Rússia e Ucrânia firmam acordo para retorno de 48 crianças deslocadas pelo conflito
Plano prevê retorno de 29 menores ucranianos e 19 russos para seus países; Putin e comissária russa receberam ordem de prisão do TPI por 'deportação forçada' de crianças
Representantes da Rússia e da Ucrânia firmaram um acordo para o retorno de 48 crianças deslocadas pelo conflito iniciado em fevereiro de 2022, em um raro acerto firmado pessoalmente pelos dois lados, mediado pelo Catar. No ano passado, o presidente russo, Vladimir Putin, e a responsável do país por políticas para a infância receberam ordens de prisão do Tribunal Penal Internacional (TPI) pela “deportação forçada” de crianças ucranianas.
— Como resultado das negociações, foi estabelecida uma lista de 29 crianças que deveriam ser reunidas com familiares na Ucrânia e 19 crianças que deveriam ser reunidas com famílias na Rússia — disse a comissária russa para a infância, Maria Lvova-Belova, alvo de medidas do TPI, citada pela agência RIA.
Ela afirmou que, através da mediação do Catar, foi possível reunir antes mesmo do acordo 28 crianças ucranianas e cinco crianças russas com suas famílias ao longo do último ano — as últimas trocas ocorreram em fevereiro e março, com o retorno de 11 menores à Ucrânia e quatro para a Rússia, em ações coordenadas pelo Catar de forma indireta.
Lvova-Belova não explicou por que as crianças ucranianas estavam na Rússia, tampouco disse de quais áreas do país vizinho elas vieram. Em declarações passadas, autoridades russas disseram que estavam apenas protegendo os menores dos combates.
Segundo Kiev, mais de 20 mil crianças ucranianas foram forçadamente levadas para a Rússia desde o início da guerra, e a alegação é um dos pontos centrais do processo contra Moscou por “crimes de guerra, crimes contra a Humanidade e genocídio” movido no TPI desde fevereiro de 2022. O governo ucraniano afirma ter repatriado cerca de 400 menores. Na Assembleia-Geral da ONU, em setembro de 2023, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse que as transferências eram uma forma de "genocídio".
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— Essas crianças na Rússia são ensinadas a odiar a Ucrânia e todos os laços com suas famílias são quebrados. E isso é claramente um genocídio — afirmou no discurso.
Em março do ano passado, o Tribunal requisitou a prisão de Putin e Lvova-Belova, alegando que “há evidências razoáveis para acreditar que cada suspeito tenha responsabilidade pelo crime de guerra de deportação ilegal de população e da transferência ilegal da população de áreas ocupadas na Ucrânia para a Federação Russa, prejudicando as crianças ucranianas”.
A determinação, que precisa ser seguida por todos os países signatários do Estatuto de Roma, tem limitado as viagens internacionais de Putin pelo risco de prisão e pelo constrangimento dos anfitriões com sua presença. Ainda não está claro se o líder russo virá ao Brasil para a cúpula do G20, em novembro — nas últimas duas reuniões, na Indonésia e na África do Sul, ele não compareceu.
Nas declarações à imprensa, Lvova-Belova repetiu o discurso do Kremlin, afirmando que as acusações de Kiev são falsas, e que as crianças que foram para a Rússia não ficaram sem o apoio de “representantes legais”. Em março de 2023, ela disse em entrevista que "700 mil crianças" chegaram à Rússia de maneira voluntária desde o início da invasão, mas que a maioria delas acompanhadas por pais ou responsáveis, e que receberam o apoio necessário das autoridades.
Recentemente, o ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, disse que as crianças ucranianas dentro da Federação Russa poderão retornar a seus pais caso os responsáveis registrem esse pedido junto a representantes de Moscou, e que “dezenas” já retornaram para casa. As autoridades de Moscou disseram ainda que algumas delas foram enviadas para acampamentos onde a educação patriótica russa é enfatizada. Kiev afirma que muitas estão em orfanatos, recebendo "lavagem cerebral" e sendo disponibilizadas para adoção.
Além da pressão do TPI, em fevereiro a Comissão das Nações Unidas para os Direitos da Criança exigiu que a Rússia “interrompesse a transferência forçada ou deportação de crianças dos territórios ocupados na Ucrânia”, e exigiu que o país forneça informações completas sobre o paradeiro dos menores para seus responsáveis.