Sociedade e poder público precisam unir forças para evitar tragédias climáticas no Brasil
Enchentes no Rio Grande do Sul acendem alerta para todo o País
As mudanças climáticas se tornaram, ao longo dos anos, tema de discussões, reajustamento de rotas e preocupação para o poder público e a sociedade civil. Em meio à catástrofe que atingiu o Rio Grande do Sul, resultando em centenas de mortes e desabrigados em decorrência das chuvas -, os olhares para o assunto que chega a ser um dos maiores desafios de sobrevivência da humanidade estão redobrados, colocando em risco a existência, a saúde e os direitos humanos. Mas qual o papel de cada um neste processo?
O nível do Guaíba, principal bacia daquela região, que banha, além da capital Porto Alegre, as cidades de Eldorado do Sul, Guaíba, Barra do Ribeiro e Viamão, chegou ao pico de 5,33 metros no último dia 5.
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A situação tem servido de alerta para todas as regiões do Brasil. Pernambuco, por exemplo, atravessa a quadra chuvosa - que vai de abril a julho - e se prepara para resistir a possíveis impactos causados pelo fenômeno Ondas de Leste. Este sai da África em direção à costa nordestina, resultando nas fortes precipitações.
Em maio de 2022, o Estado sentiu de forma trágica os efeitos da devastação climática, que resultou em milhares de atingidos e deixou mortos, desabrigados e desalojados. São fatos alarmantes que deixam questionamentos: o que fazer para mitigar os transtornos provocados pelas transformações do clima? Como evitar catástrofes?
Para responder aos questionamentos, primeiro é preciso entender que as mudanças climáticas são respostas da natureza às ações antrópicas, que geraram os gases do efeito estufa a partir do final do século 17, com a Revolução Industrial, e na segunda metade do século 20, quando houve a expansão do setor.
Deserfiticação
Pernambuco não é vulnerável somente a inundações, deslizamentos ou chuvas. Quase 90% do Estado está no mapa da desertificação, que consiste na diminuição da umidade em solos arenosos, localizados em regiões de clima subúmido, árido e semiárido.
A atitude traz ameaças que influem na produção agrícola e redução da biodiversidade, por exemplo. Em 2020, a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco fez um zoneamento dos municípios que estão suscetíveis à desertificação e descobriu que, das 184 cidades, 123 correm esse risco.
Agora, de acordo com Karla Godoy, secretária executiva de Sustentabilidade do Estado, a população precisa trabalhar para mitigar a emissão de gases tóxicos e se adaptar às mudanças climáticas. Para isso, a pasta está desenvolvendo, desde 2023, uma ferramenta que vai monitorar a adaptação dos municípios à agenda de mudanças climáticas.
“É uma ferramenta que vai trazer relatórios anuais sobre esses municípios e criar um ranking com a posição que eles estão com relação à adaptação às mudanças climáticas, para, além de promover a integração local, saber do que eles precisam e quais são as vulnerabilidades. Já tivemos uma primeira oficina, em abril. Vamos ter um workshop, no dia 4 de junho. O primeiro relatório da ferramenta sai em agosto. Em breve vai ser lançada, também, uma plataforma com esses dados”, disse ela.
Plantio de árvores
O secretário executivo de Meio Ambiente de Pernambuco, Walber Santana, explica que as áreas de preservação permanente (APPs) dos rios, que são de 40 metros, precisam ser respeitadas. A gestão estadual está adotando iniciativas de restauração florestal, com um investimento de R$ 60 milhões para o plantio de 4 milhões de mudas até 2026. Entre os objetivos, o Governo visa acabar com a ocupação irregular dessas APPs.
"Essas iniciativas atendem a várias problemáticas. São indivíduos arbóreos que vão fazer o sequestro de carbono. Vamos ter que mudar a matriz energética e sair do combustível fóssil, gradualmente? Sim. É uma tecnologia antiga, mas que funciona muito bem, sendo unanimidade internacional”, alegou Santana.
Maior programa de resiliência urbana do BID está no Recife
Secretária executiva do ProMorar, da Prefeitura do Recife, Beatriz Menezes acredita que o segredo para minimizar os impactos está na boa qualidade da macrodrenagem, que facilita o caminho da água até às galerias, canais, rios e mares, provocando a resiliência urbana.
A capital pernambucana é banhada por quatro bacias: Capibaribe, Beberibe, Rio Pina e Tejipió. Esta última está na mira do ProMorar, que tem investido na macrodrenagem dela. O Tejipió tem a nascente em São Lourenço da Mata, na Região Metropolitana do Recife.
A área total da bacia possui 93,2 km², com 67,79 km² na capital pernambucana, percorrendo aproximadamente 20 km de extensão. Quando transborda, atinge diversos bairros, como Ipsep, Imbiribeira, Coqueiral, Jardim São Paulo e Tejipió.
A gestão municipal fez um empréstimo de R$ 2 bilhões com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e reuniu, em novembro de 2023, especialistas brasileiros e holandeses para discutirem soluções. Um parque alagável que será construído no Barro, Zona Oeste da cidade, está entre o conjunto de ações. A expectativa é de que até 2029, os alagamentos provocados pelo Tejipió diminuam em até 50%.
"Com o crescimento desordenado da cidade, as pessoas foram morar, cada vez mais, na beira do rio, o que fez com que a largura dele [do rio] diminuísse. Há 50 anos, a largura do Rio Tejipió costumava ter 70 metros. Em alguns locais, hoje, tem de 10 a 15 metros", pontuou.
"O ProMorar pretende trabalhar na dragagem e construção de duas áreas de reservatório sobre pavimento, na Avenida Mascarenhas de Morais, um dique de contenção na Avenida Recife e o alargamento do Tejipió em alguns pontos específicos”, explicou ela.
Ambientalista, filósofo e escritor, Ailton Krenak vive numa reserva, à margem esquerda do Rio Doce, em Minas Gerais. Em entrevista à Folha de Pernambuco, ele relembrou que, em 2015, o seu povo foi atingido pelo rompimento da barragem de Mariana, que ocupou a extensão de 600 quilômetros da bacia do Rio Doce. Ele acredita que a Terra vive “imersa num desastre que já foi anunciado desde o final da década de 1990”.
“Naquele ano, o Painel do Clima avisou que a gente tinha ‘perdido o último bonde’. Ou seja, a gente não tinha mais tempo para evitar o dano. Foi quando entramos na mitigação, que é quando alguém sofre um dano e não tem mais como conservar nada ou evitar os danos que vão suceder a cada um desses eventos semelhantes ao que acontece no Sul do Brasil [...] Nós continuamos alfinetando o corpo da Terra, achando que ela é uma plataforma morta que a gente pode dobrar e picar”, argumentou.
“Podem plantar árvores, muitas árvores. Talvez, elas deem um pouco de sombra para a gente, num momento de agravamento da temperatura do planeta que, se aumentar mais meio grau, morreremos queimados e derreteremos feito lesmas na calçada”, finalizou.