Sem-teto em abrigos de Nova York chegam a 100 mil após envio de migrantes por governos republicanos
Cidade gastou mais de R$ 4,79 bilhões no ano passado e espera gastar mais de US$ 4 bilhões R$ 19,16 bilhões no ano que vem para acolher população que não tem onde morar
Um em cada 80 moradores de Nova York não tem onde morar. Se os sem-teto nativos se somarem aos milhares de migrantes que chegaram à maior cidade dos EUA, enviados do Texas e do Arizona desde meados do ano passado pelos governadores republicanos para pressionar o governo democrata — tanto o municipal quanto o federal — a taxa ocupação que a rede de abrigos nova-iorquinas atingiu esta semana não surpreende.
Mais de 100 mil pessoas, mais da metade delas migrantes, estão atualmente hospedadas nas centenas de abrigos, hotéis e acampamentos (“centros de emergência”, na terminologia oficial) montados para esse fim, sendo a primeira vez que os registros chegam a seis dígitos.
O afluxo multiplicou os custos, como repete incansavelmente o prefeito, o democrata Eric Adams, tentando obter ajuda financeira adicional do estado e de Washington para enfrentar o fenômeno. A cidade gastou mais de US$ 1 bilhão (R$ 4,79 bilhões) no ano passado e espera gastar mais de US$ 4 bilhões (R$ 19,16 bilhões) no ano que vem.
A composição demográfica das duas classes de acolhimento varia: em comparação com as famílias com filhos, que representam dois terços dos migrantes, os sem-teto locais apresentam perfis individuais e, em muitos casos, problemáticos, devido à combinação de vícios e perturbações mentais não tratadas.
Mas a pressão do primeiro grupo está colocando à prova o status de Nova York como um local tradicional de recepção de imigrantes. De fato, o prefeito cortou dispositivos que protegiam legalmente os abrigos nos últimos meses, como resultado do grande fluxo, que levou muitos a outras localidades do estado, nem sempre predispostas ao acolhimento.
Duas comunidades que teoricamente não se misturam, moradores de rua locais e migrantes, muitos deles em busca de asilo ou abrigo temporário, convivem em instalações no limite de sua capacidade. Adams tentou de tudo: tendas gigantes em parques ou no porto; a colaboração de denominações religiosas e, agora, a distribuição dos migrantes por todo o estado (há dois meses, foi a transferência deles para a fronteira com o Canadá, em ônibus especialmente fretados).
Leia também
• Guerra da Ucrânia faz preços subirem, e Japão se volta a fertilizante feito de fezes humanas
• Colômbia e Venezuela firmam cooperação sobre busca de desaparecidos na fronteira
• Alto número de eleições na Venezuela não é sinônimo de pleito confiável, dizem analistas
O prefeito anunciou nesta semana a inauguração do 12º Centro de Ajuda e Resposta a Emergências Humanitárias da cidade, que atenderá 500 famílias. No total, são 175 abrigos emergenciais, que oferecem além de leitos, a rede de apoio necessária para trâmites burocráticos, orientação trabalhista e escolarização imediata de menores na rede pública de ensino.
— Se houvesse coordenação nacional, o fardo não recairia tanto sobre a cidade de Nova York — disse a vice-prefeita Anne Williams-Isom na terça-feira.
Somente na semana de 19 a 25 de junho, 2.500 requerentes de asilo deram entrada nos abrigos. Ofuscados pela afluência de migrantes, os outros ocupantes das praças são sem-teto locais, o que mostra que a população nativa também tem crescido. Quando Adams assumiu o cargo em 1º de janeiro de 2022, havia 45 mil pessoas no principal sistema de abrigo, locais e estrangeiros somados.
Desde que os governadores republicanos do Texas e do Arizona começaram a fretar ônibus para Nova York para limpar a fronteira, o número dobrou e um total de 81.200 pessoas chegaram à cidade, a maioria venezuelanos. Pelo menos 17 mil migrantes vivem em instalações fora do sistema de abrigo municipal, como grandes hotéis e outros locais especialmente designados.
Em maio, depois que expirou o Título 42, uma regra inspirada na pandemia que permitia às autoridades devolver automaticamente os estrangeiros após cruzarem a fronteira, o afluxo de migrantes para Nova York acelerou, levando a cidade a buscar uma renúncia judicial de seu mandato único de “porto seguro”, legalmente consagrado e que consistia em oferecer uma cama a quem a quisesse. Sobretudo porque não havia mais espaço, daí as filas que se formam diariamente em frente às igrejas e ONGs.
Já em outubro passado, Adams declarou estado de emergência na cidade enquanto pedia a Washington para acelerar a concessão do Status de Proteção Temporária (TPS, na sigla em inglês), que permite aos migrantes viver e trabalhar sem medo de deportação, enquanto seu pedido de asilo está sendo processado.
A emergência da crise migratória muitas vezes nos impede de ver a urgência de ajudar os sem-teto locais, muitas vezes apresentados como fator de insegurança até mesmo por instâncias oficiais (como protagonistas, por exemplo, de incidentes frequentes no metrô). Entre eles estão os toxicodependentes, muitos deles diagnosticados com doenças mentais mas fora dos serviços públicos de saúde, mas também vítimas da pandemia e da crise econômica que a emergência sanitária provocou. Agora duplamente marginalizados, eles constituem uma minoria em comparação com a maioria dos migrantes.