversa, coincidiu com uma votação crucial no Congresso, que o chefe de Estado conseguiu vencer: a aprovação de um Decreto de Necessidade de Urgência (DNU) para negociar um novo acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
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Em sua conta no X, Santiago Caputo, estrategista e espécie de eminência parda do governo Milei, assegurou que ontem foi “uma jornada gloriosa para o governo”.
Mas nas ruas do centro portenho, o clima era outro. Diferentemente do que se viveu na semana anterior, a marcha de ontem trouxe duas novidades: do lado do governo, foi implementado um plano de segurança que blindou o Congresso Nacional, separou os manifestantes das forças policiais e evitou confrontos; do lado dos que aderiram à marcha liderada pelos aposentados, o leque de participantes se ampliou de forma expressiva, assim como o número de pessoas nas ruas.
Também saíram para protestar no centro portento sindicatos, moradores de favelas de Buenos Aires e da Grande Buenos Aires, grupos feministas, torcedores de futebol — muitos sem camisetas para evitarem ser considerados barras bravas (os hooligans argentinos) — e diferentes movimentos da sociedade civil, alguns deles vinculados ao peronismo e kirchnerismo.
Em momentos em que pesquisas divulgadas pela imprensa local mostram uma leve queda na popularidade do chefe de Estado argentino — e um aumento do pessimismo social em relação ao rumo da economia — a pressão nas ruas representa um desafio para Milei, que este ano enfrentará seu primeiro grande teste eleitoral: as eleições legislativas de 26 de outubro.
Uma das principais demandas dos aposentados ontem foi a convocação, por parte da Central Geral de Trabalhadores (CGT), de uma nova greve geral — seria a terceira — contra o governo Milei.
— Este ato representa um triunfo enorme diante da repressão de Milei e [Patricia] Bullrich [ministra da Segurança]. As ruas são nossas — disse a aposentada Nora Biaggio, que integra o Plenário de Trabalhadores Aposentados.
A situação dos aposentados argentinos é crítica. Segundo dados oficiais publicados pelo jornal La Nación, entre 2017 e 2024, o número de aposentados argentinos que vivem abaixo da linha da pobreza aumentou 113%. A expressiva deterioração da situação deste setor vulnerável da sociedade argentina começou no governo do ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019), continuou no governo do peronista Alberto Fernández (2019-2013) e se acentuou ainda mais com o ajuste de Milei, o maior em 60 anos no país.
Sem uma liderança e com demandas que vão de aposentadorias dignas, menos ajuste e mais ajuda social, os milhares de argentinos que aderiram ao protesto dos aposentados refletiam em suas conversas e cartazes um clima de pessimismo cada vez maior. Enquanto a marcha acontecia do lado de fora do Congresso, dentro dele a Câmara deu sinal verde ao DNI que abriu o caminho para um novo entendimento entre a Argentina e o FMI. Setores do peronismo, da esquerda e do kirchnerismo tentaram derrubar o DNU de Milei, mas o presidente, com a chamada “oposição dialoguista” (leia-se a oposição que conversa com o partido do presidente, A Liberdade Avança, e apoia várias de suas iniciativas), conseguiu aprová-lo, com 129 votos a favor e 108 contra. O debate foi tenso, e houve bate-boca entre o presidente da Câmara, Adrián Menem, forte aliado de Milei, e deputados opositores.
Sem maioria no Parlamento e dependente de negociações caso a caso, Milei tem apelado cada vez mais a decretos presidenciais para governar. O presidente usou esse recurso até mesmo para nomear membros da Corte Suprema de Justiça, iniciativa que foi questionada por juristas e opositores e ainda corre risco de fracassar. O DNU de Milei foi alvo de uma denúncia na Justiça, e também poderia ser derrubado no Parlamento.
Entre os manifestantes de ontem, o estilo de governar do presidente argentino foi criticado, junto com a situação social e econômica do país. As aposentadas Carmem e Susana, que preferiram não revelar seus nomes completos, comentaram que mesmo com medo decidiram participar da marcha porque “a situação está asfixiante demais”.
— Não é possível que reprimam aposentados. Temos colegas que foram atingidas por balas de borracha da polícia semana passada — contou Susana, que celebrou o apoio recebido pelos torcedores de futebol e, ontem, por outros setores da sociedade civil e da política.
Carmen disse que “até o país começar a olhar para os aposentados, éramos reprimidos todas as semanas”.
— Nos batiam e tentavam impedir nossa marcha com gás pimenta. Hoje nos sentimos mais acompanhados — acrescentou ela.
Enquanto a Casa Rosada insiste em responsabilizar barras bravas pelos episódios de violência da semana passada, na manifestação de ontem não participaram torcidas organizadas, e muito menos violentas. Reapareceram nas ruas portenhas sindicatos historicamente ligados ao peronismo, movimentos feministas e grupos menos organizados, como os moradores de favelas. Ninguém tem muito claro como a pressão social sobre o governo de Milei vai continuar. Mas o que as pesquisas mostram é que a insatisfação da sociedade é cada vez maior. De acordo com enquete da empresa de consultoria Equipo Mide, o pessimismo dos argentinos sobre o futuro atingiu 40% em março, subindo dez pontos percentuais nos últimos quatro meses. No mesmo período, o otimismo caiu de 39% para 29%. Cerca de 49% dos entrevistados disseram estar pior hoje do que antes de Milei assumir o poder, em dezembro de 2023, e 28% afirmaram que a inflação voltará a subir. A imagem positiva de Milei, segundo a pesquisa, caiu de 52% para 45%, nos últimos dois meses.