Cidades reduzem prazo da 2ª dose da AstraZeneca para conter variante; Fiocruz e MS mantêm 90 dias
Na corrida contra a disseminação da variante delta do Sars-CoV-2, originária da Índia e de maior potencial de transmissão e para escapar da proteção das vacinas, Pernambuco e cidades de ao menos outros quatro estados do Brasil anunciaram, nesta semana, a redução do prazo de aplicação da segunda dose da vacina da AstraZeneca/Fiocruz contra a Covid-19.
Em Pernambuco e no Ceará, o intervalo foi reduzido de 90 para 60 dias. Já no Acre, a mudança foi para 45 dias. No Espírito Santo e no Piauí, o prazo caiu para 70 dias. Após afirmar que a variante delta circula no estado, São Paulo anunciou que considera também diminuir a janela de 90 dias.
Todos os intervalos agora orientados pelos estados citados são previstos na bula do imunizante produzido no Brasil pela Fiocruz. Segundo o documento, “a segunda injeção pode ser administrada entre 4 e 12 semanas após a primeira".
Estudos divulgados pela AstraZeneca indicam que, após a primeira dose, a proteção parcial contra o coronavírus chega a até 76%. A dose de reforço eleva esse percentual a 82%.
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Além do imunizante da AstraZeneca, o País aplica a vacina da Pfizer em um intervalo de 90 dias, mas com previsão em bula de até mesmo 21 dias. A fabricante sugeriu a aplicação de uma terceira dose em meio à preocupação mundial com a variante delta. A CoronaVac tem prazo de até 28 dias e a da Janssen é de dose única.
Os estados adotaram a redução mesmo sem orientação do Governo Federal, uma vez que o intervalo preconizado atualmente pelo Plano Nacional de Imunização (PNI) do Ministério da Saúde para a vacina da Fiocruz é de 90 dias.
Em nota enviada à reportagem, a pasta chefiada pelo ministro Marcelo Queiroga informou que chegou a discutir a redução no intervalo recomendado, mas preferiu manter os 90 dias, ainda seguidos no País.
“O tema foi discutido amplamente na Câmara Técnica Assessora em Imunizações, em reunião realizada no dia 2 de julho deste ano. O parecer foi de manutenção deste intervalo [90 dias]”, informou o Ministério da Saúde, que ressaltou que “acompanha a evolução das diferentes variantes do Sars-CoV-2 no território nacional”.
Diante da possibilidade da transmissão das novas cepas, a pasta alegou estar atenta a essa possibilidade de alterações no intervalo recomendado entre doses das vacinas contra a Covid-19 em uso no Brasil.
“A pasta reforça que tem orientado estados, municípios e Distrito Federal sobre todas as ações necessárias, como intensificar o sequenciamento genômico das amostras positivas para a Covid-19 e a vigilância laboratorial, rastreamento de contatos, isolamento de casos suspeitos e confirmados, notificação imediata e medidas de prevenção em áreas de suspeita de circulação de variantes”, disse o ministério.
Por fim, o Ministério da Saúde lembra que é importante completar o esquema vacinal da Covid-19 para que o caráter pandêmico da doença seja superado. Mais de 81 milhões de brasileiros receberam ao menos uma dose contra o coronavírus - a segunda foi aplicada em 29 milhões, quase 14% da população.
Estudo divulgado pela Fiocruz indica que a variante pode causar mais reinfecções. A Fundação alegou que “ainda não tem um posicionamento sobre o assunto” e, em material de perguntas e respostas sobre a Covid-19 em seu site, destaca que “a recomendação da nossa vacina é de duas doses com esse intervalo [três meses] entre elas”.
A representação da AstraZeneca no Brasil não retornou o contato da reportagem.
O último balanço da Organização Mundial de Saúde (OMS), divulgado na semana passada, indica que a cepa delta está presente em ao menos 98 países e territórios e é predominante em alguns lugares, a exemplo de Portugal.
As informações já disponíveis sobre a variante delta indicam uma transmissibilidade acentuada, podendo ser até 40% a 60% maior do que a versão original do Sars-CoV-2.
Isso acontece por conta de uma mutação na proteína Spike, responsável por ligar o vírus à célula humana. Essa mutação, a L452R, é parecida com a E484K, presente na variante P.1 (Gamma, oriunda no Amazonas), que se espalhou pelo Brasil e tem se tornado predominante nos ambientes onde chega, justamente pela alta transmissibilidade. No entanto, a mutação da delta faz dela ainda mais transmissível.
O que dizem especialistas
Para a infectologista Millena Pinheiro, a alteração no intervalo da AstraZeneca é uma medida benéfica para acelerar a proteção da população. Segundo ela, a mudança poderia também ser aplicada no imunizante da Pfizer, um dos que estão sendo usados no País.
“Como existe uma possibilidade de as variantes chegarem aqui, o importante é que a população esteja mais rapidamente vacinada com as duas doses, quando se tem a maior efetividade. Já foi citado que a maioria das vacinas protegem pelo menos parcialmente contra a variante delta, que estamos vendo que está causando aumento de casos na Europa, nos Estados Unidos e algumas regiões em que está entrando”, explicou a infectologista.
Em relação a uma possível falta de doses para a população com a aceleração da dose de reforço, Millena defende que o atual cenário de vacinação no País não demonstra que a redução do prazo seja uma decisão ruim.
“Não vejo mais o quantitativo como um problema. Você tem que proteger a população que já está vacinada com as duas doses para aumentar a quantidade de pessoas vacinadas. Não adianta a gente vacinar com a primeira dose e não estar completamente protegido”, acrescentou a médica.
Por outro lado, o infectologista e diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) Renato Kfouri defende que é mais vantajoso vacinar mais pessoas do que acelerar as segundas doses.
“Se você está antecipando o final de algumas, está atrasando o começo de outras. Não há evidência de que mudando o tempo melhora a performance contra a variante delta. Hoje, o uso de um intervalo maior entre primeira e segunda doses tem o intuito de, nesses intervalos, vacinar o maior número de pessoas”, disse.
Estudo publicado na revista científica Nature, nessa quinta-feira (8), indica que a variante delta é parcialmente resistente a alguns tipos de anticorpos. No entanto, diz o artigo assinado por cientistas do Instituto Pasteur e do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França (CNRS, na sigla em francês), duas doses da vacina da AstraZeneca ou da Pfizer são capazes para neutralizar a cepa.
Cenário em Pernambuco
O Estado de Pernambuco tem 16,85% da população adulta de 7,2 milhões de habitantes com a cobertura vacinal completa - segundas doses ou a vacina de dose única, de acordo com os dados da SES-PE de quinta-feira (8).
Ao todo, 1.217.536 pernambucanos completaram seus esquemas vacinais, sendo 1.109.573 pessoas que foram vacinadas com imunizantes aplicados em duas doses e outros 107.963 pernambucanos que foram contemplados com vacina aplicada em dose única.
Com a redução do intervalo da dose de reforço da AstraZeneca, o percentual de cobertura completa deve dar um salto nas próximas semanas, visto que a AstraZeneca já é a vacina mais utilizada no Estado. Em Fernando de Noronha, por exemplo, a expectativa é que 100% da população esteja protegida contra o coronavírus até agosto.
Para justificar a redução, pactuada entre Pernambuco e os municípios em reunião da Comissão Intergestores Bipartite (CIB), o Governo do Estado defende que não há “prejuízo à proteção” da população.
“Esse período não afeta a eficácia do imunizante, que manterá a proteção contra a Covid-19. Friso que a decisão da CIB foi tomada após consulta com o Comitê Técnico, que se pautou nas evidências científicas e nas informações do próprio fabricante dessa vacina", afirmou o secretário estadual de Saúde, André Longo.
O governo também ressaltou que a discussão foi levantada após o adiamento em quase um mês no envio das segundas doses da AstraZeneca pelo Ministério da Saúde, o que gerou um maior quantitativo de estoque em alguns municípios.
Diversas cidades pernambucanas seguiram a recomendação do Estado, como Recife, Olinda, Jaboatão dos Guararapes, Petrolina e Caruaru.