Revista publica troca de mensagens secretas para provar que funcionários dos EUA compartilharam
The Atlantic publicou mensagens na íntegra para comprovar que planos específicos foram detalhados em mensagens compartilhadas em aplicativo de mensagens
A revista americana The Atlantic, cujo editor-chefe Jeffrey Goldberg foi adicionado a um grupo de aplicativo de mensagens em que autoridades do governo trocaram informações detalhadas sobre o ataque contra o grupo rebelde Houthi no Iêmen, publicou nesta quarta-feira a troca de mensagens para comprovar que as informações enviadas via aplicativo tinham conteúdo sigiloso, após a Casa Branca iniciar uma "operação de abafa" e minimizar as informações compartilhadas pelo canal não-oficial e que não está sujeito a nenhum protocolo de segurança.
"As declarações de [Pete] Hegseth, [Tulsi] Gabbard, [John] Ratcliffe e [Donald] Trump — combinadas com as afirmações feitas por vários funcionários do governo de que estamos mentindo sobre o conteúdo dos textos do Signal — nos levaram a acreditar que as pessoas deveriam ver os textos para tirar suas próprias conclusões. Há um claro interesse público em divulgar o tipo de informação que os assessores de Trump discutiram em canais de comunicação não seguros, especialmente porque figuras importantes do governo estão tentando minimizar a importância das mensagens que foram compartilhadas", disse a publicação na matéria desta quarta, justificando a decisão de publicar as reproduções de tela das conversas.
A conversa compartilhada pela revista mostra que o chefe do Pentágono, Pete Hegseth, enviou uma mensagem às 11h41 (13h41 em Brasília) do dia 15 de março — 31 minutos antes dos primeiros jatos americanos decolarem em direção ao Iêmen — detalhando cada passo do ataque contra as posições Houthis. O organograma indicava os equipamentos que foram utilizados nos ataques (aviões F-18, drones MQ-9s e mísseis Tomahawk), a ordem de uso e como cada um seria aplicado no campo de batalha, além dos horários previstos para as ondas de ataque.
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Além do cronograma detalhado por Hegseth, que a Atlantic afirma que se tivesse sido compartilhada com uma fonte hostil aos EUA, e não com um jornalista americano, teriam dado chance de defesa aos rebeldes e colocado pilotos americanos em risco, também foi enviado no grupo informação em tempo real sobre a ofensiva. O conselheiro de segurança da Casa Branca, Michael Waltz, informou por meio do aplicativo, às 13h48 (15h48 em Brasília), quando a missão estava em andamento, sobre desdobramentos no solo;
"Prédio desmoronou. Tinha várias identificações positivas [alvos Houthis]. Pete, Kurilla, IC, trabalho incrível", escreveu Waltz, referindo-se a Hegseth, ao general Michael Kurilla, e à comunidade de inteligência.
O caso, que já vem sendo apontado como um dos vazamentos mais graves na História recente do país, foi revelado pela The Atlantic na segunda-feira. O editor-chefe da publicação foi incluído por Waltz em um grupo criado no aplicativo Signal, com várias autoridades do primeiro escalão do governo americano — além dos já citados, também estavam no grupo o diretor da CIA, John Ratcliffe, e o vice-presidente dos EUA, J. D. Vance. Rapidamente, criou-se um debate nacional sobre o manuseio de informações sigilosas pelo governo, incluindo a troca de detalhes sobre um plano militar a ser realizado por meio de um aplicativo de mensagens.
A Casa Branca e outras autoridades republicanas não tentaram negar a existência do grupo ou que a troca de mensagens tenha acontecido. Por outro lado, tentaram desacreditar a revista, minimizando o conteúdo que foi publicado através do aplicativo. Mesmo após a matéria com o detalhamento exposto na conversa, o vice-presidente americano afirmou que houve exagero por parte do jornalista em relação ao conteúdo que havia acessado.
"É muito claro que Goldberg exagerou no que tinha. Mas uma coisa em particular realmente se destaca. Lembra quando ele atacou Ratcliffe por revelar o disfarce de um agente da CIA? Acontece que Ratcliffe estava simplesmente nomeando seu chefe de gabinete", escreveu Vance, referindo-se a um trecho em particular da matéria, em que a revista afirmou que manteria em sigilo o nome de um funcionário da CIA, para não o expor, apesar dele ter sido citado nas mensagens no grupo pelo diretor da agência.
Waltz, que em depoimento assumiu "toda a responsabilidade" pela criação do grupo e inclusão do jornalista, também atacou a publicação via redes sociais, afirmando que as mensagens não discutiam "Nenhum local. Nenhuma fonte e método. NENHUM PLANO DE GUERRA". Em depoimento à Comissão de Inteligência da Câmara dos EUA, a diretora nacional de inteligência, Tulsi Gabbard, e o diretor da CIA adotaram a mesma narrativa ao afirmar que nenhuma informação confidencial foi compartilhada nos chats do Signal.
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— Não houve [exposição de] fontes, métodos, locais ou planos de guerra que foram compartilhados — disse Tulsi. — O Conselho de Segurança Nacional está conduzindo uma revisão aprofundada, juntamente com especialistas técnicos trabalhando para determinar como esse repórter foi inadvertidamente adicionado a este chat.
As manifestações foram rebatidas por parlamentares que compõem a comissão. O deputado Joaquin Castro, democrata do Texas, retrucou as afirmações das autoridades de inteligência que disseram que as informações no chat do não eram confidenciais.
— Vocês todos sabem que isso é mentira. É uma mentira para o país — disse o parlamentar.
No texto publicado nesta quarta-feira, o Atlantic afirma ter tomado a decisão de publicar a reprodução das mensagens em razão da negativa sustentada pelas autoridades do governo sobre o conteúdo das mensagens trocadas via app. A revista disse que adota como regra-geral não tratar detalhadamente sobre informações militares que possam comprometer as tropas americanas, como armas utilizadas e horários de ataques, apenas descrevendo o conteúdo em geral ao noticiar fatos, mas que a posição do governo motivou a segunda publicação.
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"As declarações de [Pete] Hegseth, [Tulsi] Gabbard, [John] Ratcliffe e [Donald] Trump — combinadas com as afirmações feitas por vários funcionários do governo de que estamos mentindo sobre o conteúdo dos textos do Signal — nos levaram a acreditar que as pessoas deveriam ver os textos para tirar suas próprias conclusões. Há um claro interesse público em divulgar o tipo de informação que os assessores de Trump discutiram em canais de comunicação não seguros, especialmente porque figuras importantes do governo estão tentando minimizar a importância das mensagens que foram compartilhadas", disse a publicação na matéria desta quarta, justificando a decisão de publicar as reproduções de tela das conversas.
A Atlantic ainda afirmou ter entrado em contato com a Casa Branca, a Agência Central de Inteligência (CIA), o Gabinete do Diretor de Inteligência Nacional, o Conselho de Segurança Nacional e o Departamento de Defesa, informando que, diante das declarações das autoridades ao longo do dia sobre a ausência de informações confidenciais nas mensagens compartilhadas do grupo, a revista pretendia publicar a íntegra das mensagens. A reposta foi uma recomendação em contrário.
"Como afirmamos repetidamente, não houve nenhuma informação confidencial transmitida no chat em grupo. No entanto, como o Diretor da CIA e o Conselheiro de Segurança Nacional expressaram hoje, isso não significa que encorajamos a divulgação da conversa. A intenção era que fosse um uma [sic] deliberação interna e privada entre funcionários seniores de alto escalão, e informações confidenciais foram discutidas. Então, por essas razão [sic] — sim, nos opomos à divulgação", disse a resposta enviada por e-mail pela secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt.