Relatório de barragem é apresentado em julgamento do caso Mariana em Londres
Dirigentes e ex-dirigentes da BHP ligados à operação da barragem do Fundão estão sendo interrogados
Um relatório de inspeção realizada em 2010 na barragem do Fundão, que rompeu em 2015 causando 15 mortes e contaminando o Rio Doce (MG), foi apresentado no julgamento da ação coletiva contra a BHP na Inglaterra, nesta quarta (30).
A análise, cinco anos antes da tragédia, apontava “o perfil de risco mais alto" e que “excedia em muito os limites prescritos pelos padrões do setor”.
A inspeção foi realizada em novembro de 2010 por Andrew Robertson, fundador da "Robertson GeoConsultants", consultoria especializada em barragens de rejeitos, em novembro de 2010. A análise técnica foi feita em uma auditoria encomendada pela Samarco, para acompanhamento das alterações estruturais que haviam sido feitas nas barragens do Fundão.
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Na conclusão do relatório, Robertson, que faleceu em 2023, afirma que aquele perfil de barragens era o de "risco mais alto entre as unidades de mineração de tamanho comparável conhecidas pelo relator" e que "excede em muito os limites prescritos pelos padrões da indústria".
Para os advogados da Pogust Goodhead, que representam as 620 mil vítimas que movem uma ação coletiva contra a BGP em Londres, esse relatório comprovaria que a BHP, acionista majoritária da Samarco, tinha conhecimento dos riscos.
O inspetor ainda destacou a necessidade de introdução de mudanças na cultura de gestão de processos e riscos naquela operação. Ele também disse que a "Samarco está ciente dessa necessidade e até organizou um Comitê de Rejeitos e um Comitê Independente de Avaliação de Sistemas de Rejeitos (ITRB), em parte para atender a essa demanda". No relatório, Robertson inclusive se coloca à disposição para esclarecer "qualquer pergunta".
Na sessão desta quarta, estão sendo interrogados dirigentes e ex-dirigentes da BHP que estavam ligados à operação da barragem. Ex-vice-presidente do grupo de minério de ferro da BHP e ex-diretor do conselho da Samarco, Christopher Campbell respondeu que não tinha visto este relatório e também alegou que não entendia como os rejeitos de mineração atrás da barragem eram gerenciados.
Procurada pelo O Globo, a BHP respondeu que não irá se manifestar.
Julgamento em Londres
Essa ação é movida por 620 mil atingidos pelo desastre que vitimou 19 pessoas e contaminou o Rio Doce, representados pelo escritório Pogust Goodhead. O pedido é de indenização recorde, que pode chegar a R$ 230 bilhões. A BHB nega as alegações e diz que a ação "prejudica os esforços" pela repactuação de um acordo financeiro no Brasil.
A ação em Londres teve início em 2018, para atender moradores da região afetada direta ou indiretamente pela tragédia. O total de vítimas inclui lideranças indígenas, quilombolas, 46 municípios da Bacia do Rio Doce, instituições religiosas, empresas, associações comerciais e autarquias.
Inicialmente, a BHP era a única réu, mas ela pediu e conseguiu incluir, em 2023, a Vale no processo, como responsabilidade solidária. Em junho passado, porém, as duas empresas entraram em um acordo, e a Vale foi retirada da ação inglesa, mas com o compromisso de pagar 50% das indenizações em caso de responsabilização.
Veja a cronologia do julgamento:
21 a 24 de outubro: serão ouvidas as declarações iniciais de ambas as partes;
28 de outubro a 14 de novembro: ocorrerá o interrogatório das testemunhas da BHP;
18 de novembro a 19 de dezembro: oitiva de especialistas em direito civil, societário e ambiental brasileiros;
20 de dezembro a 13 de janeiro: recesso do Judiciário;
13 a 16 de janeiro: oitiva de especialistas em questões geotécnicas e de licenciamento;
17 de janeiro a 23 de fevereiro: preparação das alegações finais;
24 de fevereiro a 5 de março: ambas as partes apresentarão as alegações finais.
O rompimento da barragem de Fundão liberou 44,5 milhões de metros cúbicos de lama tóxica, o equivalente a 13 mil piscinas olímpicas, e outros 13 milhões de metros cúbicos escoaram nos dias seguintes. A lama de rejeitos percorreu 675 quilômetros, atingiu o Rio Doce e chegou até o Oceano Atlântico, afetando os litorais do Espírito Santo e da Bahia.
No dia da tragédia, 19 pessoas morreram. Além de ações judiciais no Brasil, há outros processos civis em curso na Holanda e na Austrália.
Novo acordo assinado
Assinado na última sexta-feira (25) entre os governos federal, do Espírito Santo, de Minas e as empresas Vale, BHP e Samarco, o novo acordo para reparação dos danos do caso Mariana (MG) prevê que as empresas pagarão mais R$ 100 bilhões em 20 anos, além do que já foi gasto desde a tragédia de 2015, em indenizações individuais e ações estruturais diversas.
Esse pagamento será gerido por um fundo do BNDES, o Fundo Rio Doce. O primeiro pagamento, de R$ 5 bilhões, será feito 30 dias após a assinatura do acordo judicial.
Outros R$ 32 bilhões irão para as indenizações individuais, no valor médio de R$ 35 mil por pessoa, além de R$ 38 bilhões que as empresas alegam já terem desembolsado, via Fundação Renova, criada em 2016 para compensar os danos pelo acidente. O valor total chega a R$ 170 bilhões.