Sob pressão da variante delta, Inglaterra adia fim das restrições
Boris afirmou que o número de novos casos de Covid-19 no país creseu 64% na última semana e chegou a dobrar nas regiões mais afetadas
"A hora é de tirar o pé do acelerador", disse o premiê britânico, Boris Johnson, ao anunciar nesta segunda (14) que a retirada final de restrições contra Covid-19 não acontecerá mais em 21 de junho, como previsto. O motivo é preocupação com o crescimento da variante delta, identificada primeiramente na Índia, e falta de evidências completas sobre seu impacto.
Boris afirmou que o número de novos casos de Covid-19 no país creseu 64% na última semana e chegou a dobrar nas regiões mais afetadas, e as hospitalizações se aceleraram, crescendo cerca de 50% na última semana. Segundo ele, antes de retirar todas as restrições é preciso acelerar a vacinação e avaliar a tendência dos dados nas próximas semanas.
A variante delta se tornou a principal na Inglaterra, mudando os parâmetros para avaliação de risco, segundo o diretor-médico, Chris Witty. A próxima data possível para a abertura é 19 de julho. Boris manteve porém alguns relaxamentos, como a permissão para casamentos com mais de 30 convidados, a partir de 21 de junho.
Especialistas concordaram com o adiamento, por enxergarem riscos nos dados atuais. "A chegada da variante delta mudou a avaliação dos riscos de reabertura: é mais transmissível, causa doenças mais graves e as vacinas são menos eficazes contra ela", afirmou Mark Woolhouse, professor de epidemiologia da Universidade de Edimburgo.
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Apesar do sucesso na campanha de vacinação britânica, só um terço da população está completamente protegido contra a variante delta –levando em conta o número de doses já aplicadas e a eficácia de cada vacina contra essa mutação do Sars-Cov-2.
Até esta segunda (14), segundo dados do governo britânico, 22% dos adultos a partir de 18 anos não receberam nenhuma injeção e outros 22% ainda esperam pela segunda dose. Boris prometeu nesta segunda que, até 19 de julho, dois terços da população adulta e 100% dos com 50 anos ou mais teriam tomado as duas doses. O governo também espera ter dado ao menos uma dose a todos os adultos a partir de 18 anos.
Além da cobertura de imunização, outro motivo para a cautela adicional, segundo o governo e especialistas, é que a proteção das vacinas cai em relação à variante delta. De acordo com a Saúde Pública da Inglaterra (PHE), a eficácia de uma só dose é de 33%, e um estudo publicado na revista The Lancet aponta que a de duas doses varia de 60% a 79%, de acordo com o imunizante.
Além de uma proteção um pouco menor oferecida pela vacina, o mutante delta também eleva internações. Números recém-divulgados pelo governo escocês indicam que pessoas infectadas com a delta têm 85% mais chances de serem hospitalizadas que as contaminadas com a variante alfa.
"Mas ainda não há dados suficientes sobre o efeito da variante delta em necessidade de UTI e nas mortes. São determinantes importantes para qualquer decisão sobre retirar - ou até retomar - restrições contra o contágio", afirma Rowland Kao, professor de ciência de dados da Universidade de Edimburgo.
Ganhar tempo para conhecer melhor esse impacto é importante, segundo Woolhouse. "Uma grande onda de infecção - principalmente em adultos jovens que ainda não foram vacinados - poderia espalhar a doença entre os ainda não vacinados ou os mais vulneráveis, sobrecarregando o sistema de saúde", afirma. O adiamento também permite avançar mais com a vacinação.
Mesmo que não tenha prometido a liberdade total a partir de 21 de junho, o governo britânico pode esperar uma onda de críticas pelo anúncio desta segunda, que será percebido como um adiamento, afirma o professor de ciências do comportamento da Universidade de Warwick, Ivo Vlaev. "Isso se deve ao que descrevemos em psicologia como aversão à perda - sofremos muito mais com perdas que com ganhos de valor equivalente."
Segundo ele, quem tem algo a perder com o adiamento - por ter marcado um casamento ou uma viagem - ficará desapontado, porque já tinha a expectativa de realização, que foi retirada, e isso pode reduzir o respeito às medidas de restrição. "Algumas pessoas podem pensar 'o governo me prometeu minhas liberdades e prazeres associados depois de 21 de junho, agora está levando embora', e essa decepção provavelmente minará a confiança no governo, que é o principal motivador do cumprimento das regulamentações", afirma.
Mas para a maioria das pessoas não haverá grandes mudanças no dia a dia e elas continuarão obedecendo às restrições, diz Vlaev. "Pesquisas mostram que leva em média 2 meses para desenvolver um hábito, então só precisamos continuar um pouco mais em nossas rotinas diárias", afirma. Ele acrescenta também que, quando o governo oferece uma explicação confiável para algo desagradável, o impacto negativo é menor.
O professor de psiquiatria do King´s College de Londres Simon Wessely diz que o impacto sobre o humor das pessoas seria maior se o governo retrocedesse e começasse a reimpor regras que foram relaxadas. "As pesquisas sugerem que mais pessoas ficarão aliviadas do que desanimadas com a decisão. Para muitos, é o relaxamento contínuo das regras, e não o adiamento, que gera ansiedade", afirma.