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ESPANHA

Síndrome do Lobisomem: tudo o que se sabe até agora sobre a condição que afeta 11 bebês

Casos foram identificados em filhos de pais que usaram loções anticalvície com minoxidil na Espanha

Síndrome do Lobisomem: tudo o que se sabe até agora sobre a condição que afeta 11 bebêsSíndrome do Lobisomem: tudo o que se sabe até agora sobre a condição que afeta 11 bebês - Foto: reprodução

A alopecia androgênica, popularmente conhecida como calvície, é a perda de cabelo que cobre a cabeça. Não se trata de uma doença, mas de uma característica de origem genética que, aos 50 anos, se manifesta em algum grau em metade dos homens e em 1 em cada 10 mulheres.

Os tratamentos, como loções com minoxidil, são vendidos sem receita em farmácias e, às vezes, podem decepcionar —nem sempre é possível interromper a queda de cabelo—, mas não são habitualmente considerados medicamentos que possam causar efeitos colaterais relevantes. Até agora.

O Centro de Farmacovigilância de Navarra, na Espanha, descobriu que bebês cujos pais utilizam esses medicamentos podem desenvolver um quadro clínico surpreendente e potencialmente grave: a hipertricose.

Essa condição, também conhecida como síndrome do lobisomem, é caracterizada pelo crescimento excessivo de pelos por todo o corpo. Nos mais pequenos, além disso, existe o risco de causar complicações no coração e nos rins, entre outros.

— A detecção desse problema surgiu a partir da notificação do caso de um lactente em que houve crescimento progressivo de pelos nas costas, pernas e coxas durante dois meses — explica Gabriela Elizondo, chefe da seção de Controle de Farmacovigilância de Navarra, que apresentou o caso nas XIII Jornadas de Farmacovigilância realizadas recentemente em Oviedo, no país europeu.

A entrevista com a família revelou que o pai utilizava uma loção “com 5% de minoxidil por via tópica para o tratamento da alopecia androgênica e, há um mês, estava em licença do trabalho para cuidar do filho, passando muito tempo com ele”, continua Elizondo. Assim que o progenitor interrompeu o tratamento, os sintomas do bebê desapareceram completamente.

O passo seguinte foi revisar todos os casos de hipertricose em lactentes registrados no Sistema Espanhol de Farmacovigilância (FEDRA), uma base de dados que reúne suspeitas de reações adversas a medicamentos. Identificaram-se seis episódios adicionais em bebês de até nove meses cujos pais utilizavam minoxidil.

A ampliação da busca na Eudravigilance —base de dados de farmacovigilância europeia— e na literatura científica elevou o número de bebês afetados recentemente para 11. Esses achados levaram a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) a alterar, em outubro, as informações contidas na bula das loções com minoxidil autorizadas na União Europeia.

“Com base nos dados disponíveis [...] o Comitê de Farmacovigilância (PRAC, na sigla em inglês) considera que a relação causal entre o uso de minoxidil (formulação tópica) e a hipertricose em lactentes após uma exposição tópica acidental é uma possibilidade razoável, no mínimo. O Comitê conclui que as informações dos medicamentos que contêm minoxidil (formulação tópica) devem ser alteradas de forma correspondente”, consta no documento da EMA que analisa o caso.

O Boletim Informativo de Farmacovigilância de Navarra, onde os pesquisadores publicaram seus achados, detalha que “o aparecimento de hipertricose generalizada em lactentes por exposição acidental ao minoxidil é grave”, justificando-se porque “o medicamento é exposto a uma pessoa [...] de um grupo etário vulnerável e para o qual o fármaco não está indicado”. Além disso, alerta o boletim, “o surgimento de hipertricose em crianças pode ser alarmante e levar à realização de numerosos exames laboratoriais e de imagem [...], o que pode gerar grande estresse nas famílias dos pacientes”.

Apesar da relevância da descoberta, Elizondo admite que “não está muito claro” como o minoxidil é transmitido do pai para o bebê: — Consideramos duas hipóteses. Uma é que seja por contato pele a pele. Nos bebês, ela é mais permeável porque o estrato córneo (a camada externa da epiderme) é mais fino. A segunda é que a via oral esteja envolvida, já que em bebês tão pequenos não é raro que eles chupem a pele dos pais onde a loção foi aplicada — acrescenta.

Em qualquer caso, as recomendações para prevenir esses casos incluem lavar bem as mãos após aplicar as loções —algo já mencionado nas bulas dos medicamentos— e evitar o contato dos lactentes com as partes do corpo onde foram usadas, algo agora destacado nas novas bulas.

Embora em menor medida que os homens, as mulheres também podem sofrer de alopecia e utilizar medicamentos com minoxidil. Nos homens, as formulações mais prescritas são as soluções hidroalcoólicas a 5%, enquanto nas mulheres são mais comuns as de 2%, explica Marival Bermejo, professora de Farmácia na Universidade Miguel Hernández (Elche) e representante de Ensino e Pesquisa no Colégio de Farmacêuticos de Alicante.

Todos os casos identificados até agora estavam relacionados aos pais. Especialistas sugerem que isso pode ocorrer porque os homens desenvolvem alopecia em idades mais jovens, frequentemente coincidindo com a paternidade, enquanto nas mulheres isso geralmente ocorre mais tarde (é mais comum na menopausa).

Bermejo explica como o potencial do minoxidil para estimular o crescimento de cabelo foi descoberto por acaso: — O remédio é um potente vasodilatador usado em comprimidos por via oral há meio século para hipertensão arterial grave. Observou-se que alguns pacientes desenvolviam hipertricose, então esse efeito colateral começou a ser aproveitado contra a alopecia por via tópica, em forma de soluções hidroalcoólicas.

David Saceda, membro da Academia Espanhola de Dermatologia e Venereologia (AEDV) e especialista em tricologia —área que estuda tudo relacionado ao cabelo—, destaca que o tratamento deve “ser seguido de forma contínua, pois, se interrompido, os resultados obtidos com o uso da solução de minoxidil se perdem”.

A hipertricose em lactentes, embora por causas muito diferentes, tem um precedente importante na Espanha em 2019, quando cerca de 20 bebês desenvolveram a condição. Naquela ocasião, segundo investigações da AEMPS, a causa foi um erro da empresa Farma-Química Sur, que distribuiu lotes de minoxidil embalados como omeprazol. Esses lotes foram usados por farmácias para preparar fórmulas magistrais de xaropes contra refluxo gástrico em lactentes.

O caso ainda aguarda julgamento na esfera penal e, embora nenhum dos bebês tenha sofrido sequelas, e o excesso de pelos tenha desaparecido com o tempo, “foram anos difíceis e de muita preocupação, porque as crianças precisaram ser acompanhadas regularmente por cardiologistas, nefrologistas e endocrinologistas, além de dermatologistas, para descartar danos em vários órgãos”, relata Ángela S., mãe de um dos bebês afetados.

David Saceda comenta que essa experiência permitiu compreender melhor o minoxidil: — Dentro das dificuldades enfrentadas pelas famílias, felizmente os bebês cresceram sem problemas, apesar das doses elevadas a que foram expostos. Isso nos deu certa tranquilidade sobre o perfil de segurança do medicamento, embora ele obviamente nunca deva ser usado em bebês nem em situações de exposição a eles.

O Centro de Farmacovigilância de Navarra, que detectou esse problema de segurança, integra o Sistema Espanhol de Farmacovigilância de medicamentos de uso humano (SEFV-H), uma rede de 17 centros autônomos coordenados pela Agência Espanhola de Medicamentos e Produtos Sanitários (AEMPS). — Nosso objetivo é detectar riscos desconhecidos dos medicamentos ou, como neste caso, novas manifestações de efeitos e riscos já conhecido — explica Elizondo.

O sistema funciona com base nas notificações de suspeitas de reações adversas a medicamentos recebidas de cidadãos, profissionais de saúde e empresas farmacêuticas. Os centros de farmacovigilância analisam essas notificações —chamadas de “sinais”—, que são debatidas no Comitê Técnico do SEFV-H. Caso as suspeitas sejam confirmadas, o caso é levado ao nível europeu, onde, após análise pelo Comitê de Farmacovigilância da EMA, medidas regulatórias são tomadas para evitar ou minimizar o risco, como neste caso, com um novo aviso na ficha técnica e nas bulas.

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