Socorrista relata cenas de horror durante exumação de colegas mortos por Israel em Gaza
Corpos de 15 paramédicos foram encontrados amarrados, com sinais de tiro à queima-roupa e mutilação, incluindo uma decapitação; Exército israelense anunciou que investigará o caso
O Exército de Israel anunciou nesta quinta-feira uma investigação para apurar o massacre contra 15 socorristas palestinos mortos em Gaza em 23 de março.
No último domingo, seus corpos foram encontrados em uma vala comum, ao lado dos destroços das ambulâncias bombardeadas.
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Segundo relatos obtidos pelo jornal espanhol El País, alguns estavam amarrados e apresentavam marcas de tiro à queima-roupa.
Autoridades israelenses alegam que os veículos não estavam identificados e afirmam ter atacado "terroristas".
O caso é o mais mortal contra profissionais de saúde em um ano e meio de guerra.
Ibrahim Abu al-Kass, socorrista do Crescente Vermelho, descreveu o horror de encontrar os colegas mortos em uma vala comum.
Ele contou ao El País que, no início, o grupo tentou usar pás para escavar os destroços, mas, ao encontrar os primeiros sinais do ataque, mudaram de tática:
— Os disparos não cessaram durante as operações de busca — relatou Abu al-Kass, que perdeu sua casa em Gaza durante os bombardeios e agora vive como deslocado em Deir al-Balah. — Os corpos estavam completamente mutilados, com ferimentos por toda parte e brutalmente alvejados a uma distância muito curta. Usamos as mãos para resgatá-los e não danificá-los ainda mais.
O diretor do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha, na sigla em inglês), Jonathan Whittall, que também participou da missão de recuperação dos corpos, descreveu a cena como "uma experiência chocante".
— As ambulâncias foram atingidas uma a uma — disse à AFP, relatando a destruição dos veículos ao lado da vala comum.
"Assassinados enquanto salvavam vidas"
Os relatos se baseiam em imagens do local, testemunhos de sobreviventes e comunicados oficiais.
O Crescente Vermelho Palestino, a Defesa Civil de Gaza e a ONU divulgaram os nomes e fotos das vítimas.
Segundo as instituições, as ambulâncias estavam identificadas e participavam de uma missão de resgate em Tel al-Sultan, Rafah, área sob controle israelense.
"Foram assassinados enquanto tentavam salvar vidas. Exigimos respostas e justiça", declarou Tom Fletcher, chefe de Assuntos Humanitários da ONU, em uma postagem no X.
O Crescente Vermelho classificou o ataque como "crime de guerra".
Em comunicado, a Defesa Civil de Gaza afirma que "alguns dos corpos foram amarrados e baleados no peito e na cabeça, e um deles foi decapitado", enquanto outros foram “cortados em pedaços”.
Segundo o porta-voz militar israelense Nadav Shoshani, o caso foi transferido para um órgão apropriado de investigação nesta quinta-feira.
A versão oficial israelense afirma que os militares identificaram "veículos suspeitos" avançando sem sinalização e abriram fogo.
Depois, alegam ter identificado um membro do braço armado do Hamas e "outros oito terroristas" entre os mortos. Em uma postagem no X, Israel afirmou que os “terroristas” frequentemente usam “instalações e equipamentos médicos para suas atividades”.
Dos 15 corpos recuperados, oito eram membros do Crescente Vermelho, seis da Defesa Civil e um era funcionário da agência da ONU para refugiados palestinos (UNRWA, na sigla em inglês). Além deles, um membro do Crescente Vermelho está desaparecido, e as organizações humanitários acreditam que ele possa estar sob custódia dos israelenses.
De acordo com as informações disponíveis até o momento, a ação começou com um bombardeio aéreo no local, para onde militares israelenses se deslocaram mais tarde para concluir o ataque.
Isso explicaria, além dos danos aos veículos — cinco ambulâncias, um caminhão de bombeiros e um jipe da ONU —, os ferimentos à queima-roupa e as mutilações relatadas, e o fato de que alguns dos corpos terem sido jogados em uma vala comum.
Dificuldade de resgate
Desde 23 de março, as organizações humanitárias tentaram obter permissão para acessar o local e resgatar os corpos, mas foram impedidas repetidamente.
As operações de busca foram dificultadas por tiros incessantes na região.
Fontes militares israelenses informaram à AFP que tentaram coordenar a retirada dos corpos, mas, devido a "limitações operacionais", cobriram-nos com lençóis e terra "para evitar a deterioração".
O Exército não desmentiu oficialmente a existência da vala comum.
Segundo Whittall, durante uma das tentativas de acessar a área, sua equipe do Ocha encontrou "centenas de civis fugindo sob disparos". "
Vimos uma mulher baleada na nuca.
Quando um jovem tentou resgatá-la, ele também foi atingido", escreveu no X, acrescentando que a equipe conseguiu recuperar o corpo da vítima com um veículo da ONU.
— O assassinato seletivo de equipes de resgate, protegidas pelo direito humanitário internacional, é uma violação flagrante da Convenção de Genebra e um crime de guerra — disse Basem Naim, uma autoridade sênior do Hamas, ao jornal espanhol.
Após o resgate no domingo, o hospital Nasser, em Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza, recebeu os corpos, em meio a cenas de luto de centenas de pessoas reunidas no local. O funeral foi realizado na segunda-feira.
A escalada da violência em Gaza já deixou mais de 50 mil mortos desde o início do conflito, a maioria mulheres e crianças.
Israel mantém jornalistas independentes fora da Faixa de Gaza, impossibilitando uma cobertura direta dos eventos. A ONU e diversas organizações denunciam graves violações do direito humanitário internacional.