Logo Folha de Pernambuco

Rio de Janeiro

"Sinto saudade da nossa união", diz irmão de brasileira morta na Austrália por ex-namorado

João Haddad fala sobre sua relação com a irmã e da luta até a condenação do assassino

A administradora de empresas Cecília Haddad, vítima de feminicídio na Austrália, e seu irmão, João HaddadA administradora de empresas Cecília Haddad, vítima de feminicídio na Austrália, e seu irmão, João Haddad - Foto: Reprodução

Após cinco anos de angústia e luta para evitar a impunidade, a família da administradora de empresas Cecília Haddad, morta asfixiada pelo ex-namorado em Sydney, na Austrália, em 2018, sente-se aliviada e acredita que a justiça foi feita, com a condenação do acusado, o engenheiro Mário Marcelo dos Santos Santoro, de 45 anos, a 27 anos de prisão, em julgamento concluído na última quinta-feira, dia 22.

Em entrevista ao Globo neste sábado, dia 24, o irmão da vítima, o analista de planejamento João Haddad, de 47 anos, disse que tristeza e ansiedade foram sentimentos marcantes durante o longo período de espera, mas garantiu que sempre confiou na Justiça brasileira e que o desfecho não poderia ter sido outro "diante da brutalidade do crime". Ele faz questão de se referir ao assinado de sua irmã como "monstro".

João contou ainda como era sua relação com a irmã, destacando que sempre foram muito unidos, até mesmo depois de ela ter se mudado para a Austrália. Descreve Cecília como uma mulher independente e generosa, diz do que mais sente falta com ela e como lida com sua perda diariamente.
 

Leia o depoimento de João ao Globo:
"Eu e minha irmã sempre fomos muito amigos, muito próximos. Ela sempre foi minha companheira, participando muito da minha vida; inclusive, durante a gestação do meu filho, o Joaquim, que nasceu em 23 de abril de 2018, cinco dias antes do crime. Ela estava muito feliz com a vinda dele. Tínhamos um grupo de Whatsapp pelo qual ela enviava fotos dos presentes que estava comprando para ele. Ela chegou a nos enviar uma mala com roupas e vários acessórios para ele. O carrinho de bebê dele também foi ela quem comprou.

Minha irmã sempre foi uma pessoa muito generosa e especial; muito independente e trabalhadora. Ela se formou como bailarina no Theatro Municipal, fez estágio lá mesmo, mas resolveu seguir outro caminho profissional e foi estudar administração na PUC-Rio. Quando se graduou, já estava empregada. Sempre muito guerreira, nunca precisou de ninguém para lhe ajudar com dinheiro. E isso provoca muito ódio num homem machista que não admite que uma mulher seja independente e não precise dele financeiramente. Temos certeza de que o fato de ela ter o próprio dinheiro despertou muito ódio nesse monstro da pior espécie. Não digo o nome dele, porque, para mim, ele é um monstro e não ser humano.

Meus pais se divorciaram quando eu tinha oito e ela quatro anos. Então, ficamos nós três, eu, minha mãe, Milu Müller, e ela morando juntos na Gávea. Até que ela se casou com o engenheiro Felipe Torres e saiu de casa em torno dos 20 anos. Ela ficou com o Felipe 17 anos, entre namoro, noivado e casamento.

Antes de ir viver na Austrália, ela trabalhava com logística na Vale; e o Felipe, numa empresa de engenharia. Ele se inscreveu num treinamento da mineradora australiana BHP Billiton. Foi selecionado, minha irmã pediu demissão e se mudaram. Lembro-me que isso foi uma questão na família, porque ela estava super feliz e realizada no emprego, mas disse que via essa possibilidade de sair do Brasil como uma oportunidade única. Quando chegou lá, como sempre guerreira e trabalhadora, conseguiu emprego na área de logística da BHP Billiton. Em 2015, quando fomos visitá-la, vimos que minha irmã era uma pessoa super considerada na empresa, tinha uma equipe só dela. Ficamos muito impressionados. Depois, acabou saindo da empresa, o casamento foi chegando num momento difícil e se separaram. Foi então que o monstro apareceu, quando viu que ela estava sozinha e fragilizada com a situação.

Na infância, fazíamos muitas coisas juntos, como passear, assistir a filmes e apresentações de balé. Fui muitas vezes assistir às apresentações dela também, em seu período de bailarina. Estudamos na mesma escola até eu chegar à quarta série e costumávamos estar juntos durante as brincadeiras. Na adolescência, comecei a participar também de sua educação e passei a levá-la e buscá-la na escola e em outras aulas. Tínhamos também um cachorro, o Faruck, que também era da família. Às vezes, eu e minha mãe estávamos passeando com ele na praça do Jockey Club, e a Cecília chegava da faculdade e ficávamos nós quatro ali juntos.

Sinto saudade de tudo. Sinto saudade dela na nossa vida, de todo o amor que tínhamos um pelo outro, da nossa união, que era muito forte. Minha irmã foi minha amiga mesmo. Já adultos, mesmo distantes, eu falava com ela todo santo dia por telefone. Tinha uma hora do dia que a Cecília me ligava, assim como para minha mãe. Não tinha um dia que isso não acontecia.

Nessas longas ligações, conversávamos sobre os programas que ela fazia na Austrália com o Felipe. Eles tinham um barco e costumavam fazer passeios muito bonitos. Além da pesca, a Cecília também gostava de esquiar e nos mostrava todos os registros. Eu e minha mulher fomos visitá-la em 2015, quando ela ainda estava casada. Foi muito divertido. Dávamos gargalhadas juntos. Minha irmã sempre foi uma pessoa muito agradável e divertida. Não havia dias em que estivesse mal-humorada. Era uma das pessoas mais felizes que conheci na minha vida.

Quando soube da morte da Cecília, senti um desespero horroroso. Uma coisa horrível, que nem sei nomear. Foi o pior dia da minha vida. Não sei nem como não tive um infarto. Nunca imaginei passar por isso. É uma dor que persiste até hoje. À época, ficamos à espera do reconhecimento do corpo dela. Ficamos noites sem dormir. Até que se confirmou a identidade no corpo encontrado. Algo horripilante. Não sei como suportamos isso. O crime foi de uma perversidade e crueldade impressionantes.

Alguns dias antes de recebermos a notícia, meu filho nasceu e, por conta de um problema respiratório, precisou ficar uma semana na UTI. Um dia, depois de chegar do hospital, minha mãe me ligou chorando muito e falou: "Ele matou sua irmã". Eu respondi: "Como assim, você me fala uma coisa dessas?!". Cecília não tinha nem sido dada como desaparecida ainda. Minha mãe explicou: 'Eu recebi um torpedo da sua irmã, dizendo que ela ia para as montanhas, que ia ficar sem internet e que só conseguiria declarar o meu imposto de renda depois que voltasse'. E isso era tudo ao contrário do que minha irmã, que sempre fazia esse serviço para minha mãe, havia combinado com ela. Na mensagem, Cecília se referia à minha mãe como Miluzinha, e ela nunca chamava minha mãe assim. Então, minha mãe viu na hora que não era minha irmã. Ou seja, após matá-la, ele pegou o telefone dela, desbloqueou com dedo dela morta e escreveu um torpedo para despistar a família. Nós já estávamos em pânico antes mesmo de qualquer notícia ter chegado até nós.

Eles se conheceram há muito tempo através de amigos em comum da PUC-Rio. Até o ex-marido dela o conhecia. Cecília conversava com a gente sobre a relação conturbada que estavam tendo, mas como minha mulher estava grávida e meus pais têm problemas de coração, minha irmã tentou nos poupar até a última semana. E ela também tinha pena dele, que havia ido para lá com visto de estudante, não trabalhava e tinha duas filhas.

Inicialmente, ele estava na casa da Cecília, que pagava todas as contas. Ele estava desempregado e não tinha nada. Quando minha irmã percebeu que ele não queria trabalhar e estava lá só para explorá-la e se aproveitar da condição financeira que ela conseguiu atingir, ela resolveu terminar o relacionamento. Então, contou para a gente que não queria mais, que ele não era a pessoa que ela achava que ele fosse, e eu, já com medo do que pudesse acontecer, sugeri que minha irmã pedisse para ele sair da casa dela. E durou algumas semanas até que isso acontecesse, porque ele chorava e dizia que não sabia o que faria da vida dele. E Cecília ficava comovida, por ser muito generosa. Mas era um choro totalmente falso, assim como o do tribunal.

Quando minha irmã conseguiu que ele fosse embora, ela começou a relatar que ele a perseguia na rua, esperava-a em frente ao prédio e na esquina, ficava o tempo inteiro ligando e mandando mensagem, e ela teve que bloqueá-lo. Em todo lugar que Cecília estava, ele aparecia de surpresa. E ela estava decidida que não queria mais nada com ele.

Desde o início, lutamos muito por justiça. Foram cinco anos extremamente difíceis, porque esse monstro sempre quis driblar a Justiça. Primeiro, conseguiu transferir o processo do âmbito estadual para a federal, achando que seria o processo seria anulado para que novas provas fossem recolhidas, mas isso não aconteceu, porque as que já existiam foram ratificadas pela instância federal. Foram vários pedidos de soltura, mas ele não conseguiu, porque é extremamente perigoso. O julgamento, enfim, havia sido marcado para janeiro, mas ele dispensou o advogado um dia antes e tudo precisou ser adiado. Todos esses recursos acabaram atrasando o processo. Isso provocou muito sofrimento, ansiedade e dor na gente.

Agora, com a condenação quase à pena máxima, acho que a justiça foi feita. Reforço que, em nenhum momento, deixamos de acreditar na Justiça. Tínhamos certeza de que ele seria condenado, porque foi um crime extremamente brutal. Estava claro que foi um feminicídio clássico, de um sujeito que não aceita o fim de um relacionamento. E matou com intenção de matar. Ninguém asfixia uma pessoa sem querer.

E o mais angustiante é saber que ela demorou para morrer. Foi uma morte lenta e dolorosa, como ficou comprovado. É desesperador saber disso. Assim, o desfecho só poderia ter sido a condenação com esse tempo que ele pegou de prisão.

O jeito agora é seguir as nossas vidas, sem deixar de pensar na Cecília. Minha irmã não vai voltar. A vida dela foi tirada. Vamos conviver com essa saudade e tristeza para o resto da vida, mas vamos nos apoiar nos momentos felizes que tivemos. Preferimos nos apegar à imagem dela como uma pessoa iluminada, amorosa e generosa que sempre foi, para conseguirmos seguir em frente."

Entenda o caso
Cecília Haddad foi morta em 28 de abril de 2018 e teve o corpo jogado no Rio Lane Cove, em Sidney, na Austrália. Testemunhas afirmaram à polícia que a administradora de empresas e o engenheiro Mario Marcelo dos Santos Santoro tiveram um relacionamento e que ela não queria continuar com ele.

Santoro foi condenado a 27 anos de prisão pelos crimes de homicídio qualificado por motivo torpe, feminicídio e ocultação de cadáver.

Cecília foi morta em sua casa. Marcelo foi até o endereço para buscar seu passaporte porque tinha um voo para o Brasil no dia seguinte. Neste momento teve início uma discussão. Durante a briga, ao tentar calar Cecília, o réu asfixiou a vítima. Santoro, ao confessar o assassinato, afirmou ter se arrependido e chorou ao relatar como ocorreu a morte.

Veja também

Enem 2024: Ubes pede passe-livre a estudantes nos dois dias de provas
ENEM 2024

Enem 2024: Ubes pede passe-livre a estudantes nos dois dias de provas

Fãs, familiares e amigos se despedem de Maguila em velório na Alesp
Maguila

Fãs, familiares e amigos se despedem de Maguila em velório na Alesp

Newsletter