Sobrinha de Trump e colunista que o acusou de estupro escrevem juntas romance: "zona sem política"
Críticas ferrenhas do ex-presidente, E. Jean Carroll e Mary Trump ficaram amigas durante a pandemia em grupo de tricô pelo Zoom
Mary Trump, sobrinha e crítica ferrenha do ex-presidente americano Donald Trump, lançará na próxima sexta-feira a primeira parte de seu novo romance "Italian Lesson" (Lição Italiana, em tradução livre).Ela, contudo, não assinará a obra sozinha: uma de suas colaboradoras é E. Jean Carroll, que acusa o ex-mandatário de tê-la estuprado em uma loja de departamento nova-iorquina nos anos 1990. Em abril, um júri civil determinou que o republicano a difamou e abusou sexualmente.
As mulheres ficaram amigas durante a pandemia, aproximando-se também da terceira autora da obra, a autora e professora de Direito Jennifer Taub, em um grupo de tricô pelo Zoom. O livro do trio foge da política e da Lei, contudo: contará a história de uma americana que, para fugir de seu passado secreto, se muda para a Toscana, onde encontra o charmoso dono de uma vinícola.
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A ideia veio para Mary durante um período pouco criativo no início deste ano, quando não conseguia avançar seus projetos de não-ficção. Foi um deles, a biografia "Too Much and Never Enough" ("Demais e nunca suficiente", em tradução livre), sobre a história de sua família, que lhe rendeu fama internacional quando foi lançado nos EUA em 2020. Decidiu, então, escrever o romance:
— Foi completamente improvável e anti-intuitivo — disse Mary Trump sobre o livro, cujos capítulos serão lançados na plataforma Substack ao longo do próximo ano.
Após ficarem amigas, as três mulheres haviam decidido manter contato e colaborar na criação do roteiro de um filme de romance do canal a cabo americano Hallmark — produções geralmente melosas, que via de regra contam histórias de mulheres e famílias que superam seus obstáculos em busca da felicidade.
— Realmente não queríamos perder uma às outras — disse Taub, que estava tricotando durante uma entrevista conjunta por Zoom.
O roteiro nunca saiu do papel, mas Trump teve a ideia de escrever a história como um romance serializado. O Substack foi escolhido porque todas as três têm contas e newsletters na plataforma.
Trump, que começou a escrever ficção antes de se consagrar contando histórias reais, se ofereceu para escrevê-lo, mas sentiu dificuldade com os pormenores do gênero. Carroll, que tem uma coluna de conselhos, ajudou a amiga com dicas de como escrever cenas que ocorrem a quatro paredes e cenários românticos realistas.
A colaboração, de forma geral, foi sem atritos, apesar de conflitos pontuais sobre o quão picante a história deveria ser. Durante a entrevista pelo Zoom, Trump e Carroll discordaram se o romance poderia ser descrito com precisão como “erótico”.
— Isso não é pornografia leve — disse Trump.
— Vamos esperar — rebateu Carroll.
— Não tenho isso em mim — rebateu Trump.
— Mary, você tem — Carroll insistiu, antes de tentar pôr um ponto final no vaivém. — Acho que teremos algumas cenas muito deliciosas, como só Mary pode descrevê-las. Então elas serão um pouco estranhas, mas acredite, haverá algumas cenas eróticas.
O trio concorda, contudo, que o trabalho tripartite não debaterá o ex-presidente Trump ou tópicos políticos. Será, disse Carroll, "uma zona sem política", classificando o trabalho como "uma fuga". Elas, evidentemente, sabem que muitos leitores as associam mais ao noticiário político do que a contos eróticos.
Tanto Carroll quanto Trump ganharam destaque por enfrentar o ex-presidente em suas biografias, tornando-se heroínas para muitos americanos mais progressistas e ímãs para ataques conservadores.
Foi em seu livro de 2019, "What Do We Need Men For?" ("Para que Precisamos de Homens?, em tradução livre), que Carroll acusou o ex-presidente Trump de estupro. Em abril, um júri federal de Manhattan considerou o republicano responsável por abuso sexual e difamação, estipulando que deve pagar à mulher US$ 5 milhões (R$ 24,9 milhões) em danos. Rejeitou, contudo, a acusação de estupro.
Estupro e abuso sexual são crimes no estado americano, mas ambos já estavam prescritos. O processo no âmbito civil só pôde ocorrer após Nova York aprovar uma legislação para que vítimas de abuso pudessem abrir processos pedindo compensações por casos passados. Carroll busca ainda uma nova indenização em resposta aos comentários que Trump fez em uma entrevista à CNN após o veredicto.
Durante a entrevista, o ex-presidente voltou a repetir não conhecê-la, embora, durante o julgamento, foram apresentadas provas documentais, como uma foto dos dois conversando amigavelmente em uma época próxima aos fatos.
— Não tenho ideia de quem é essa mulher — disse. — Está é uma história falsa.
Já Mary Trump se tornou uma presença constante na tv a cabo americana quando o livro que escreveu sobre a história de sua família foi lançada, uma relato particularmente comprometedor sobre o seu tio. A obra vendeu mais de 1,3 milhão de cópias apenas na primeira semana após o lançamento.
Trump disse que ignorou as preocupações de algumas pessoas em seu círculo profissional sobre a sua nova ficção. O temor era que o romance pudesse prejudicar sua reputação como comentarista política — segundo ela, "algumas pessoas disseram que estamos manchando a marca. Mas que marca?, indagou.
— Eu realmente não me importo com o que as pessoas pensam ou se vão [pensar]: ah, esse é um romance e você não é uma pessoa séria — afirmou Mary Trump.
Cerca de um terço do livro já foi escrito, disse ela, e o enredo já está completamente mapeado. A expectativa do trio é encontrar uma editora tradicional para publicar o trabalho quando ele estiver pronto, mas por enquanto os assinantes do Substack receberão material novo duas vezes por semana, junto com modelos de tricô e as receitas dos pratos italianos descritos na obra.
O acesso será gratuito pelas primeiras três semanas e, depois, exclusivo para os assinantes que pagarem US$ 60 (R$ 302) por ano ou US$ 6 (R$ 30) por mês. Quem desembolsar também poderá deixar comentários sobre a história, e Carroll promete responder a todos os leitores. Trolls, contudo, não serão tolerados.
— Se você quer me insultar, se quer ser mau comigo, é para isso que serve o Twitter — disse Mary Trump.