"Putin aposta que os EUA não conseguirão entregar ajuda à Ucrânia", diz Biden, em apelo ao Congresso
Plano bilionário a Kiev foi barrado pelo Senado, e presidente americano diz, ao lado de Zelensky, que novo fracasso será 'presente de Natal' ao Kremlin
Após uma visita relâmpago do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, a Washington, o líder dos EUA, Joe Biden, reiterou o pedido para que os congressistas americanos aprovem um novo pacote de ajuda a Kiev. Na semana passada, o Senado vetou um texto que previa o envio de US$ 110 bilhões aos ucranianos, algo que, para Biden, apenas faz o jogo da Rússia.
— Putin aposta que os EUA não conseguirão entregar ajuda à Ucrânia. Nós precisamos, nós devemos, provar que ele está errado — disse Biden, ao lado de Zelensky, em entrevista coletiva na Casa Branca, antes de lançar uma indireta a republicanos que por vezes são citados, de forma elogiosa, na imprensa russa. — Se você está sendo celebrado por propagandistas russos, é melhor repensar o que você está fazendo.
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Na entrevista, Zelensky usou o argumento de que os ucranianos estão combatendo não apenas pela própria segurança, mas também pela segurança de outras nações. Uma "luta pela liberdade", como ele destacou, ao listar avanços militares realizados nos últimos meses, além de reformas adotadas na administração ucraniana — o alto nível de corrupção e ineficiência no Estado é um ponto há décadas criticado pelos europeus, e que vinha barrando avanços no acesso do país à União Europeia, mesmo antes da guerra.
— Graças aos sucessos da Ucrânia, outras nações europeias estão a salvo da agressão russa, ao contrário do passado — disse Zelensky. — Enquanto a libertade estiver forte em um país, ela estará forte em todos os demais. Nós ficaremos firmes, não importa o quanto Putin tente. Ele não conseguiu nenhuma vitória.
Fator eleitoral
Antes das palavras afáveis de Biden, que disse que "a Ucrânia pode vencer", Zelensky teve um encontro um pouco menos proveitoso com representantes do Congresso. Na semana passada, o Senado vetou um novo pacote para Kiev, que previa, dentre outros tópicos, um novo aporte militar de US$ 46 bilhões (R$ 228,43 bilhões), incluindo munições, projéteis, mísseis, veículos e treinamento. Sem esse dinheiro, o Pentágono afirmou que a verba para apoiar os ucranianos pode acabar antes do fim do ano.
O fracasso contou com desavenças na base governista, ligadas à ajuda a Israel, também prevista no pacote, e com a pressão republicana para que o plano incluísse mais verbas para o controle das fronteiras dos EUA, já pensando nas eleições do ano que vem.
Em entrevista à CNN, Mike Johnson, presidente da Câmara e aliado do ex-presidente Donald Trump, disse que o encontro com Zelensky foi "bom", mas que ele deixou claro que, para ele, os EUA deveriam cuidar primeiro de assuntos internos e depois da ajuda externa.
— Desde o início, quando recebi a função, [disse que] precisamos de clareza sobre o que estamos fazendo na Ucrânia, e como ter uma fiscalização própria sobre como o precioso dinheiro dos contribuintes está sendo gasto, e como nós precisamos de uma mudança transformadora na fronteira. Não fizemos nenhum dos dois — disse Johnson. — A primeira condição para qualquer gasto suplementar de segurança é colocar nossa segurança em primeiro lugar.
Biden quer aprovar o plano antes do final do ano, e nos bastidores o presidente sinaliza que poderá fazer concessões, incluindo mudanças nas políticas de fronteira, vistas pela oposição como "frágeis".
— O Congresso precisa aprovar o financiamento suplementar à Ucrânia antes que saiam para o recesso de fim de ano, antes de dar a [Vladimir] Putin [presidente da Rússia] o melhor presente de Natal que ele poderia receber — disse no Salão Oval, ao lado de Zelensky.
Ao comentar a visita de Zelensky, o secretário de Imprensa do Kremlin, Dmitri Peskov, afirmou que qualquer nova ajuda dos EUA à Ucrânia seria um "fiasco".
— As dezenas de bilhões de dólares injetados na Ucrânia não a ajudaram a ter sucesso no campo de batalha — declarou. — E as dezenas de bilhões de dólares adicionais que a Ucrânia espera receber estarão condenadas ao mesmo fiasco
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O começo do processo eleitoral, com Trump no comando do Partido Republicano, também não traz sinais positivos para Zelensky. O ex-presidente já questionou o que considera ser falta de transparência no repasse dos recursos — algo que políticos na Europa, de várias posições ideológicas, fizeram —, não quis se comprometer com a continuidade da ajuda e afirmou que, se estivesse no cargo, "a guerra acabaria em 24 horas".
Outro temor relacionado a Trump está em seu plano de governo. No capítulo chamado "Evitando a Terceira Guerra Mundial", ele diz que "temos que finalizar o processo que iniciamos em minha administração para fundamentalmente reavaliar o propósito da Otan e a missão da Otan". No passado, Trump disse considerar a aliança "injusta" com os EUA, e demandou que os demais membros elevassem suas contribuições. Agora, diplomatas europeus e representantes do governo ucraniano especulam que o ex-presidente, caso volte à Casa Branca, contemple deixar a aliança.
Guerra de trincheiras
A dificuldade em obter financiamento externo, não apenas nos EUA, mas entre os parceiros europeus, acontece em um momento crítico da guerra. Os combates estão cada vez mais sangrentos e com resultados menos claros. As batalhas de Adviivka e Bakhmut, ambas em Donetsk (Leste), se estendem por meses, e estimativas apontam para dezenas de milhares de mortos dos dois lados, com avanços diários de apenas alguns metros. Para especialistas, um cenário que se assemelha ao da Primeira Guerra Mundial, quando as batalhas eram travadas ao longo de trincheiras.
A iminência do inverno traz o temor de novos bombardeios russos contra infraestruturas cruciais, como usinas de energia e centrais de tratamento de água. Em novembro do ano passado, o prefeito de Kiev, Vitali Klitschko, disse que a população poderia ser obrigada a sair de casa rumo a outras regiões caso a ciidade ficasse sem água e luz, como acontecia de maneira recorrente por causa dos mísseis.
Segundo informações de inteligência, os russos estariam se preparando para uma nova campanha de ataques aéreos, contando com armas e drones fornecidos por parceiros como o Irã e a Coreia do Norte. O fornecimento de novos sistemas de defesa, aliados ao treinamento adequado, poderia fazer a diferença neste momento.
Por outro lado, o inverno dará aos generais tempo para reorganizar suas estratégias de guerra. A aguardada contraofensiva contra os russos não obteve os resultados esperados, apesar de sucessos em ataques contra posições militares na Crimeia e na retomada de algumas áreas no Sul. Mas as linhas de defesa da Rússia se mostraram resilientes, e demandarão planos mais ousados se os ucranianos quiserem quebrá-las.
Assim como na Rússia, onde um relatório da inteligência dos EUA apontou que 87% das tropas do país foram perdidas na Ucrânia, seja por morte ou por ferimentos, Kiev precisa pensar em como recuperar seu Exército. Apesar do fluxo constante de armas, veículos e equipamentos, muitos deles não podem ser usados por falta de pessoal apto. Os centros de alistamento, lotados no início da guerra, estão às moscas, enquanto os relatos de homens em idade militar — 18 a 60 anos — que fogem do país para não lutar se acumulam. Entre os que ficaram, a média etária supera os 43 anos. No começo da guerra, era de 35 anos.
Há ainda a necessidade de apoio financeiro. Segundo o FMI, a economia local deve crescer 2% em 2023, depois de uma queda de 29,1% em 2022. Dentro do pacote rejeitado pelo Senado dos EUA havia uma provisão de US$ 15 bilhões (R$ 74,49 bilhões) em ajuda financeira e humanitária. A União Europeia discute um plano de € 50 bilhões (R$ 267,97 bilhões), que permitiria a Kiev se manter solvente pelo menos até 2027, mas a Hungria tem sugerido que pode barrar a proposta. Uma estimativa recente do Banco Mundial revelou que a reconstrução da Ucrânia poderia custar US$ 411 bilhões, equivalente a mais de R$ 2 trilhões.