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Educação

Professores precisaram mudar práticas e rotinas pedagógicas por causa do novo coronavírus

Para quem trabalha com ensino, a pandemia demandou muito mais do que trocar a lousa por computador. Foi preciso se reinventar para acompanhar o desenvolvimento dos alunos

Jéssica Azevedo Rozendo, professora Língua Portuguesa e Produção de TextoJéssica Azevedo Rozendo, professora Língua Portuguesa e Produção de Texto - Foto: Rafael Furtado/Folha de Pernambuco

Quase que de repente tudo parou. Para evitar a disseminação de um vírus tão perigoso, aulas e atividades escolares presenciais foram suspensas. O quadro e o piloto substituídos por computadores e celulares. A sala de aula deu lugar a cômodos domésticos. Livros e cadernos trocados por aplicativos. A pandemia da Covid-19 exigiu dos professores, seja da rede pública ou privada, uma imensa capacidade de adaptação. Obrigados a se reinventarem, eles foram em busca de outras formas de abordagem dos conteúdos de suas disciplinas, sobretudo por meios virtuais.

Para o professor de biologia Marcelo Ataíde, 32 anos, a falta do olho no olho e das interações com os alunos foi um dos maiores desafios. “Isso me causou muita estranheza justamente porque a gente precisa da troca durante as aulas. Como era algo muito novo, eles ficavam receosos de ligar a câmera e interagir”, disse. Além disso, foi preciso lidar com o desafio de encontrar alternativas que fossem capazes de envolver e propiciar o desenvolvimento dos alunos. Para ajudar nesse processo, Marcelo usou como cenários das aulas a sala e um quarto que foi transformado em escritório.


Marcelo Ataíde, professor de biologia

Apesar das dificuldades, ele conta que também enxerga pontos positivos trazidos pela pandemia. “Como professor de biologia eu trabalho muito com imagens e sempre gostei de produzir slides, fazer projeções, mas me limitava ao pendrive e não sabia usar a nuvem. Por isso, uma das principais vantagens foi justamente a imersão obrigatória no meio virtual, que nos fez conhecer novas formas de transmitir conhecimento”, avalia. Trabalhando há dez anos como professor, atualmente Marcelo dá aulas para 13 turmas do ensino fundamental e médio de dois colégios, entre eles o Santa Emília, no Cordeiro, Zona Oeste do Recife.

Uma pesquisa do Instituto Crescer, divulgada no segundo semestre do ano passado, aponta que 46% dos educadores não sabem avaliar se os alunos estão realmente aprendendo com as aulas on-line. A professora de Língua Portuguesa e Produção de Texto Jéssica Azevedo Rozendo, 29, entende bem essa dúvida. Ela conta que para garantir um ensino eficaz buscou tutoriais na internet e pegou dicas com colegas de profissão. Para deixar as aulas mais atrativas, a docente passou a usar plataformas de aprendizado baseadas em jogos, como o Kahoots, e de produção textual, como o Google Docs.

“Tivemos que fazer uma série de adaptações e incerteza foi a palavra que mais marcou essa pandemia. Esse momento serviu para sacolejar e ver que eu precisava me reinventar para oferecer o meu melhor para meus alunos. Tive que aprender, didatizar e, então, ensinar”, comenta. Para Jéssica o caminho a ser seguido deve ser sempre o da constante formação. “Mas é preciso a colaboração de todos os envolvidos no processo educacional, governos, secretarias de educação, escolas, universidades. Cada um tem seu papel e sua importância”, ressalta.

Multifunções
Ao longo da pandemia do coronavírus o processo de ensino e aprendizagem passou por várias transformações. As maneiras habituais de lecionar foram revistas. No entanto, a avalanche de informações do mundo contemporâneo tornou mais difícil a missão dos docentes de encontrar solução que melhor atendesse a necessidade não planejada de ensinar além dos muros da escola. Apesar de a maioria dos docentes usarem com frequência as tecnologias em seu cotidiano, conhecer e dominar novas ferramentas e metodologias para adaptar as aulas a um novo formato tornou esta relação mais delicada.
Um dos primeiros desafios do professor de física Ítallo Costa foi aprender, em tempo recorde, a usar novas tecnologias para adaptar as aulas ao ensino remoto. Ele conta que, até então, o computador era usado basicamente para exibir animações, vídeos, entre outros. “Tive que pesquisar bastante sobre ferramentas digitais e descobri que existem muitas limitações para os professores de exatas, especificamente, visto que muitas não ‘entendem’ bem a linguagem matemática”, disse. Para otimizar o tempo, Ítalo, que dá aula no cursinho Os Caras de Pau do Vestibular (CPV), comprou uma mesa digitalizadora, que permite que ele escreva e resolva as equações necessárias para as aulas. 

O sócio-fundador do CPV e professor de geopolítica e atualidades, Benedito Serafim, 31, fala que uma das maiores preocupações no começo da pandemia foi encontrar a melhor forma de passar o conteúdo para os estudantes. Uma das vantagens foi o fato de boa parte da equipe do cursinho ter experiência em audiovisual e equipamentos disponíveis. "Não queríamos fingir que estávamos dando aula, pois além de o aluno pagar pelo nosso trabalho, temos uma responsabilidade social. A maioria dos nossos alunos são de baixa renda, e nosso cursinho é a única oportunidade que eles têm para entrar na universidade pública”, afirma.

Matheus Felisberto e Benedito Serafim, professores

O professor de geografia Matheus Felisberto, 21 anos, faz uma crítica aos cursos de licenciatura e afirma que eles não preparam os docentes para novas modalidades de ensino. Para Matheus, quem superou as dificuldades impostas pela pandemia mostrou que está qualificado para essa nova educação. "Temos uma camada de antigos professores que olhavam para o ensino a distância, o ensino híbrido, as vídeo aulas e falavam que não valiam a pena. De repente, você encontra todos precisando entrar no universo do audiovisual e tendo que se adaptar a falar na frente da câmera, editar vídeo, mexer com iluminação. Essa inter-relação entre a educação e o audiovisual veio para ficar", acredita.

Capacitação
Voltando aos dados da pesquisa realizada pelo Instituto Crescer, 61% dos professores afirmam ter aprendido sozinhos a utilizar as tecnologias digitais. Interagir com os alunos foi apontado por 74% dos entrevistados como o aspecto que mais buscam privilegiar no desenho de uma aula remota. Dados como estes reforçam a afirmação do doutor em educação Jacinto dos Santos de que os docentes estão criando e recriando durante a pandemia novas estratégias associadas aos usos das novas tecnologias digitais para auxiliar na prática de ensino remoto. 

“As tecnologias se reinventam, mas não as práticas didático-pedagógicas. Práticas são ações que aliadas às teorias nos ajudam a pensar meios de como alcançar a melhor ou a mais adequada didatização de um conteúdo. O que mais está sendo procurado hoje, discutido em nosso meio, é uma prática didático-pedagógica que melhor possa ser ajustada a esse aparato tecnológico que estamos tendo oportunidade hoje de fazer uso”, comenta Santos, que é coordenador do Programa de Mestrado Profissional em Letras (Profletras) da Universidade de Pernambuco (UPE), campus Mata Norte.

Na percepção do especialista, a maior dificuldade enfrentada pelos professores no último ano foi a operacionalização das plataformas digitais. “Por falta de uma formação inicial, tivemos que fazer tudo de uma forma apressada. O que as escolas precisam fazer é dar condições de trabalho ao professor porque infelizmente as práticas que estamos desenvolvendo dependem agora desses recursos. O professor sozinho poderá não dar conta e precisará de apoio para que cada vez mais seu poder criativo, inovador e inventivo se desenvolva”, acrescenta o doutor em educação.

O professor e secretário de formação do Sindicato dos Professores de Pernambuco (Sinpro-PE), Wallace Melo Barbosa, alerta que diante da suspensão das aulas presenciais uma nova rotina se estabeleceu, sem a mínima regulamentação, forçando professores a maiores jornadas. “Muitos docentes, passado os primeiros meses de ensino remoto, já demonstravam cansaço e estafa mental, principalmente devido ao tempo na frente das telas”, comenta. Ele ressalta que mesmo diante de tantos desafios a categoria buscou sempre superar as dificuldades e proporcionar as atividades pedagógicas aos estudantes.

A maioria dos professores e professoras tiveram que disponibilizar seus equipamentos, usar sua própria internet, reinventar suas práticas para continuar com suas aulas. “E frente a esse panorama, podemos dizer que o atual contexto do ensino remoto pode ser percebido como um momento de superação, dedicação, compromisso e criatividade por parte dos docentes, para que, por meio das telas e dos recursos tecnológicos, pudessem manter, em plena pandemia, a escola viva”, avalia Barbosa.

Responsabilidade coletiva
Desde o início da pandemia, os educadores também precisaram lidar com os desafios que envolvem a saúde mental. O psicológico dos professores tem sido afetado por conta das dificuldades técnicas, das frustrações diárias e do alto nível de cobranças. Saber lidar melhor com a ansiedade, o estresse e as emoções desagradáveis é essencial. No entanto, o professor de Saúde Coletiva da UFPE e doutor em Psicologia, Darlindo Ferreira, ressalta que é preciso levar em consideração o período antes do surgimento do coronavírus.

“O profissional da educação, especificamente professor, já vinha há muito tempo apresentando dificuldades, sofrimento psíquico relacionado a sua atividade. A pandemia acentuou determinadas questões e trouxe algumas novas. Há uma intensificação de um quadro que já existia de sofrimento e dificuldade mental desses profissionais”, afirma. Ele acrescenta que o medo, acentuado diante das incertezas da pandemia e da necessidade de aprender novas habilidades, vem gerando um quadro natural e esperado de crise de ansiedade, princípio de depressão, crises de choro.

De acordo com Ferreira, é preciso ficar atento às emoções, pois algumas mudanças podem ser sinais de que algo está errado. “A insônia é um fator que denuncia muito como está nossa saúde mental. Quadro de irritabilidade, o choro involuntário são indícios para as pessoas estarem em alerta sobre como está a saúde mental delas”, explica. O doutor em psicologia acrescenta que o segredo todo está nas relações com família, amigos, colegas de trabalho, etc. “É preciso haver uma compreensão social das pessoas se apoiarem mutuamente para poder a partir daí ir criando um cuidado coletivo.”

Ainda segundo o professor de Saúde Coletiva da UFPE, não se deve colocar toda a responsabilidade para os professores. “Não é uma questão apenas individual. Não basta somente fazer mentalização, técnicas de respiração ou meditação. Claro que cada um de nós tem seus deveres, mas escolas, governos estaduais, municipais e federais precisam estar atentos. É necessário um cuidado institucional também a partir de programas de prevenção, de escuta, de apoio, de parcerias”, explica.

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