'Sensação de dever cumprido', diz pai de morto em acidente de carro após prisão nos EUA de motorista
Depois de perder o filho em 2003, Fernando Alberto da Costa Diniz fundou associação de vítimas de trânsito e ajudou a viabilizar a Lei Seca
A luta do engenheiro Fernando Alberto da Costa Diniz já dura quase tanto tempo quanto os anos de vida de seu primogênito, Fabrício Pinto da Costa Diniz. Em março de 2003, aos 20 anos, o universitário foi uma das três vítimas fatais de um acidente na Barra da Tijuca. De lá pra cá, em meio aos apelos para que o motorista do veículo no qual estava o filho fosse punido, Fernando tornou-se uma das vozes mais atuantes do país na defesa de um trânsito mais seguro, ganhando papel de destaque até mesmo na elaboração e criação da Lei Seca.
No último domingo, quase duas décadas após a tragédia, Marcelo Henrique Negrão Kijak foi preso em Miami, nos Estados Unidos. Condutor do carro que, segundo as autoridades, estava acima do limite de velocidade ao atingir em cheio um poste, ele é réu pelo triplo homicídio culposo na 27ª Vara Criminal.
De acordo com a Polícia Federal, Marcelo, que hoje com 39 anos, era o brasileiro que figurava há mais tempo na chamada difusão vermelha da Interpol, que reúne foragidos de todo mundo. Ele foi incluído na lista em 2004, depois de, já com a prisão decretada, se ausentar sucessivamente das convocações junto à Justiça. Para que o sumiço não gerasse uma prescrição do crime, favorecendo o fugitivo, o processo acabou suspenso à época, podendo voltar a tramitar normalmente agora. A pena, somando as três mortes, pode variar de seis a 12 anos de prisão em caso de condenação.
"De uma certa forma, é uma sensação de dever cumprido, só que não apenas em relação ao meu filho. Briguei muito, e continuarei brigando. Não pela procura do Marcelo, tão somente, mas por um trânsito menos hostil. São 20 anos de uma militância doida, viajando, falando em parlamentos, dando palestras pelo mundo todo. E não vou parar", avisa Fernando, aos 75 anos, ainda como presidente da Trânsito Amigo, associação de parentes, vítimas e amigos do trânsito que fundou após o episódio.
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A batida também matou Juliane Teixeira Vasconcelos dos Anjos, namorada de Fabrício, e Mariana Alves de Aquino Lopes, ambas de 18 anos. Os três estavam no banco traseiro, sem cinto de segurança. Marcelo e uma outra jovem, que estava no carona, também sofreram ferimentos, mas se recuperaram.
Os cinco estavam em um Peugeot cinza 1996, que pertencia ao motorista. Ao oferecer denúncia contra ele, em agosto de 2003, a promotora Ana Cristina Fernandes Pinto Villela frisou que a análise realizada pelos peritos da Polícia Civil apontou "como causa determinante do acidente o excesso de velocidade em que trafegava o veículo, que causou a perda de direção, seguido de derrapagem e o posterior embate do veículo no poste". Para a promotora, estaria caracterizada, "dessa forma, a conduta culposa do denunciado".
Villela também pontuou, no texto, que Marcelo "ao tempo do evento, não possuía Carteira de Habilitação expedida pelo órgão de Trânsito competente". No momento do acidente, Marcelo portava uma licença para dirigir expedida no Uruguai, onde morou com o pai, nascido no país. Na época, ele e a família alegaram que o documento seria o suficiente para guiar um carro no Brasil.
Uma consulta ao processo contra Marcelo revela dezenas de intervenções feitas por Fernando ou pelos advogados do engenheiro, que nunca deixou de acompanhar o caso de perto. Em 27 de março de 2003, por exemplo, passados 17 dias do acidente, foi feito um aditamento ao registro de ocorrência após "comparecimento do senhor Fernando Alberto da Costa Diniz" à 16ª DP (Barra da Tijuca), responsável pelas investigações. A partir dali, passou a constar no documento, a pedido do pai de Fernando, "a placa do veículo causador do acidente, em que viajavam as vítimas, conforme consta no Brat (Boletim de Registro de Acidente de Trânsito) elaborado pelo policial militar comunicante".
Os autos também trazem uma série de comunicações entre o Núcleo de Capturas Internacionais da Polícia Federal (Interpol/PF) e a Justiça, no sentido de manter o nome do réu entre os procurados internacionalmente. Foram justamente esses agentes que, numa cooperação com as autoridades americanas, passaram a monitorar os passos de Marcelo. Ao ser preso, ele portava um passaporte de Israel, com um nome judeu.
"Confesso que fiquei perplexo pela notícia da prisão depois de tantos anos. Talvez console no sentido de desmistificar a impunidade. Você faz uma coisa ruim e se esconde durante anos, mas uma hora isso cai. Mas, em termos de sentimento e de dor, não muda nada. Não cura nada. O que tínhamos a perder, já perdemos", garante Fernando, que prossegue: "O sentimento de vazio é tão grande que não cabe nem desejo de vingança. A gente quer justiça, que pague pelo que fez, mas é só".