SAÚDE

Solidão é um problema de saúde pública que aumenta o risco de adoecimento e morte

Isolamento indesejado é motivo de preocupação tanto quanto fumar, obesidade ou poluição, e muitos especialistas dizem que está em níveis epidêmicos

Foto: Pixabay

A solidão é prejudicial à sua saúde. Pode não chamar a atenção, mas especialistas dizem que pode ser tão ruim quanto fumar, obesidade ou poluição ambiental. O neurocientista argentino Facundo Manes o define como “um alarme biológico que nos lembra que somos seres sociais”.

E quando o sino toca, a doença está se aproximando. Os cientistas descobriram que a solidão e o isolamento social aumentam o risco de mortalidade em cerca de 30%. Causa um risco aumentado de doenças cardiovasculares, derrame, demência e problemas de saúde mental, como depressão. Um estudo recente publicado na Jama Surgery descobriu que a solidão pode ter efeitos negativos na recuperação pós-operatória de adultos mais velhos.

O isolamento social e a solidão são agora considerados problemas globais de saúde pública e muitos especialistas chamam isso de epidemia, embora seja difícil mensurar com precisão. Um artigo de 2021 da Organização Mundial da Saúde (OMS) descobriu que entre 20% e 34% dos idosos na China, Europa, América Latina e Estados Unidos se sentem solitários.

 



Outro estudo recente publicado no British Medical Journal descobriu (apesar de uma falta significativa de dados) que a solidão varia de acordo com a região e a faixa etária. A prevalência de solidão para adolescentes variou de 9,2% no Sudeste Asiático a 14,4% na região do Mediterrâneo Oriental.

A menor prevalência de solidão foi consistentemente observada nos países do norte da Europa (de 3% em jovens adultos para 5,2% em idosos) e a mais alta na Europa Oriental (7,5% em jovens adultos e mais de 21% em idosos).

Estatísticas à parte, a comunidade científica concorda que a solidão (um sentimento autopercebido de insatisfação com a frequência dos contatos sociais) e o isolamento social (a medida objetiva que quantifica os contatos sociais reais) são prejudiciais à saúde.

O relatório da OMS afirma: “Ambos encurtam a vida dos idosos, prejudicam a saúde física e mental e diminuem a qualidade de vida”.

O estudo com mais de 4.000 idosos publicado na Jama Surgery encontrou uma associação entre pacientes que sentiram solidão após uma cirurgia de emergência e uma maior probabilidade de morte em 30 dias. “Os resultados sugerem que a solidão pode ser um importante determinante social dos resultados pós-operatórios, principalmente para cirurgias não eletivas”.

A falta de companheirismo pode deixá-lo doente e, eventualmente, até matá-lo. Uma revisão científica de 2015 estimou que a solidão, o isolamento social e morar sozinho aumentam o risco de morte em 26%, 29% e 30%, respectivamente. Esther Roquer, presidente da Sociedade Catalã de Geriatria, disse:

— A solidão mata como uma doença e tem um efeito cascata de produzir mais doenças. Vejo como uma síndrome geriátrica, como a fragilidade. Tem uma alta prevalência entre os idosos e um impacto em sua saúde.

Nos idosos, a solidão começa com eventos como uma queda grave, aposentadoria do emprego ou a morte do cônjuge. Eles ficam presos em casa e sua fragilidade, dependência e incapacidade de dirigir ou sair de casa marcam o ponto de virada em direção à solidão, diz Roquer. Como um cachorro que morde o próprio rabo, o aumento do isolamento social leva a uma diminuição da capacidade de realizar tarefas diárias.

Relações sociais ruins também foram associadas a um aumento de aproximadamente 30% no risco de problemas cardiovasculares graves ou derrame. Uma revisão da literatura científica publicada na Public Health observou que adultos socialmente isolados têm um risco duas a três vezes maior de morrer após um infarto do miocárdio, enquanto pessoas com relacionamentos sociais mais fortes têm uma chance 50% maior de sobrevivência.

María Rosa Fernández, presidente da Associação de Risco Vascular e Reabilitação Cardiorrespiratória da Sociedade Espanhola de Cardiologia, explica que os cardiologistas estão tão conscientes dos impactos negativos da solidão que perguntam imediatamente aos pacientes que sofreram problemas cardíacos graves sobre seu apoio psicossocial.

— É fundamental. Um paciente que sofreu um episódio cardíaco grave e mora sozinho tem maior probabilidade de ter problemas semelhantes novamente. Uma pessoa sem apoio familiar suficiente também corre mais risco de desenvolver insuficiência cardíaca — diz Fernández.

Em termos de saúde mental, há evidências de que ter redes sociais amplas e diversificadas e relacionamentos emocionais de qualidade pode proteger contra a depressão. Da mesma forma, a solidão e a baixa participação social foram associadas a um maior risco de demência e até problemas de sono.

A solidão também tem sido associada a maus hábitos de vida, como fumar e consumir muito álcool. Esses comportamentos nocivos são, por sua vez, exacerbados pela menor exposição a comportamentos saudáveis ou conselhos de saúde devido ao mesmo contato social reduzido.

 

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Um ciclo vicioso
Os especialistas reconhecem que ainda não temos uma compreensão clara de como a solidão afeta a doença. Mas alguns especialistas a descrevem como um ciclo contínuo e vicioso. Uma teoria é que a solidão desencadeia uma resposta neuroendócrina.

“As pessoas que se sentem solitárias ou que são consideradas socialmente isoladas podem apresentar atividade elevada do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, uma resposta aumentada ao estresse crônico, pressão arterial elevada e níveis elevados de cortisol no sangue”, afirmou um estudo britânico publicado no Jornal da Sociedade Real de Medicina. Os níveis elevados desses mecanismos fisiológicos estão ligados a um risco aumentado de doença cardiovascular e morte. Tudo faz sentido, diz Fernández.

— O eixo hipotálamo-hipófise-adrenal é ativado em situações estressantes e a solidão causa estresse — afirma.

Mas ela também observa a influência significativa do estilo de vida de uma pessoa: — Todos os fatores sociais e psicossociais têm impacto na saúde cardiovascular. A causa exata não é conhecida, mas nem todos os estilos de vida são iguais. Quem vive em casal ou em família tem menos risco cardiovascular. Os seres humanos são feitos para viver em grupos e na companhia de outros.

Do ponto de vista psicológico, o estudo britânico aponta que a solidão está associada a maiores taxas de depressão e suicídio, bem como a comportamentos e hábitos inter-relacionados que levam a uma pior saúde cardiovascular.

“Comportamentos nocivos associados a maior mortalidade são mais comuns naqueles que estão sozinhos ou isolados. Eles são mais propensos a fumar, beber álcool e fazer escolhas alimentares ruins. Eles são menos propensos a sair de casa para fazer exercícios regulares e tomar os medicamentos prescritos conforme as instruções”.
 

Exaustão emocional

A falta de companhia também está associada ao declínio cognitivo, que “pode influenciar fatores de risco sociais e comportamentais, por exemplo, afetando a adesão à medicação, a atividade física e a capacidade de procurar ajuda”. O ciclo vicioso novamente.

Não é que a solidão cause demência, diz Teresa Moreno, coordenadora do Grupo de Estudos Neurogeriátricos da Sociedade Espanhola de Neurologia, mas acelera seus sintomas. “

— Há coisas que tornam os sintomas mais perceptíveis, e o isolamento social e a depressão aumentam a progressão da demência. Quanto mais você usa seu cérebro, menos você percebe os sintomas. Reunir-se com pessoas e ter uma vida social reduz os sintomas. Quanto mais pudermos atrasar esses sintomas, melhor — afirma.

Teresa acrescenta que as condições neurodegenerativas pioram com a solidão. Além disso, pessoas socialmente isoladas são menos propensas a procurar serviços de saúde de emergência e pedir ajuda.

— O que vemos é a ponta do iceberg. Muitas vezes, essas pessoas estão tão isoladas que não vêm até nós. Temos que ir procurá-los — explica Roquer.

Jovens também são afetados
Enquanto os idosos costumam sentir mais solidão e isolamento social, os jovens não estão isentos. Vários estudos identificaram uma associação entre a solidão em jovens e o aumento do consumo de tabaco. Os adolescentes mais isolados socialmente eram mais propensos a fumar, um hábito que causa sérios problemas de saúde.

Especialistas dizem que é necessário mais foco na solidão, juntamente com terapias para lidar com seus impactos na saúde. Não existe pílula ou poção para curar a solidão, mas existem estratégias que podem minimizar os danos que ela pode causar. Roquer defende a prescrição social, que consiste em recomendar atividades em um ambiente comunitário.

— É um problema complexo que requer uma boa coordenação entre diferentes disciplinas. Ao nível comunitário, devemos promover o voluntariado e estratégias intergeracionais envolvendo os idosos. Também precisamos de políticas para combater o preconceito de idade e lidar com a exclusão digital —diz.

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