MUNDO

Rússia pressiona outros países a reprimir e deportar russos críticos da guerra

Centenas de milhares de russos fugiram depois que a guerra começou, em fevereiro de 2022

Vladimir Putin Vladimir Putin  - Foto: Sergey Fadeichev/AFP

Nesta semana, em Bangcoc, membros de um grupo de rock russo antiguerra estavam lutando contra a deportação para a Rússia, detidos em uma cela de imigração apertada, quente e com 80 pessoas, conforme descrito por seus apoiadores.

Na quarta-feira, em Moscou, a Câmara baixa do Parlamento (chamada de Duma) aprovou uma lei que permitirá ao governo russo confiscar a propriedade de russos que vivem no exterior e que, nas palavras do presidente da legislatura, "mancham nosso país".

Os dois acontecimentos, embora a milhares de quilômetros de distância, refletem o mesmo cálculo sombrio do Kremlin: usando uma nova legislação e pressão diplomática aparente sobre outros países, está apertando o cerco à dispersa diáspora antiguerra da Rússia.

— A Rússia histórica se levantou — disse o presidente Vladimir Putin em uma reunião com apoiadores de sua campanha presidencial na quarta-feira, repetindo sua afirmação de que chegou a hora de limpar a sociedade russa de elementos pró-ocidentais. — Toda essa escória que está sempre presente em qualquer sociedade está sendo lentamente, lentamente eliminada.

Segundo a lei, qualquer russo, mesmo os exilados, que seja considerado envolvido em "crimes contra a segurança nacional" — incluindo criticar a invasão da Ucrânia — poderia ter seus bens confiscados. Espera-se que Putin assine a lei, embora ainda não esteja claro o quão ampla ou agressivamente o Kremlin planeja usá-la.
 

Mas a rápida aprovação da lei — ela passou unanimemente pela Duma Federal, que é apenas uma formalidade — é outro sinal de que o Kremlin, tendo reprimido a dissidência em casa, está cada vez mais voltando sua atenção para as críticas do exterior. Centenas de milhares de russos fugiram depois que a guerra começou, em fevereiro de 2022, incluindo muitas celebridades que ainda podem alcançar seus fãs por meio de plataformas como o YouTube, que continua acessível dentro da Rússia.

Deportação
Entre os primeiros a sentir essa pressão crescente estão os artistas populares que atraíram grandes audiências em lugares populares entre os emigrantes russos, como Dubai e o Sudeste Asiático. Nas últimas semanas, celebridades antiguerra russas acusaram a Tailândia e a Indonésia de cederem à pressão russa para cancelar seus shows, enquanto um rapper antiguerra se viu proibido de reentrar nos Emirados Árabes Unidos, seu lar adotivo.

O caso mais dramático ocorreu depois que membros do grupo de rock Bi-2, originários da Bielorrússia e uma das bandas mais populares da Rússia, foram presos na Tailândia na semana passada por violação de imigração. Seus apoiadores disseram que funcionários russos passaram dias pressionando a Tailândia para deportar alguns deles para a Rússia, onde os músicos poderiam enfrentar acusações por criticar a guerra.

Na quarta-feira, os roqueiros escaparam desse destino graças à intervenção de diplomatas israelenses e australianos, que organizaram a deportação de todos os sete membros da banda para Israel, segundo o advogado do grupo, que pediu anonimato por razões de segurança. (Quatro são cidadãos de Israel, e um da Austrália.)

A extensão dos esforços do Kremlin para fazer com que os roqueiros fossem enviados para a Rússia não estava clara, mas na terça-feira, o grupo disse em um comunicado que as autoridades tailandesas haviam cancelado um plano anterior de deportar alguns deles para Israel depois que diplomatas russos visitaram o centro de imigração onde estavam detidos.

Analistas e defensores dos direitos humanos consideram o caso uma demonstração contundente dos esforços cada vez mais agressivos do Kremlin para punir os russos que criticam Putin no exterior — especialmente quando o fazem em países não-ocidentais interessados em manter boas relações com Moscou.

— Esta é uma operação especial — disse Dmitri Gudkov, político de oposição russo exilado que é próximo do Bi-2, referindo-se ao que descreveu como os esforços da Rússia para fazer com que os membros da banda fossem enviados para lá. — Sua tarefa é agarrar alguém importante fora do país para mostrar que podem agarrar qualquer um, em qualquer lugar.

"Nojo e repugnância"
Os sucessos sombrios do grupo de rock fazem parte da trilha sonora do início da era Putin, e nos últimos anos o grupo estava se misturando com a elite russa em eventos de destaque — se apresentando, por exemplo, na conferência econômica anual de Putin em São Petersburgo, em 2019. Mas no ano passado, o vocalista do Bi-2, Igor Bortnik, escreveu que a Rússia de Putin evocava "apenas nojo e repugnância".

O Ministério das Relações Exteriores da Rússia negou interferência no caso do Bi-2 na Tailândia, mas se referiu aos membros da banda logo após sua detenção como "patrocinadores do terrorismo". Um legislador russo, Andrei Lugovoi, disse que o país aguardava a deportação do Bi-2 "de braços abertos" e previu:

— Logo eles estarão tocando e cantando com colheres e pratos de metal, dançando sapateado na frente de seus companheiros de cela — disse Lugovoi, que não é estranho à intervenção russa no exterior, tendo sido acusado pelo Reino Unido em 2007 de envenenar um crítico de Putin em Londres.

A Tailândia, que mantém uma postura em grande parte neutra em relação à guerra na Ucrânia e é um destino importante para turistas russos, disse que estava seguindo procedimentos estabelecidos. Questionado por um repórter na quarta-feira sobre a possível deportação para a Rússia dos membros do Bi-2, o ministro das Relações Exteriores do país, Parnpree Bahiddha-Nukara, disse que se eles tiverem "cometido atos ilegais", então a Tailândia "tem que seguir o processo".

A banda divulgou um comunicado de seu organizador de concertos, VPI Event, reconhecendo que não havia obtido os vistos corretos para o show da banda em 24 de janeiro na ilha tailandesa de Phuket. Mas a VPI afirmou que a decisão das autoridades tailandesas de prender os artistas, em vez de punir os organizadores do concerto, foi excepcionalmente dura.

"Estamos fazendo todo o esforço para libertar os artistas, mas estamos enfrentando pressões sem precedentes em todas as etapas", dizia o comunicado da empresa enquanto os músicos ainda estavam atrás das grades, acrescentando que shows na Tailândia de outros dois artistas russos antiguerra haviam sido cancelados nas últimas semanas. "A campanha para cancelar concertos sob pressão do consulado russo começou em dezembro."

"Perseguição maníaca"
Alguns figuras pró-Kremlin começaram a elogiar o Ministério das Relações Exteriores da Rússia por ficar mais agressivo em exercer pressão sobre os russos antiguerra no exterior.

— O Ministério realmente começou a trabalhar nesse sentido — disse Sergei Markov, analista político pró-Kremlin que aparece frequentemente na televisão estatal russa, em entrevista por telefone.

Os diplomatas russos, acrescentou ele, têm "informado ativamente" os governos estrangeiros nos últimos meses sobre russos que "passaram para o lado do inimigo".

Alisher Morgenshtern, um rapper que criticou a guerra e se mudou para Dubai, disse na sexta-feira passada que os Emirados Árabes Unidos o proibiram de reentrar no país. Ruslan Bely, um comediante antiguerra, teve dois shows na Tailândia cancelados em janeiro.

Outro comediante russo que se opõe à guerra, Maksim Galkin, anunciou na semana passada um show em Bali, Indonésia, dias depois que a mídia estatal russa noticiou que seus dois shows planejados na Tailândia haviam sido cancelados. Mas no último fim de semana, Galkin disse aos seus 9 milhões de seguidores no Instagram que o show em Bali também foi cancelado. As autoridades indonésias, escreveu ele, o recusaram na fronteira e disseram que estavam fazendo isso a pedido do governo russo.

"É engraçado", escreveu, que o Estado russo esteja gastando tanto esforço na "perseguição maníaca de artistas dissidentes no exterior".

O chefe do escritório regional de Bali do Ministério da Lei e Direitos Humanos da Indonésia, Romi Yudianto, disse que não estava familiarizado com o caso, mas que a Indonésia "tem sua própria soberania" e o direito de rejeitar visitantes indesejados.

Mas Markov, o analista pró-Kremlin, descreveu a pressão sobre artistas antiguerra, assim como a nova lei que permite a confiscação da propriedade de russos que criticam a guerra, como parte integrante do mesmo esforço governamental. "Esta é uma mensagem para aqueles que são contra Putin", mas não têm certeza de quão alto devem expressar sua desaprovação, disse. É um lembrete para eles, disse ele, que se falarem, mesmo fora da Rússia, "não pensem que ficarão bem".

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