Sem pedir investigação contra os EUA, resolução da ONU condena racismo
O Conselho de Direitos Humanos da ONU informou que vai abrir uma investigação internacional sobre o uso excessivo da força por agentes de segurança
Após uma série de idas e vindas, o Conselho de Direitos Humanos (CDH) da ONU aprovou nesta sexta-feira (19) uma resolução na qual condena o racismo no mundo e abre uma investigação internacional sobre o uso excessivo da força por agentes de segurança contra negros.
Diferentemente da proposta original, porém, o texto aprovado não destaca especificamente o racismo nos Estados Unidos e nem pede uma investigação especial dedicada ao país -o que o governo do presidente Jair Bolsonaro era contra.
Em vez disso, os países que participam do conselho chegaram a um meio termo. O termo "brutalidade policial", por exemplo, aparecia na versão original, mas acabou sendo substituído por "uso excessivo da força por agentes da lei". O trecho que pedia uma investigação específica para os EUA também acabou sendo retirado, assim como os trechos que criticavam de maneira mais dura o racismo no país.
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O texto aprovado pede apenas que o Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU "prepare um relatório sobre o racismo sistêmico, violações da lei internacional de direitos humanos contra africanos e pessoas com ascêndencia africana por agências de segurança, especialmente os incidentes que resultaram na morte de George Floyd e de outros africanos e descendentes de africanos, para contribuir com a prestação de contas e a reparação das vítimas".
A Alta Comissária responsável pelo assunto, a ex-presidente chilena Michelle Bachelet, também deverá examinar a maneira como os governos responderam aos protestos antirracismo que se seguiram a morte de Floyd, incluindo aqui "o uso excessivo da força contra manifestantes, transeuntes e jornalistas".
O assunto chegou ao Conselho a a pedido de 54 países africanos. Em uma carta endereçada ao CDH, o grupo afirmou que a morte do americano George Floyd "infelizmente não era um incidente isolado" e que era inconcebível que o órgão não tratasse da questão.
Floyd, um homem negro, foi assassinado por asfixia após ter o pescoço prensado no chão por um policial branco no dia 25 de maio de Minneapolis, nos EUA. O caso fez eclodir uma onda de protestos contra o racismo e a violência policial não apenas nos Estados Unidos, mas também em outras partes do mundo.
Segundo ativistas e diplomatas, autoridades dos EUA e da Austrália pressionaram os países africanos a adotar uma linguagem mais branda na minuta do texto sobre a comissão. Por decisão de Donald Trump, Washington deixou o Conselho em junho de 2018 acusando o órgão de ser hipócrita e de ter um viés anti-Israel.
Com as mudanças, a resolução foi aprovada de maneira unânime, sem a necessidade de votação nominal por país. Na quarta (17), quando o CDH debateu inicialmente o assunto, o Brasil tinha deixado claro que era contra a criação de uma comissão para investigar casos de violência policial contra negros ocorridos especificamente nos Estados Unidos.
"O problema do racismo não é exclusivo de nenhuma região em particular. É um flagelo profundamente enraizado em muitas partes do mundo, afetando grande parte da humanidade", disse na ocasião a representante da missão permanente do Brasil junto à ONU em Genebra, Maria Nazareth Farani Azevêdo.
A embaixadora afirmou também que conscientizar as pessoas sobre o racismo é tão importante quanto "reconhecer o papel indispensável das forças policiais para garantir a segurança pública e proteger o direito a uma existência pacífica e segura".
Para Camila Asano, diretora de programas da ONG Conectas Direitos Humanos, a resolução aprovada abre espaço para Bachelet investigar casos de racismo na atuação de forças de segurança no Brasil.
"Os casos de violações decorrentes das operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro, por exemplo, deveriam ganhar destaque dada sua brutalidade contra a população negra. Além disso, políticas brasileiras que vão na contramão da luta antirracista como as do presidente da Fundação Cultural Palmares e do agora ex-ministro da educação Abraham Weintraub expõem uma distância entre o que o governo Bolsonaro vem promovendo no Brasil e uma imagem que a diplomacia brasileira tenta afirmar externamente", disse ela.