Que fim levou: de crise dos transplantes a ato de heroísmo, veja o que marcou o ano no Rio
Ano de 2024 teve ainda vazamento misterioso e condomínio do tráfico demolido
Listar os fatos mais relevantes ocorridos ao longo de um ano, no Rio, não é tarefa fácil. Como ensina a frase popularizada nas redes sociais, essa terra “não é para amadores”. Longe de ser exaustivo, o rol abaixo é apenas uma forma de relembrar e acompanhar algumas das notícias mais impactantes de 2024.
Logo nos primeiros dois meses do ano, 20 pessoas morreram por causa das chuvas. No temporal de fevereiro, em meio à tragédia, a coragem de um jovem para resgatar uma mãe e suas duas filhas emocionou o Brasil.
Leia também
• Prefeitura de Estreito decreta emergência por queda de ponte
• Morre aos 89 anos Geraldo Quintão, ex-ministro de Itamar Franco e FH
• Lula sanciona com vetos projeto que muda regras para BPC
Em abril, dois milhões de pessoas ficaram sem água por causa do vazamento de um produto químico, o tolueno, em rios que deságuam na Baía de Guanabara. Em agosto, foi revelada a existência de um Condomínio do Tráfico na Maré.
Em outubro, o impensável: erros em exames permitiram que pessoas na fila do transplante recebessem órgãos infectados com HIV. Por fim, este mês um dos mais poderosos milicianos da cidade completou um ano preso. ]
Zinho se entregou na noite de Natal do ano passado. Seus territórios, no entanto, seguem sob o jugo de paramilitares, num cenário em que facções do tráfico também impõem guerras por território no estado.
Tolueno
A contaminação do manancial do Sistema Imunana-Laranjal com tolueno, identificada em abril deste ano, afetou diretamente o fornecimento de água para cerca de 2 milhões de consumidores em Niterói, São Gonçalo, Maricá (distritos de Inoã e Itaipuaçu), Itaboraí e da Ilha de Paquetá, na capital. Passados oito meses do caso, as causas e a origem do vazamento permanecem um mistério.
A possibilidade de o tolueno estar impregnado no solo da região e os possíveis impactos a longo prazo seguem sendo fonte de preocupação.
— A contaminação pode ser mais grave do que se imagina. Acreditamos que o tolueno ainda está presente na área — diz Alexandre Anderson, presidente da Associação Homens e Mulheres do Mar da Baía de Guanabara (Ahomar).
Um grupo de trabalho monitorara a questão, mas, até o momento, segundo ele, as informações oficiais sobre a contaminação são limitadas.
A Cedae relatou que tomou medidas imediatas assim que o tolueno foi identificado no manancial. O Instituto Estadual do Ambiente (Inea) monitora a qualidade da água e realiza análises em diversos pontos da região. A investigação sobre a origem do vazamento é conduzida pela Polícia Civil, que abriu um inquérito para identificar os responsáveis.
Anjo e herói
Na noite de 21 de fevereiro, durante uma forte chuva que atingiu Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, o carro onde estavam a enfermeira Berlandia Mendes e suas filhas gêmeas, Brenda e Beatriz, de 1 ano e 7 meses, respectivamente, estava prestes a ser arrastado pela enxurrada. A bordo de um ônibus parado ao lado do veículo, Marcos Vinícius de Souza Vasconcelos, de 20 anos, não pensou duas vezes: pendurado na porta do coletivo, colocou a própria vida em risco para resgatar a família.
Registrado em vídeo, o ato de Marcos Vinícius logo ganhou as redes sociais. Chamado de anjo e herói, o rapaz tem hoje o sonho de se tornar bombeiro. Ele também planeja usar o reconhecimento que ganhou para ajudar outras pessoas e revelou que pretende dar início a projetos sociais em 2025:
— Ano que vem, vou começar alguns projetos sociais. Um vizinho meu tem um filho especial cuja cadeira de rodas não é elétrica. Quero usar minha influência para criar uma vaquinha e ajudá-lo.
Apesar de todo o reconhecimento, ele encara a situação com humildade:
— Eu só fiz o que achava que era certo. Não sei se isso me torna um herói, mas fico feliz de ter ajudado.
Transplantes
Em outubro, o Programa de Transplantes do Rio viveu uma crise sem precedentes. Pela primeira vez no país, foi confirmado que seis pacientes foram transplantados com órgãos infectados com HIV. No centro do escândalo esteve o laboratório PCS Lab Saleme, em Nova Iguaçu, que tem como sócios parentes do ex-secretário estadual de Saúde e deputado federal Dr. Luizinho (PP), que sempre negou envolvimento com a empresa.
Seis pessoas foram denunciadas e presas pelo erro nos exames que permitiram as cirurgias. Os acusados receberam um habeas corpus em dezembro e responderão ao processo em liberdade.
Segundo as investigações, o problema aconteceu porque os sócios do laboratório queriam economizar no controle de qualidade — versão dita em depoimento pelos funcionários também acusados dos crimes. O PCS sempre negou essa versão. Os donos da empresa alegaram primeiro que a culpa era, na verdade, dos funcionários. Meses depois, O Globo revelou que a defesa mudou a versão e disse à Secretaria de Saúde que os erros podem ter sido fruto da “janela imunológica” da infecção nos doadores e que falhas em apenas dois exames dentre 300 feitos para a Central de Transplantes em um ano estão “dentro do limite da aceitabilidade”.
Investigações do Ministério Público e sindicâncias da Secretaria estadual de Saúde e do Ministério da Saúde apuram ainda se houve irregularidades e favorecimento na contratação do laboratório.
Após batida, motociclista cai da Ponte Rio-Niterói e morre a caminho do hospital; vídeo
40 prédios
O conjunto de prédios no Parque União, no Complexo da Maré, que ficou conhecido como “Condomínio do Tráfico”, continua sendo investigado pela Polícia Civil, apesar de as demolições terem sido interrompidas. A suspeita é de que os edifícios tenham sido construídos com recursos do Comando Vermelho, como parte de um esquema de lavagem de dinheiro.
Chamado oficialmente de Condomínio Novo Horizonte, o local possuía 40 prédios de até seis andares. As demolições, feitas manualmente por agentes da Secretaria municipal de Ordem Pública (Seop), aconteceram majoritariamente em agosto, quando 15 operações policiais foram realizadas como suporte à medida.
Um balanço divulgado pela prefeitura afirma que 32 prédios (num total de 160 apartamentos) haviam sido “descaracterizados” até o início de setembro. Foram identificadas 30 famílias residindo no local. Segundo a Seop, elas foram removidas e recebem auxílio da Secretaria municipal de Assistência Social.
Durante as operações, nove mil alunos ficaram sem aulas na Maré por risco de confronto. Esse seria um dos motivos da interrupção das demolições. Outro fator seria o pedido de entidades para a adaptação do condomínio a um programa habitacional. Apesar de não haver posição formal, fontes ouvidas pelo Globo apontam que o MPF busca atender a essa demanda.
Zinho preso
Um ano após se entregar à Polícia Federal, na sede da corporação, no Centro do Rio, na noite de 24 de dezembro de 2023, Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho, tido como chefe da maior milícia da Zona Oeste, passa a maior parte do tempo em uma cela individual lendo a Bíblia e livros evangélicos e, vez por outra, canta músicas de louvores. A informação é da defesa do paramilitar, ouvida pelo Globo no último dia 20. Na ocasião, a advogada de Zinho negou que seu cliente tenha feito delação premiada ou qualquer tipo de acordo judicial.
Ela confirmou que Zinho foi transferido no dia 17 de outubro do Presídio Federal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, para a Penitenciária Federal de Brasília.
Considerado um detento de alta periculosidade, Zinho está sob o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) e pode permanecer assim por até mais um ano, caso não haja novas decisões judiciais. Com isso, não tem direito a visitas íntimas, mas pode receber parentes cadastrados. Tudo é gravado e monitorado por áudio e vídeo.
De acordo com investigações da Polícia Civil, o comando dos negócios ilegais de Zinho foi dividido. Os suspeitos de terem herdado as áreas são: Paulo David Guimarães Ferraz da Silva, o Naval (Santa Cruz), um miliciano conhecido como Boi (Cesarão e Curral Falso) e outros dois, com os apelidos Borracheiro e Velho (Pedra de Guaratiba e Nova Sepetiba).