Qual a hora de acabar com as máscaras? Para especialistas, não é agora
Inúmeras evidências científicas comprovam a eficiência das máscaras em conter de maneira significativa a transmissão do coronavírus
O uso das máscaras para proteção contra a Covid-19 continua sendo, por ora, uma arma importante no combate à pandemia segundo especialistas. Mas isso não significa que não seja possível – e até plausível –discutir parâmetros para a sua remoção.
Ao assumir o Ministério da Saúde, em março, Marcelo Queiroga, afirmou que a obrigatoriedade das máscaras seria mantida. Já em junho, ele encomendou um estudo para avaliar desobrigar seu uso, com conclusão prevista para outubro.
Desde então, o ministro já se posicionou diversas vezes contra a obrigatoriedade das máscaras, embora inúmeras evidências científicas hoje comprovem como a proteção – em especial as do tipo PFF2 – são eficazes em conter de maneira significativa a transmissão do coronavírus.
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Diante da possibilidade de uma mudança da exigência de proteção facial em espaços abertos pelo governo federal, os especialistas ouvidos pela Folha afirmam que é, sim, adequado fazer estudos e montar comitês científicos para definir quando e como o equipamento será flexibilizado, mas o momento é de cautela.
"O problema é a definição de 'ambiente ao ar livre'. Um ponto de ônibus é um ambiente ao ar livre, mas as pessoas com frequência se aglomeram nesses espaços. Isso torna o lugar seguro? Não, não é bem assim", explica a infectologista, consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia e professora da Unicamp Raquel Stucchi.
Para ela, o mais difícil – convencer a população a usar a proteção facial – já foi conquistado, e é melhor manter essa orientação. "O fato de os municípios terem decretado a obrigatoriedade do uso de máscaras, considerando que ainda hoje nem todos usem máscaras de boa qualidade – embora qualquer máscara seja melhor do que nenhuma – retirar agora seria jogar contra. O ideal seria reforçar daqui até o começo do próximo ano o uso de máscaras mais adequadas, com melhor poder de filtração", afirma.
O mesmo raciocínio é defendido pela pneumologista e pesquisadora da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), Margareth Dalcolmo. "Eu considero essa discussão extemporânea. A prioridade agora é fazer com que as pessoas que tomaram a primeira dose da vacina retornem para a segunda dose e aqueles que são elegíveis para uma dose de reforço o façam. Além disso, manter o uso de máscaras adequadas. Qualquer discussão que tire foco de um hábito extremamente útil, saudável, desejável e recomendável em uma virose respiratória que é usar máscaras de boa qualidade é uma perda de energia", afirma.
Dentre alguns dos critérios que devem ser levados em consideração tanto pelo governo federal quanto por autoridades estaduais que queiram revogar a lei está o avanço na vacinação. O país completou na última quarta-feira (20) 50% da população com esquema vacinal completo.
Com essa medida em mente, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), afirmou que o município pode desobrigar o uso de máscaras, inclusive em locais fechados, quando alcançar 75% da população vacinada. Mas para os especialistas, mesmo uma cobertura vacinal elevada não deve ser o único fator a ser levado em consideração.
Dalcolmo reforça que os parâmetros para uma eventual remoção das máscaras, além da cobertura vacinal completa de ao menos 80% da população, é a taxa de transmissão do vírus (também chamada de R0 ou Rt) abaixo de 1.
Esse número indica para quantas pessoas alguém que está contaminado transmite o vírus. Se ele é de 2, por exemplo, isso significa que cada indivíduo com Covid-19 passa a doença para mais dois.
Assim, para a pandemia estar controlada, o número precisa estar abaixo de 1 –para os especialistas, o ideal é liberar as máscaras quando o Rt estiver próximo de 0,5. Outros indicadores também devem ser levados em conta, como a manutenção de um patamar baixo e sustentado de hospitalizações e mortes por Covid-19.
Isso não significa, diz a médica, que em locais abertos e com distanciamento, como praias e parques, a máscara não possa ser removida. "Mas isso já é defendido pela comunidade médica e científica há meses. Não precisa de lei ou portaria para dizer que uma pessoa sozinha caminhando à beira-mar pode estar sem máscara. O que precisamos é de um discurso coerente, homogêneo, entre a comunidade acadêmica, a imprensa, as autoridades sanitárias e o Executivo."
Além dos índices mais técnicos, por assim dizer, de controle da pandemia, há também o bom senso, explica o infectologista Jamal Suleiman, do Instituto de Infectologia Emilio Ribas. "Em espaços abertos não aglomeráveis é perfeitamente possível estar sem máscara. Agora, o que são esses espaços, como saber, aí vai da avaliação do risco individual. Não é que nunca chegaremos no momento de retirar as máscaras, apenas que em outubro de 2021, essa discussão ainda não condiz", afirma.
Suleiman, no entanto, reforça que se há o interesse do governo em avaliar quando essa retirada será possível é preciso apresentar de maneira transparente para toda a sociedade quais os parâmetros usados para definir essa regra. "Os parâmetros a serem avaliados são redução do R0, cobertura vacinal, leitos hospitalares com baixa ocupação, mortalidade baixa, testagem de casos-índice? Esses dados todos têm que ser levantados. Feito isso, o caminho, eventualmente, será mesmo tirar as máscaras. Agora quando esses dados estiverem disponíveis a autoridade sanitária precisa torná-los públicos", lembra.
E há um consenso de que quando essa flexibilização começar ela deve ter início, preferencialmente, nos espaços públicos abertos, e não em espaços fechados, afirma o pediatra e diretor da Sociedade Brasileira para Imunização, Renato Kfouri. Foi isso que fizeram países como Alemanha, Reino Unido e Portugal, que na última semana, determinou o fim da obrigatoriedade de máscaras nas ruas.
"Ao meu ver, o uso das máscaras em lojas, comércio, bares e restaurantes deve ser uma das últimas flexibilizações a ser feita. Por dois motivos, você não está beneficiando um setor que foi fortemente impactado com a pandemia ao abolir as máscaras, como foi a decisão de reabrir o comércio [para recuperar a economia], e obviamente dispensar o uso da máscara traz automaticamente a possibilidade de aumento de circulação do vírus", diz Kfouri.
A determinação de quando será possível flexibilizar o uso, portanto, deve ser feita por um comitê técnico, como pretende o governo de São Paulo, explica o médico. "Não é possível dizer 'quando atingirmos tantos por cento dá para tirar as máscaras. É necessário definir critérios, monitorar, e exigir que esses critérios sejam seguidos para a retirada das máscaras", conclui.