GUERRA NA UCRÂNIA

Rússia lança soldados "zumbis" contra Avdiivka, epicentro da guerra na Ucrânia

Moscou usa estratégia similar à utilizada em Bakhmut para sufocar forças ucranianas na região do Donbas

Volodymyr Zelensky visitou tropas ucranianas em Avdiivka em dezembro Volodymyr Zelensky visitou tropas ucranianas em Avdiivka em dezembro  - Foto: Presidência da Ucrânia via AFP

A imagem apocalíptica mostra um campo cheio de mato e repleto de corpos imóveis em uniformes militares verdes. São soldados russos. Alguns desses corpos se levantam depois de alguns minutos. A maioria, não.

— Depois chegarão outros e depois mais, como sonâmbulos. Vemos isso todos os dias — diz Stella, que serve em uma unidade de reconhecimento aéreo ucraniana, na frente de Avdiivka, na província de Donetsk, epicentro dos combates mais ferozes da guerra na Ucrânia neste momento.

As forças russas atacam como hordas de zumbis a cidade industrial — um formigueiro de túneis, fábricas, bunkers e trincheiras escavadas durante a guerra no Donbas, em 2014. A estratégia é similar a utilizada meses atrás, em Bakhmut: bombardeios constantes revezam espaço com o avanço dessas chamadas "tropas zumbis", formadas sobretudo por presidiários alistados ao Exército, com ordens de avançar a qualquer custo e nunca recuar. O resultado é que Avdiivka hoje é um aglomerado de escombros, buracos e edifícios rasgados por projéteis. Outro inferno congelado.

— Parece que eles estão de volta — diz Aleksandr, sargento da 47ª brigada mecanizada.

O corpulento militar avança pela lama viscosa e pegajosa do Donbas em direção a uma das posições de seu grupo, a poucos quilômetros da cidade sitiada, onde um obus americano está em operação. Eles estão parados na frente de Avdiivka há meses, afundados na lama. Eles resistem aos ataques das tropas de Moscou, que tentam cercar a cidade pelos flancos para evitar os combates de rua que enfrentaram em Bakhmut.

A brigada, como muitas outras unidades ucranianas, raciona munição. Suas reservas estão esgotadas e lutam com o que têm disponível, nem sempre com o que é mais adequado para atingir o objetivo.
 

Kiev almeja receber mais mísseis de seus aliados ocidentais, mas a UE, que prometeu à Ucrânia um milhão de munições de artilharia, só conseguiu fornecer menos da metade e ainda luta para aumentar a própria capacidade industrial para cumprir com o compromisso. Na última quinta-feira, os EUA anunciaram mais um carregamento de ajuda — que pode ser o último em algum tempo devido a um bloqueio republicano.

Do outro lado do front, a Rússia concentrou a sua economia de guerra no esforço da invasão. As sanções ocidentais e o isolamento do mercado não impediram o Kremlin de dedicar a maior parte da sua capacidade produtiva em armamento. Eles fabricam mísseis em fábricas de pão, montam munições em indústrias de tratores. Eles tentam a todo custo se reabastecer. O presidente russo, Vladimir Putin, não pôs de lado os seus objetivos de subjugar a Ucrânia. O seu principal esforço de guerra está agora concentrado na captura de toda a região do Donbas.

As armas ucranianas, algumas delas fornecidas pelos seus aliados ocidentais, estão sobrecarregadas em muitos pontos da frente de batalha, como em Avdiivka.

— A Rússia não tem armas melhores, mas tem mais armas. E a estratégia deles é usar tudo — explica Yevgeni, um dos soldados da 47ª Brigada, equipada com armas como blindados M-2 Bradley, de fabricação americana, e tanques Leopard 2, fornecidos por países aliados da Otan.

O Kremlin usa artilharia e drones de vários tipos. Realiza ataques frontais, ataques falsos e cortinas de fumaça para ocultar as ofensivas reais, além de monitorar de perto todas as estradas em direção a Avdiivka, onde, juntamente com tropas russas regulares, lutam no front presidiários recrutados e mercenários — uma unidade composta por ex-mercenários do grupo Wagner está atuando na região, segundo blogueiros militares russos.

Nas últimas semanas, Moscou liberou uma chuva de minas que se espalham e deixam estradas e campos intransitáveis. Também para os poucos civis que permanecem na área do leste da Ucrânia que Putin disse querer libertar, e que suportam uma das piores partes da guerra que caminha para o seu terceiro ano.

Putin cobiça Avdiivka, que já foi um dos corações do Donbas, como sua próxima peça. Ele já queria controlá-la na guerra de 2014, através dos separatistas pró-Rússia patrocinados por ele. Mas não conseguiu. Desde então, a cidade mineira, que tinha 32 mil habitantes antes da invasão, tornou-se um dos redutos militares reforçados da Ucrânia. Contudo, com imenso custo humano e material, a Rússia conseguiu avançar em posições para cercá-la. Um pouco mais ao sul, após um cerco brutal, Moscou assumiu o controle das ruínas de Marinka — o que era uma grande cidade de 10 mil habitantes antes da guerra, com escolas, parques, lojas, restam apenas escombros.

Com as operações, o Kremlin conseguiu tomar mais território do que perdeu em 2023, de acordo com um relatório do Ministério da Defesa da Estônia. No entanto, nenhum dos enclaves conquistados no leste e no sul representa um ponto de viragem que altere o equilíbrio na linha da frente de batalha de mais de 1,3 mil Km que, após o fracasso da esperada contraofensiva ucraniana, pouco mudou.

A Ucrânia trabalha na frente de Avdiivka, lançando ataques de artilharia para impedir o avanço russo e proteger o movimento dos seus grupos de assalto. Andrei, um soldado de quase dois metros de altura e de poucas palavras, acaba de se recuperar de um ferimento sofrido em uma dessas ofensivas. Ele opera uma metralhadora pesada de fabricação soviética e foi atingido por disparo russo há um mês. Ele diz que ainda tem um estilhaço nas costas.

Depois de tomar Marinka, o ataque russo a Avdiivka desacelerou um pouco. Na véspera de Ano Novo, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, visitou a entrada da cidade e alguns de seus bunkers para condecorar os militares ali em serviço. Entretanto, a Rússia aumentou o número de reservistas na área, segundo Oleksandr Shtupun, porta-voz do Estado-Maior Ucraniano.

As forças russas pressionam há semanas para avançar em direção a uma mina de coque, que já foi uma das maiores da Europa e que hoje é mais uma daquelas paisagens apocalípticas.

A guerra da Rússia contra a Ucrânia tornou-se uma batalha de desgaste, de posições, onde as tropas do Kremlin tentam capturar pequenos pedaços de terra independentemente do custo humano. A agência de inteligência do Reino Unido também afirma que a Rússia vem sofrendo o maior número de baixas até agora na guerra, especialmente devido à sangrenta batalha por Avdiivka.

O Ministério da Defesa britânico indica que o número diário de baixas russas na Ucrânia aumentou quase em 300 durante o ano de 2023 e que se continuar a este ritmo terá perdido mais de meio milhão de soldados até ao final de 2024. A inteligência americana garante, além disso, que a Rússia executa soldados que recuam na frente de Avdiivka.

As tropas ucranianas também sofreram pesadas perdas, embora nem Kiev nem Moscou relatem suas baixas. Na semana passada, em uma conferência de imprensa inusitada, o comandante-em-chefe das Forças Armadas ucranianas, Valeri Zaluzhni, destacou que para a Rússia a perda de vidas não é uma variável para mudar de estratégia, e admitiu que poderia chegar o momento de forças ucranianas retirarem-se para posições fora de Avdiivka.

— Vamos defender o máximo que pudermos, enquanto tivermos forças para isso. Se as forças não forem suficientes e percebermos que é melhor salvar as pessoas, então, claro, tomaremos essa decisão e salvaremos as pessoas — assegurou.

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