Seis em cada 10 brasileiros têm sobrepeso ou obesidade, revela Datafolha
No entanto, levantamento mostra que apenas 11% receberam um diagnóstico formal
Uma pesquisa do Instituto Datafolha em parceria com a farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk mostra que 59% dos brasileiros têm peso e altura compatíveis com um quadro de sobrepeso ou obesidade, definido por um Índice de Massa Corporal (IMC) a partir de 24,9.
No entanto, somente 11% têm um diagnóstico formal de uma das condições.
No mundo, segundo a última edição do atlas da Federação Mundial da Obesidade, 54% da população adulta têm sobrepeso ou obesidade.
O levantamento do Datafolha ouviu 2.012 pessoas com idade média de 43 anos.
Segundo o instituto, a amostra de participantes foi desenhada para ser representativa em termos de gênero, classe social e região do país.
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— Às vezes numa consulta mede-se a pressão arterial e a frequência cardíaca, mas nem sempre se mede o peso e a altura, o que deveria ser considerado parte dos dados vitais. Então essa a avaliação inicial muitas vezes é omitida e, quando realizada, pouco se avança — diz o endocrinologista Bruno Geloneze, professor e pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e membro da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso).
— Isso ocorre principalmente porque não se compreende plenamente que a obesidade é uma condição crônica, neuroquímica e recidivante. Ela não tem cura, permanece. O componente neuroquímico demonstra que não se trata apenas de comportamento, falta de caráter ou de vontade, como muitos pensam, mas de mecanismos biológicos no corpo. Além disso, a obesidade tende a voltar. Portanto, doenças com esse perfil exigem tratamento crônico e contínuo — continua.
Os números revelados pelo Datafolha estão de acordo com os dados mais recentes da pesquisa Vigilância de Fatores de Risco de Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) 2023, monitoramento anual do Ministério da Saúde, que apontaram 61,4% dos adultos com um IMC superior a 24,9, e 24,3% com obesidade, quando o IMC já ultrapassa 29,9.
O novo levantamento, no entanto, chama atenção para as lacunas entre o número de pessoas com as condições, que aumentam o risco de doenças cardiovasculares, diabetes, entre outras, e a percepção sobre si mesmo.
Além da vasta maioria não ter um diagnóstico, 61% dos brasileiros com sobrepeso ou obesidade dizem ter uma boa saúde, uma contradição que chama a atenção dos médicos.
— Os dados mostram que muitos brasileiros só reconhecem a seriedade da doença quando enfrentam complicações adicionais, o que pode causar consequências graves para a saúde. Tratar a obesidade desde o início é fundamental, pois não só impede a progressão da condição, mas também previne o desenvolvimento de comorbidades que podem afetar significativamente a qualidade de vida — avalia Thais Emy Ushikusa, médica e gerente de obesidade da Novo Nordisk no Brasil.
O professor da Unicamp cita de exemplo que 96% dos respondentes reconheceram que a obesidade é um problema de saúde de modo geral: — Então são muitas pessoas com obesidade, que sabem que não é saudável, mas acreditam ter boa saúde mesmo assim. Há uma dissociação entre entender qual é o problema, aceitá-lo e atribuir a ele a devida importância. A parte boa, pelo menos, é que a grande maioria enxerga o quadro como algo de saúde, e não somente estético — avalia.
A pesquisa mostra que a maioria das pessoas com sobrepeso e obesidade (67%) não querem continuar com o número atual na balança - entre aqueles com obesidade apenas, o percentual chega a 82%.
Mas um ponto fundamental em ter um diagnóstico, explica o especialista, é que ele pode levar o paciente a ser acompanhado por um profissional capacitado, que entenda que se trata de uma doença crônica e que o tratamento vai muito além de apenas recomendar atividade física ou mudanças na alimentação.
— Quase a totalidade dos programas de atividade física para perda de peso sozinhos falham. O exercício é fundamental, mas a quantidade necessária muitas vezes excede o que a pessoa consegue realizar, seja por falta de tempo ou por limitações de saúde. Por exemplo, a pessoa deveria correr, mas tem dificuldades até para caminhar — explica.
O endocrinologista conta ainda que o paciente precisa de um bom acompanhamento que o explique que a perda de peso não é um processo uniforme: nem sempre a ausência de resultados mais significativos significa que os esforços não estão funcionando.
— Quando alguém começa a se exercitar e a comer menos, os hormônios da saciedade diminuem, enquanto os da fome aumentam. Além disso, à medida que se perde peso, o consumo energético também cai, o que cria um esforço contrário por parte do corpo. Por exemplo, perder 10% do peso pode reduzir em até 30% o gasto de energia, como se o corpo entrasse em modo econômico, então você precisa gastar mais para perder a mesma quantidade de quilos. Esse processo pode levar à desmotivação, pois a pessoa começa a sentir que o exercício não está funcionando. Por isso, é crucial contar com um profissional de saúde qualificado, capaz de orientar e apoiar durante essa jornada — explica o médico.
Ele cita também que a falta de um acompanhamento adequado leva a ideia de “tudo ou nada”, de que ou se perde muito peso ou não vale a pena tentar.
— No entanto, uma perda de 10% já faz uma diferença significativa — ressalta.
O médico comenta ainda sobre as novas medicações para obesidade, como o Wegovy, da Novo Nordisk, laboratório que encomendou a pesquisa.
Ele cita que de fato elas representam um avanço, mas que não são acessíveis para todos.
— No passado, as medicações disponíveis para emagrecimento não funcionavam bem e causavam muitos efeitos colaterais, como problemas cardíacos e psiquiátricos. Os novos medicamentos são mais seguros e proporcionam reduções de peso mais significativas, mas o acesso a eles ainda é limitado. E a pesquisa mostrou que apenas 4% das pessoas tomariam medicamentos. Isso reflete uma lacuna na compreensão da obesidade como doença, mostrando que ainda há muitos passos a serem dados — diz.
Sobre os motivos para o avanço da obesidade, ele cita que é multifatorial: — Nem sempre as pessoas estão comendo mais em quantidade, mas há uma predominância de alimentos de alta densidade calórica, como os ultraprocessados. Além disso, a adesão à atividade física é muito baixa.
As pessoas gastam muito tempo em deslocamentos, o que torna difícil dedicar-se ao exercício.
E no tempo livre, o uso de telas é predominante, incentivando o comportamento sedentário nos momentos de lazer.
Além disso, há questões que envolvem a vida moderna mais difíceis de serem abordadas, como a alteração da microbiota intestinal em bebês e a exposição a contaminantes ambientais, chamados de disruptores metabólicos.
— A modernidade, em muitos aspectos, facilita o ganho de peso — resume Geloneze.