Reconhecimento facial entra na guerra na Ucrânia
Kiev usa os dados obtidos no processo para localizar e notificar os parentes dos mortos
A Ucrânia usa tecnologia de reconhecimento facial para identificar soldados russos mortos durante a invasão de seu território, em uma aplicação complexa e inovadora de um programa considerado problemático, segundo especialistas.
Kiev usa os dados obtidos no processo para localizar e notificar os parentes dos mortos, em um ato que visa, segundo a Ucrânia, passar pelo filtro russo da informação.
Embora esse tipo de inteligência artificial possa oferecer a conclusão negada pela guerra ou pelo sigilo do Kremlin, o potencial de erro é considerável e tem consequências.
"Se você é um parente russo informado de que seu filho morreu quando isso não é verdade, isso leva a um complexo dilema ético", diz Jim Hendler, diretor do Instituto de Exploração e Aplicativos de Dados do Instituto Politécnico Rensselaer, no estado de Nova York.
A empresa americana Clearview AI, regularmente criticada por defensores da privacidade, diz que oferece às autoridades ucranianas acesso gratuito ao seu serviço que combina imagens da internet com fotos enviadas por usuários que tentam identificar alguém.
"As autoridades ucranianas que receberam acesso ao Clearview AI expressaram sua empolgação e esperamos ouvir mais", disse Hoan Ton-That, CEO e fundador da empresa, em comunicado.
O vice-primeiro-ministro ucraniano, Mykhailo Fedorov, escreveu nesta sexta-feira que o país está usando "inteligência artificial" para buscar nas redes sociais perfis de soldados russos por meio de imagens de seus corpos e, em seguida, relatar suas mortes a suas famílias.
Ele acrescentou que um dos propósitos é "dissipar o mito de uma 'operação especial'", referindo-se à insistente definição de Moscou para a guerra.
As autoridades ucranianas não responderam aos pedidos da AFP por informações sobre a declaração de Fedorov.
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Problemas conhecidos
O balanço mais recente divulgado pelo Kremlin indicava apenas 500 soldados mortos, mas o número não é atualizado há semanas e a Otan calcula que o conflito pode ter deixado até 40.000 soldados russos mortos, feridos, desaparecidos ou fora de ação.
Notícias sobre a morte de soldados e seus funerais foram publicadas na imprensa russa, indicando que os oficiais informaram às famílias pouco mais do que o local onde s militares faleceram.
O reconhecimento facial irrompe na guerra como uma tecnologia que enfrenta questões significativas, desde a invasão de privacidade das pessoas até críticas à identificação errônea de pessoas negras.
Especialistas apontam que o reconhecimento facial pode ser particularmente problemático quando usado em mortos, especialmente porque as pessoas parecem muito diferentes depois que sofrem ferimentos de guerra na comparação com suas fotos de casamento bem iluminadas e sorridentes, por exemplo.
"Um dos problemas mais conhecidos com a tecnologia de reconhecimento facial é que ela não é perfeita e cometerá erros que, em alguns casos, podem mudar vidas", diz Eric Goldman, codiretor do Instituto de Direito de Alta Tecnologia da Faculdade de Direito da Universidade de Santa Clara.
No entanto, acrescenta que, muito depois das guerras, há famílias que não sabem o que aconteceu com seus entes queridos que foram lutar e nunca mais voltaram, observando a utilidade potencial da tecnologia nesses casos.
"Podemos imaginar circunstâncias em que a capacidade de reduzir o número de pessoas desaparecidas em ação seria realmente útil", afirma, observando que o reconhecimento facial não é necessariamente a solução.
Em uma carta que oferece seus serviços às autoridades ucranianas, a Clearview, criada com imagens de páginas públicas da web e se promovendo como uma ferramenta de aplicação da lei, argumentou que poderia ser realmente útil.
A empresa, que foi multada em US$ 22 milhões pelo uso de seu programa na Itália este mês, assegurou que seu banco de dados inclui cerca de 2 bilhões de imagens do VK, o equivalente russo do Facebook, e pode ajudar a identificar os mortos sem a necessidade de informações como impressões digitais.
Quanto à capacidade de identificar com precisão os mortos, a Clearview afirmou trabalhar "de forma eficaz, independente dos danos faciais que possam ter ocorrido", mas a AFP não conseguiu verificar essa afirmação de forma independente.