Queiroga pedirá que comissão revise trecho de protocolo que veta 'kit Covid' no SUS
Ministro da Saúde pede reformulação diretrizes aprovadas pela Conitec com o argumento de que há novos medicamentos aprovados para o tratamento da doença
Quatro meses depois de a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias ao Sistema Único de Saúde (Conitec) aprovar relatório que contraindica o uso do chamado "kit Covid" na rede pública de saúde, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, decidiu pedir mudanças no texto. O ministro vai indicar a necessidade de reformulação da parte que fala sobre tratamento inicial de pacientes sob argumento de que o trecho "perdeu objeto", já que surgiram novos medicamentos para combater a doença.
Leia também
• Covid-19: mortes sobem para 661,6 mil e casos para 30,21 milhões
• Mercado de Água Fria recebe vacinação contra Covid-19 nesta quinta-feira (14)
• Embarque para Fernando de Noronha não mais exigirá teste negativo para Covid-19
Na avaliação de Queiroga, é preciso incluir no rol de medicamentos abordados no protocolo remédios como o baricitinibe, incorporado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na semana passada. O ministro, porém, manterá outros trechos do documento, acolhendo em parte o recurso dos médicos que elaboraram as diretrizes. A decisão está prevista para ser publicada no Diário Oficial da União desta quinta-feira.
O argumento de Queiroga para pedir a reformulação sobre o tratamento na fase inicial é de que o arcabouço técnico do capítulo que trata sobre o tema ficou prejudicado após o surgimento de novas drogas aprovadas pelas agências regulatórias. Além disso, há o entendimento de que o protocolo deve ser ativo no sentido de recomendar as boas práticas e não de fazer contraindicações.
Com essa saída, o ministro da Saúde evitar tomar uma medida direta que contraria o discurso do presidente Jair Bolsonaro e aliados, a favor de medicamentos comprovadamente ineficazes contra a Covid, como a hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina.
A questão chegou a Queiroga depois que o então secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos (Sctie), Hélio Angotti, rejeitou o documento "Diretrizes Brasileiras para o Tratamento Medicamentoso Ambulatorial e Hospitalar do Paciente com Covid-19", aprovado pela Conitec em dezembro.
Em nota técnica para sustentar sua decisão de rejeitar o protocolo, divulgada em janeiro, Angotti argumentou que vacinas contra a Covid-19 não tinham efetividade nem segurança demonstradas, mas que a hidroxicloroquina sim. A afirmação contraria estudos sobre o tema e a posição da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Após a ampla repercussão, como O GLOBO revelou, Angotti recuou e suprimiu de seu documento a tabela que estabelecia a comparação.
Após a posição de Angotti, os pesquisadores responsáveis por elaborar o parecer, liderados pelo médico da USP Carlos Carvalho, entraram com um recurso pedindo ao ministro que revogasse a decisão do secretário e aprovasse o documento. Carvalho foi convidado pelo próprio Queiroga para elaborar as diretrizes. No dia 4 de fevereiro, o pesquisador entrou com o recurso. Desde então, o ministro analisava qual medida seria tomada.
A eventual adoção do protocolo pelo Ministério da Saúde gerava preocupação no governo uma vez que o texto contraindicava o uso de medicamentos do "Kit Covid", como a hidroxicloroquina, amplamente divulgados pelo presidente Jair Bolsonaro. Na época da apreciação do documento pela Conitec, o governo chegou a agir para atrasar sua votação.
A rejeição ao protocolo pelo secretário do Ministério gerou reação na classe médica. Na época, em entrevista ao GLOBO, o presidente da Associação Médica Brasileira (AMB ), César Eduardo Fernandes, fez crítica contundente à posição de Angotti:
— Em março de 2020, esse documento poderia ser aceito e fazer sentido. Não havia nenhum tratamento disponível para Covid-19 e ainda não havia evidências se os medicamentos do "kit Covid" funcionavam. Hoje o cenário é muito diferente. É absurdo insistir nisso. Essa discussão continua só no Brasil e é até motivo de chacota em outros países. — disse Fernandes.