Retardante de fogo defendido por Salles deve ser usado só em último caso, diz nota do Ibama
Utilização de produtos químicos é tida pelo ministro como uma das soluções para as queimadas
O retardante de chamas que tem sido usado no combate aos incêndios que consomem o Pantanal e castigam a Amazônia e é defendido como solução por Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, requer uma série de cuidados em sua aplicação e deve ser aplicado somente em último caso.
As recomendações constam de uma nota técnica do Ibama, datada de junho de 2018.
Um dos cuidados recomendados pelo texto é a suspensão do "consumo de água, pesca, caça e consumo de frutas e vegetais na região exposta ao produto pelo prazo de 40 dias, considerando que os produtos se degradam em cerca de 80-90% em 28 dias".
Leia também
• Salles defende um combinado de bois, fogo e produtos químicos para evitar novas queimadas
• Salles sobrevoa Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros
• Se tivesse mais gado no Pantanal desastre seria menor, diz ministra da Agricultura sobre queimadas
Segundo o parecer técnico, o Fire Limit, que é usado no Brasil, é biodegradável, não é composto por metais pesados e apresenta baixa toxicidade para humanos e determinadas espécies aquáticas. Mesmo assim, a nota afirma que, além de ser considerado como última opção em combate a incêndios florestais, deve-se evitar o uso do produto em APAs (Áreas de Preservação Permanente), como margens de rios, "reduzindo assim o risco de contaminação de ecossistemas aquáticos e de possíveis locais para captação de água ou pesca para consumo humano".
O documento também especifica as distâncias mínimas em relação a corpos de água para aplicação do retardante, que vairam de 30 metros a 500 metros.
As autoridades devem, ainda, fazer acompanhamento por pelo menos seis meses dos locais onde o retardante de chamas foi aplicado para identificar algum possível dano ambiental. A nota também recomenda que sejam feitas análises químicas nos locais.
"Em caso de aplicação do produto em terras indígenas ou próximo a locais populosos, informar à população da área sobre os possíveis riscos do consumo de água e alimentos provenientes do local nos 40 dias seguintes à aplicação do retardante de chamas", afirma o parecer do Ibama.
A análise, que afirma já no início que os retardantes ali descritos "já são encontrados no mercado, porém pouco se sabe sobre seu comportamento ambiental e seus riscos à saúde humana", conclui que é recomendado "o uso restrito do retardante de chama à base de nitrogênio [como é o caso do Fire Limit], de acordo com as recomendações descritas acima".
O parecer do Ibama foi feito com base em dados fornecidos pelo próprio fabricante do produto.
O uso de retardantes de chamas tem sido defendido por Salles como a solução para as queimadas. Segundo o ministro, o uso não representa risco para a natureza ou para a população por se tratar de uma mistura com elementos próprios de fertilizantes.
O parecer técnico do Ibama, porém, é mais cuidadoso em relação a isso. "Inicialmente, pensava-se que os retardantes de chama utilizados em combate a incêndios não teriam nenhum efeito adverso sobre o meio ambiente, já que seus principais ingredientes ativos são fertilizantes agrícolas, no entanto, mesmo substâncias com baixa toxicidade inerente podem provocar efeitos ambientais adversos quando sua intensidade de uso é alta", diz a nota.
A Chapada dos Veadeiros foi um dos locais onde retardantes foram usados recentemente para tentar conter o fogo, mas o governo de Goiás afirmou que o produto químico usado pelas forças do governo federal não é autorizado no estado.
Por meio de nota enviada à reprotagem, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável afirmou que nem mesmo foi consultada pelo Ministério do Meio Ambiente sobre seu uso nas ações.
"O Governo de Goiás, por meio de Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), informa que não há nenhuma regulamentação sobre o referido produto químico em Goiás, que não foi consultado sobre sua utilização e que não é autorizado o uso do mesmo dentro da Área de Proteção Ambiental do Pouso Alto, de gestão sob responsabilidade do governo goiano", afirma o texto.
Questionada se iria tomar alguma medida contra o Ministério do Meio Ambiente, a pasta enviou nova mensagem na qual afirma que "a posição do estado é a que está contida na nota e não há nenhum acréscimo".
O Ministério Público de Goiás informou que a Promotoria de Justiça de Alto Paraíso de Goiás ainda não havia sido comunicado oficialmente pela Secretaria ou mesmo pelo Ministério do Meio Ambiente quanto a aspectos técnicos relativos aos fatos citados.
"No entanto, a Promotoria adianta que solicitará informações técnicas aos órgãos ambientais competentes para averiguação preliminar dos fatos e adoção das medidas pertinentes."
A reportagem enviou uma série de perguntas para o Ministério do Meio Ambiente e não recebeu respostas diretas para as mesmas. Foi em enviado, porém, um link para uma nota sobre o assunto no site do ministério. Questionado novamente, a pasta não respondeu até a publicação desta reportagem.