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Saúde reprodutiva em tempos de Covid-19

O acesso das mulheres à informação e aos serviços essenciais de saúde e direitos sexuais e reprodutivos segue sendo fundamental para responder à Covid-19

Desenho de Cyane Pacheco sem títuloDesenho de Cyane Pacheco sem título - Foto: Cortesia

28 de maio é o Dia Internacional de Ação em Defesa da Saúde das Mulheres. No Brasil, é também uma data para reforçar a necessidade de diminuição da evitável mortalidade materna, que inclui as mortes por aborto. Esta semana será marcada em todo o mundo por ações dedicadas ao tema “O acesso das mulheres à informação e aos serviços essenciais de saúde e direitos sexuais e reprodutivos segue sendo fundamental para responder à Covid-19”.

A data cai 10 dias após o 18 de maio, o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. No Brasil, dados de 2019 registram 17 mil ocorrências de violência sexual contra crianças e adolescentes, um crime reconhecidamente subnotificado. 73% dos casos ocorreram nas casas das próprias vítimas. Os levantamentos, em geral, têm apontado para um aumento das violências domésticas neste período de isolamento social. A OMS avisou sobre necessidade de atenção para esta tendência em períodos emergênciais.

É de conhecimento que a crise sanitária tem acentuado limites para o acesso das mulheres e meninas à saúde reprodutiva: restrições a meios para fazer a anticoncepção, para a prevenção às dsts/aids, para a contracepção de emergência e para a realização de um aborto seguro. O acolhimento e atendimento preventivo às vítimas de violência sexual, que deveriam receber medicação para impedir gravidez e contaminação por dsts/aids, o que evitaria problemas futuros, inclusive a necessidade de interrupção de gravidez indesejada, fruto de violência, se tornou uma conquista cada vez mais distante para aquelas que deles necessitam. Os serviços de saúde se tornam ainda mais inacessíveis quando estão respaldados por governantes anti-direitos e legitimadores da violência.

18 de maio foi também a data em que os Estados Unidos - via Agencia Nacional de Desenvolvimento, a USAID - enviaram ao secretário Geral das Nações Unidas a “solicitação” para que todas as “referências à saúde sexual e reprodutiva e seus derivados” sejam eliminadas do Plano de Resposta Humanitária Global (Global HRP) à Covid-19. É importante lembrar que desde 1968 a ONU reconheceu o direito de todas as pessoas a escolherem livremente quando e quantos filhos/as ter e a importância da implementação de políticas que garantam o exercício deste direito, o que pauta a OMS. A carta, dirigida ao Secretário Geral Antonio Guterrez, reforça a condição dos EUA de maior doador para assistencia humanitária e saúde mundial, e o seu apoio a nações comprometidas com a proteção aos não-nascidos, o que soa como ameaça.

Organizações de defesa dos direitos humanos do mundo todo reagiram imediatamente à carta. Serra Sippel, presidenta do Centro para a Igualdade em Saúde e Gênero – CHANGE (Washington) manifestou que a “USAID deveria envergonhar-se por sua absurda tentativa de utilizar o coronavírus como meio para desmantelar um marco de saúde sexual e reprodutiva”.

Paula Viana, enfermeira, uma das coordenadoras do Grupo Curumim Gestação e Parto (Recife) chama a atenção para o fato de que “enquanto nos EUA a USAID defende que os serviços de saúde reprodutiva não são essenciais e devem ser fechados, na Inglaterra o sistema hoteleiro se organizou para receber as gestantes de baixo risco, evitando que elas se expusessem ao vírus. Também estão utilizando a telemedicina para o atendimento ao aborto, inovações do Estado para garantir a saúde e a vida das mulheres e filhos/as”.

No Brasil, retoma Paula, “logo no início da pandemia, fecharam o serviço de referência do Hospital Pérola Byington, em São Paulo. A rápida reação dos movimentos de mulheres e da Defensoria Pública da União/SP conseguiu a reabertura. Muitos serviços têm relatado a diminuição dos atendimentos de violência sexual, seja pela resistência das mulheres em procurá-los, por receio de contaminação, seja pela diminuição de leitos ou fechamento de departamentos nos hospitais. Em Pernambuco continuam funcionando. Estamos atentas, acompanhando, informando, para tentar diminuir os prejuízos que só com o tempo poderemos dimensionar!”.

O atual governo federal, alinhado ao governo norte-americano - ainda que este prefira demonstrar distanciamento de tão execrada figura internacionalmente-, ignora a demanda existente por regulação de fertilidade, sustentando a ausência de investimentos em políticas de saúde reprodutiva em uma perspectiva conservadora, que lhe garante apoio de setores religiosos fundamentalistas. Nega o direito de mulheres e casais à livre decisão reprodutiva e recusa às crianças, adolescentes e mulheres adultas o acolhimento e a atenção necessárias aos casos de violência sexual. Declarações do atual mandatário o qualificam como porta-voz da renaturalização de todas as formas de violência, o que esperar?

EUA e Brasil são os dois países que, por negligência ou determinação governamental, têm o maior número de contaminados e mortos pela Covid-19. São os seus líderes, os garotões-propaganda da industria armamentista, que contraditoriamente se auto-reivindicam “defensores da vida”, lideranças que priorizam a economia/grandes empresas em detrimento da saúde e dignidade da população.

Os movimentos de mulheres e feministas seguem em luta em defesa de uma vida sem violência e com saúde para todas as mulheres e meninas. Que elas possam crescer no exercício do direito à autonomia, sendo respeitadas nas suas decisões.

Agradeço a Cyane Pacheco pelo desenho, s/título, que ilustra esta coluna.

*A Folha de Pernambuco não se responsabiliza pelo conteúdo da coluna

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